Proteção de dados pessoais: estabelecimentos podem repassar informações de clientes?

Wanessa Rodrigues

Com frequência consumidores repassam dados pessoais: na hora de realizar um cadastro, uma inscrição, compras, entre outras situações. Mas, apesar de não ser permitido, há estabelecimentos que repassam ou vendem, sem autorização, as informações, como e-mail, telefone e endereço. Isso também ocorre no ambiente virtual. É comum, por exemplo, após realizar uma compra pela internet, o consumidor receber e-mails de outras lojas. No Brasil, ainda não existe legislação sobre dados pessoais o que pode deixar a população mais vulnerável. Para especialistas, esta é uma prioridade.

No último mês de agosto, a Câmara dos Deputados criou uma comissão especial para analisar projetos de lei que limitam o uso e o compartilhamento dos dados pessoais. Mais de cem países já têm leis para definir como essas informações devem ser tratadas. Os projetos de lei serão analisados pela comissão, que está em fase de indicação dos membros pelos partidos, e depois no plenário.

O advogado de Direito Digital Rafael Maciel
Advogado Rafael Fernandes Maciel, especialista em Direito Digital.

O advogado Rafael Fernandes Maciel, especialista em Direito Digital, observa que o Brasil está muito atrasado nesse tema. Ele explica que vários outros países, inclusive da América Latina, já possuem legislação específica para proteção de dados pessoais. O especialista lembra ainda que a união Europeia possui uma diretiva específica sobre o tema desde 1995 e que agora está em processo de atualização. “Tem que ser uma prioridade”, diz.

Maciel salienta que a coleta e o tratamento de dados pessoais, sobretudo aqueles sensíveis, tais como relativos à saúde e opção sexual, precisam ter regras claras. “Sobretudo num ambiente em que dados coletados presencialmente são migrados para o meio informático e, a partir daí, utilizados em conjunto com outros e até mesmo transferidos, sem que o titular de tais informações tenha qualquer ciência”, declara.

O especialista lembra que o Marco Civil alçou a proteção dos dados pessoais como direito fundamental do usuário de Internet. E o Decreto que o regulamentou trouxe regras ainda mais rígidas, não apenas para o momento de coleta, como também para que, no ambiente físico, sejam adotadas providências para controlar quem tem acesso e o que faz com os dados, de forma que corresponda àquilo que foi informado ao usuário.

“Obviamente não buscam tais projetos de lei ou mesmo a legislação já em vigor, acima citada, impedir a coleta e o uso/tratamento de dados pessoais. No entanto, deve haver um consentimento informado pela empresa que o coleta”, diz. Além disso, conforme Maciel, o próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC) deve ser aplicado, devendo o fornecedor pautar-se pela boa-fé objetiva, ou seja, prestando informações claras, precisas e suficientes.

Na Constituição

Tabajara Póvoa
Advogado Tabajara Póvoa, também especialista em Direito Digital.

O advogado Tabajara Póvoa, também especialista em Direito Digital, lembra que apesar de não existir uma legislação específica para a proteção de dados, no arcabouço jurídico, principalmente constitucional, existem várias garantias à liberdade de expressão e do direito à informação, que devem eventualmente ser confrontados com a proteção da personalidade e, em especial, com o direito à privacidade.

O especialista explica que a Constituição diz que são invioláveis a vida privada e a intimidade (art. 5º, X, CF), especificamente a interceptação de comunicações telefônicas, telegráficas ou de dados (artigo 5º, XII, CF). Há, ainda, a ação de Habeas Data (art. 5º, LXXII, CF), que prevê um direito genérico de acesso e retificação dos dados pessoais.

Jogos e aplicativos
Alguns jogos e aplicativos de internet usam GPS, um recurso de localização. Com isso, as informações dos usuários ficam armazenadas pela empresa dona do jogo, como acontece com os dados do Google Maps.  Para o advogado Rafael Fernandes Maciel, os riscos relacionados a dados de geolocalização são os mesmos dos dados pessoais. O especialista observa que, se esses dados, aliados a outras informações que aplicativos coletam, forem usados por pessoas de má-fé, pode representar até mesmo risco à segurança física do usuário.

“Além do mais, tais dados podem gerar publicidade invasiva, não solicitada. Isso tem que estar claro, e os aplicativos têm que preservar o direito de escolha. O problema é aliar o direito de escolha, quando somente é possível utilizar determinado aplicativo se fornecer os dados. Esse é o grande desafio!”, acredita.

Proteção
Tabajara Póvoa observa que, para se sentir mais protegido, o usuário de internet, por exemplo, deve sempre procurar um site seguro. Pesquisar as páginas de compras e, antes de colocar os dados, checar algumas críticas de usuários, ligar e verificar  se existe endereço no Brasil e se há atendimento por meio de telefone, além de endereço e CNPJ.

Maciel reforça as orientações e diz que é preciso ter cuidado com os dados que são compartilhados e com quem se compartilha. Além disso, não fornecer informações ou dados sensíveis em sites desconhecidos. Dados pessoais que não deseja que se tornem públicos, devem ser fornecidos apenas se fundamental para a prestação do serviço e desde que o usuário tenha mínimo de cuidado em atestar a idoneidade de quem está recebendo os dados.