Números da justiça goiana: como os desembargadores do TJGO julgaram habeas corpus em 2023?

A assunção de qualquer defesa em matéria penal deve ser precedida de amplo e preciso conhecimento sobre os aspectos relacionados, direta ou indiretamente, à reconstrução do fato penal e à definição da norma de incidência ao caso concreto. Essa tarefa perpassa o primeiro contato com a causa penal e se prolonga até que o provimento judicial buscado seja ultimado.

Logo, a atuação de um defensor criminal deve estar conectada à dinâmica de funcionamento e de julgamento dos Tribunais. Quero dizer, o advogado e a advogada que desejam atuar com excelência devem conhecer quem julga e saber como julga cada um dos tomadores de decisão. Ainda, devem compreender por que julgam desta ou daquela forma, neste ou naquele caso, quando inseridos neste ou naquele contexto.

Partindo destas premissas, e considerando que o principal ferramental de trabalho de que dispõe o advogado criminalista é a ação de habeas corpus, tenho buscado, de forma sistematizada e orientado por metodologia de investigação, compreender como o Tribunal de Justiça de Goiás decide quando provocado a julgar ações de habeas corpus.

A busca por respostas para a questão deu ensejo ao “Projeto Habeas Corpus” [1], iniciativa que desde julho de 2023 monitora as decisões proferidas em habeas corpus pelo TJGO a partir de consulta, extração e análise dos dados que são disponibilizados no Diário da Justiça eletrônico do TJGO, base escolhida para o levantamento.

E os dados apurados têm muito a dizer sobre o Tribunal e a jurisdição penal que tem sido prestada. Definitivamente, o TJGO não é mais o mesmo de 5 anos atrás. O TJGO de hoje é um Tribunal muito mais moderno, capacitado para o cumprimento de sua missão institucional. Por consequência, a prestação da jurisdição penal também tem sido outra, marcada por maior celeridade na tomada das decisões e por significativa ampliação da diversidade dos entendimentos nelas refletidos.

De início é possível dizer que o volume de trabalho das Câmaras Criminais do TJGO impressiona [2]. O levantamento computou o total de 3494 decisões proferidas entre julho até dezembro de 2023. Destas, 47% foram decisões liminares, 42% foram decisões colegiadas e 11% foram decisões monocráticas [3].

Quando apuradas as decisões tomadas por cada uma das câmaras criminais, o levantamento aponta que a 4ª Câmara proferiu 38% de todas as decisões, que a  3ª Câmara proferiu 24% das decisões, que à 2ª Câmara coube 20% do conjunto das decisões e, por fim, que a 1ª Câmara proferiu 17% das decisões computadas.

O levantamento também apurou a origem de cada uma das impetrações, categorizando-as por comarca e por  juízo (conhecimento e execução penal). Conforme é possível verificar do gráfico, Goiânia foi a comarca que mais ensejou impetrações de habeas corpus, com 25% de todas as ações impetradas no período apurado no levantamento, seguida por Aparecida de Goiânia, Anápolis, Rio Verde, Itumbiara, Luziânia, Jataí, Catalão e Formosa.

Ao todo, foram computadas 1456 decisões colegiadas. Deste total, a ordem foi denegada em 65% dos casos. Nos 33% dos casos em que a ordem foi concedida, coube à 4ª Câmara Criminal a maioria das concessões, no total de 46%, seguida pela 2ª Câmara, com 21% das ordens concedidas, pela 1ª Câmara, com 18%, e pela 3ª Câmara, a quem coube a concessão da ordem em 14% dos casos de deferimento.

Segundo o levantamento, o desembargador Fernando de Mello Xavier foi o magistrado que mais vezes conduziu a concessão de ordens em habeas corpus, num total de 62, seguido por Donizete Martins (47 vezes) e Linhares Camargo e Wild Afonso Ogawa (46 vezes cada um), todos da 4ª Câmara Criminal. Entre os desembargadores que menos vezes concederam a ordem estão a desembargadora Lilia Mônica (5 vezes) e o desembargador Roberto Horário (6 vezes).

Quanto às decisões preliminares, o desembargador Linhares Camargo deferiu liminares em 54 oportunidades, seguido pelo desembargador Fernando de Mello Xavier, que concedeu 20 liminares, e Ademar José Ferreira e Wild Afonso Ogawa, que deferiram, respectivamente, 16 e 13 liminares cada.

O levantamento também determinou os índices de recorrência de impetrações por tipo penal. A maior incidência de impetrações decorre de coações ilegais relacionadas a imputações por tráfico de drogas (24,33%), homicídio (17,32%) e roubo (7,3%). Nos casos de tráfico de drogas, Goiânia (217 impetrações), Aparecida de Goiânia (73), Itumbiara (60) e Catalão (35) são as comarcas com maior recorrência de impetrações. Já em relação aos casos de homicídio, as comarcas com maior recorrência são, respectivamente, Goiânia (76 impetrações), Anápolis (47) e Aparecida de Goiânia (40).

[1] O projeto objetiva monitorar as decisões do TJGO proferidas em habeas corpus e demais decisões proferidas em matéria penal. Ao longo do primeiro semestre de 2023, período em que o monitoramento se deu, a iniciativa contou com a atuação da equipe do escritório Gilles Gomes – Advocacia Criminal, especialmente pela Advogada Júlia Almeida e pelos estudantes Samira Calixto, Geovanna Vaz, Gabriel Ferreira e Hadassa Costa.

[2] Sobretudo se considerado que a atribuição para julgamento dos feitos criminais também compreende o julgamento de apelações e outros recursos.

[3] Para a finalidade da pesquisa, decisões preliminares são todas aquelas nas quais houve análise voltada à concessão liminar da ordem, mesmo nos casos em que não havia pedido expresso. Decisões monocráticas são todas aquelas em que a impetração foi indeferida, de plano, ou aquelas nas quais o habeas corpus foi julgado prejudicado, ou, ainda, aquelas que registraram a perda do objeto ou, também, homologaram a desistência pugnada na impetração. Por fim, decisões colegiadas são aquelas proferidas por cada uma da Câmaras Criminais (1ª, 2ª, 3ª e 4ª Câmaras).