MP recorre pedindo nulidade de habeas corpus que trancou investigações contra padre Robson

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O Ministério Público de Goiás (MP-GO) opôs nessa quarta-feira (14/10) embargos de declaração contra a decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) que, ao conceder habeas corpus (HC) ao padre Robson de Oliveira Pereira, trancou investigação que apurava supostas condutas criminosas relacionadas a irregularidades nas Associações Filhos do Pai Eterno (Afipes).

Os crimes vinham sendo investigados no contexto da Operação Vendilhões, deflagrada em agosto deste ano. A decisão no HC, contudo, acolhendo alegação da defesa, entendeu que as condutas seriam atípicas, ou seja, não constituiriam crimes e, por isso, as investigações não deveriam prosseguir. Os embargos de declaração foram direcionados ao relator do HC, desembargador Nicomedes Borges.

Aém de impedir o prosseguimento das investigações relacionadas aos recursos das Afipes, a decisão do HC acabou por trancar um procedimento investigativo que não tinha qualquer relação com o caso. Trata-se do Procedimento de Investigação Criminal (PIC) nº 3/2018, que envolvia suspeita de conduta criminosa por parte de integrantes da Polícia Civil no caso da extorsão envolvendo o padre Robson, ocorrida em 2017. No entendimento do MP-GO, este foi um dos efeitos mais graves decorrentes do julgamento do habeas corpus, em especial porque a decisão foi tomada sem a oitiva do órgão ministerial. Segundo apontado, ouviu-se apenas a juíza, que não tinha conhecimento do caso.

Nulidade

Nos embargos, o MP-GO aponta omissões na decisão da Câmara Criminal e equívocos no processamento do habeas corpus que implicam sua nulidade. Assim, preliminarmente, o recurso destaca ter ocorrido flagrante violação ao contraditório na tramitação e julgamento do HC, em afronta ao disposto no artigo 662, do Código de Processo Penal, e, também, inexistência da alegada prevenção que resultou na redistribuição da relatoria do feito ao desembargador Nicomedes Domingos Borges. No mérito, os embargos destacam três omissões a serem sanadas.

Os embargos são assinados pelo procurador de Justiça Vinícius Jacarandá Maciel, que atuou no habeas corpus, proferindo parecer que não foi acolhido pela Câmara Criminal, e o promotor de Justiça Marcelo de Freitas, da equipe da Procuradoria Especializada em Recursos Constitucionais do MP-GO.

Sem contraditório

Preliminarmente, o recurso salienta que houve violação ao princípio do contraditório na tramitação e julgamento do habeas corpus em razão da ausência de prestação de informações pelo MP-GO no feito, ato necessário e exigido em lei por se tratar de investigação conduzida pela instituição. Conforme relatado, somente a juíza Placidina Pires, que concedeu as medidas cautelares requeridas nas investigações, foi intimada a prestar informações. Contudo, sublinha o MP, a magistrada limitou-se a explicar aqueles elementos aos quais teve acesso por ocasião das suas decisões.

Os embargos sustentam que a não prestação de informações (ou seja, a ausência de oitiva da instituição) resultou em prejuízo à investigação e à sociedade, interessada no esclarecimento dos fatos e também impossibilitou ao TJGO julgar os autos com todos os elementos necessários à formação de um juízo sobre a investigação. “A ausência de informações pelo MP acarretou, é claro, a impossibilidade de o tribunal goiano ter ciência do inteiro teor das investigações, especialmente das provas sobre as quais teve conhecimento a defesa antes do julgamento deste writ (o HC), mas que não foram colacionadas (anexadas)”, argumenta o recurso.

Segundo relatado, ao impetrar o HC em 9 de setembro, a defesa do padre Robson apresentou documentos do período entre a instauração do procedimento investigativo (20 de março de 2018) até 14 de agosto deste ano. Contudo, após essas datas, a defesa teve acesso a uma série de documentos e provas produzidos posteriormente, mas não os juntou. Algumas dessas provas (depoimentos) são detalhadas nos embargos de declaração. A argumentação do recurso é que essa sonegação de provas ocorreu porque os depoimentos “aniquilariam a tese defensiva de que o MP investigava atos de mera gestão”, ou seja, são elementos contundentes que evidenciam a prática de crimes.

Essa ausência de contraditório no HC, reforça o recurso, tornou-se ainda mais relevante e prejudicial no que diz respeito ao PIC nº 3/2018, o que apura possível conduta criminosa de policiais durante o episódio da extorsão ao padre. Neste PIC, afirma o MP, ainda não há provas judicializadas – ou seja, em relação a ele, não houve nem informações prestadas pela juíza, porque ela não tinha conhecimento dele. Assim, o PIC foi trancado sem que os únicos responsáveis pela condução da investigação – os promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) – tenham prestado qualquer informação.

Inexistência de prevenção

Outro argumento do MP pela nulidade do HC diz respeito à inexistência de prevenção nos autos, o que resultou na sua redistribuição. O recurso relata que, inicialmente, o habeas corpus foi distribuído para o desembargador João Waldeck Félix de Sousa, da 2ª Câmara Criminal, mas sobreveio certidão de redistribuição ao desembargador Nicomedes Borges, da 1ª Câmara Criminal. A alegação, para essa distribuição, é que haveria conexão do tema do HC com a apelação criminal referente ao processo julgado que resultou na condenação dos responsáveis por extorsão ao padre Robson.

Essa alegada conexão, porém, foi refutada pelo próprio relator do HC, que, em despacho, admitiu que não houve compartilhamento de provas da ação penal da extorsão com os procedimentos investigativos instaurados, mas apenas compartilhamento de elementos informativos. Apesar disso, de forma contraditória, o relator não se afastou do julgamento do HC, alegando celeridade e economia na prestação jurisdicional. Para o MP, esse argumento só poderia ser justificável até a apreciação da liminar (que foi negada). Após essa etapa, o feito teria de ser remetido ao juízo competente, no caso, o desembargador João Waldeck.

O entendimento do MP em relação a essa prevenção é que a defesa buscou se aproveitar de um processo em que o padre foi vítima para consolidar uma conexão com uma investigação na qual o religioso figura como suspeito, o que afronta e inverte o princípio da prevenção.

Assim, diante destas preliminares, que apontam violação ao contraditório e o equívoco na distribuição do HC por prevenção, o MP pede, nos embargos, que essas alegações sejam reconhecidas. No caso da ausência do contraditório, é pedida a extinção do habeas corpus ou a determinação à parte autora para adequar o polo passivo, para que haja a necessária oitiva do MP. Em relação à inexistência da prevenção, o requerimento é para que seja declarada a nulidade do feito, com a necessária remessa do HC para o relator inicial.

Omissões e reforma da decisão

Caso não sejam acolhidas as preliminares, o MP requer, no mérito, o reconhecimento de três omissões. A primeira delas diz respeito da ausência de correlação entre os fatos investigados no PIC nº 3/2018 e o objeto do habeas corpus, com a reforma da decisão para permitir a continuidade das investigações e mantendo válidas todas as provas produzidas no mencionado expediente.

Outra omissão seria quanto à possibilidade de a pessoa jurídica figurar como sujeito passivo dos crimes patrimoniais, reconhecendo-se a tipicidade das condutas investigadas e reformando o acórdão, a fim de que seja denegada a ordem e determinada a continuidade das investigações. Por fim, é apontado como omissão as provas obtidas nas investigações e acostadas aos autos, as quais demonstram que os atos perpetrados pelo paciente e demais investigados extrapolam meros atos de gestão e afastam a atipicidade das condutas, em razão dos fortes indícios de utilização da pessoa jurídica como instrumento da organização criminosa, determinando-se, assim, a retomada das investigações”. Fonte: MP-GO