Uma pesquisa da 6.ª edição da série Justiça Pesquisa, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revela que o racismo estrutural está profundamente internalizado no Sistema de Justiça brasileiro. O estudo, intitulado “Características do racismo estrutural (re)produzido no Sistema de Justiça: uma análise das discriminações raciais em tribunais estaduais”, foi apresentado no último dia 28 de novembro, durante o Seminário de Pesquisas Empíricas aplicadas às Políticas Judiciárias, promovido pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ.
O levantamento conclui que práticas discriminatórias implícitas e toleradas, além do baixo letramento racial e da baixa efetividade de políticas de redução de desigualdades raciais, perpetuam o racismo estrutural no sistema. A pesquisa foi realizada por acadêmicos da USP e da UFF, com base em entrevistas, observações de audiências e análises de dados quantitativos do CNJ.
Desigualdades evidenciadas
De acordo com o Diagnóstico Étnico-Racial no Poder Judiciário, pessoas negras, que representam 55,5% da população brasileira, ocupam menos de 15% dos cargos na magistratura e cerca de 30% dos postos de servidores. Enquanto isso, mais de 80% da magistratura é composta por pessoas brancas. A pesquisa também aponta que profissionais negros enfrentam microagressões e discriminação cotidiana, como restrições de circulação, desqualificação e racismo recreativo.
Além disso, as trajetórias de acesso à educação jurídica e ao mercado de trabalho são marcadas por desigualdades, como dificuldades em concluir o curso de Direito e barreiras em estágios, especialmente na iniciativa privada. Esses obstáculos refletem-se nos concursos públicos, onde a preparação desigual entre brancos e negros perpetua as disparidades.
Recomendações e diretrizes
A pesquisa oferece uma série de recomendações para enfrentar o racismo no Sistema de Justiça, alinhadas ao Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial. Entre as propostas estão:
- Reconhecimento do racismo institucional: Admissão formal do problema por todos os níveis do Sistema de Justiça.
- Fortalecimento das políticas de cotas: Ampliação das reservas de vagas e flexibilização de critérios mínimos em concursos.
- Incorporação do letramento racial: Inclusão do tema em editais de concursos e formações jurídicas.
- Acompanhamento de carreira: Criação de programas de acolhimento e suporte ao longo da trajetória profissional.
- Comitês permanentes: Instituição de grupos dedicados à formulação e implementação de políticas antirracistas.
Além disso, sugere-se a criação de estruturas independentes para registrar denúncias e investigar discriminações, garantindo que procedimentos envolvendo pessoas negras respeitem as garantias processuais constitucionais.
Impactos institucionais
O estudo foi amplamente elogiado durante o seminário. Segundo Gabriel Matos, secretário de Estratégias e Processos do CNJ, a pesquisa reflete o compromisso da gestão do ministro Luís Roberto Barroso em enfrentar o racismo no Sistema de Justiça. A professora Gislene Aparecida dos Santos, da USP, destacou que o trabalho vai além do Direito, contribuindo para a compreensão do racismo institucional no Brasil. Já o diretor da AMB, Marco Adriano Fonseca, defendeu a necessidade de uma visão integrativa e decolonial para promover uma sociedade mais justa e plural.
A iniciativa faz parte da Série Justiça Pesquisa, que promove estudos científicos para orientar ações do Poder Judiciário, com foco na ampliação das garantias fundamentais e no fortalecimento da democracia.