Efemérides da Justiça Criminal

Uma jaca – a fruta – pode servir de instrumento para causar a morte de um desafeto? Quem nos responde a excêntrica pergunta é um dos maiores tribunos de Goiás, o Dr. Douglas Dalto Messora, quem, a pedido meu, nos prestigiou com o envio de relato de um entre os mais de 1.000 júris que realizou em sua magnânima atuação como Advogado Criminalista [1], e a quem homenageio na Coluna Defesa Criminal.

O Caso da Jaca

João das Coves, natural de Goiânia, viveu toda a sua existência na capital de Goiás.

João era um pária, andava pela região do Setor Pedro Ludovico em completo estado de embriaguez. Era o que os seus conterrâneos goianos denominam de “pé inchado”.

Vivia com seu irmão paralítico em uma casa herdada dos pais.

No dia 25 de novembro de 1995, por volta das 18h30, João já estava completamente embriagado em sua residência, quando recebeu a visita de seu desafeto Zézinho Pequi, também vitimado pela chaga do alcoolismo.

No momento em que Zézinho Pequi chegara à casa onde residia João, este foi de pronto lhe indagando o que lá fazia. João não gostava de Zézinho porque este denunciara falsamente seu irmão do roubo de uma enxada.

Superada a fase “verbal” da contenda, João deu início às vias de fato: empurrou Zézinho, trocaram tapas e a vítima foi ao solo em virtude de soco recebido de João.

Cegado pela raiva, o João, ao ver a vítima prostrada ao chão e observando que próximo a ele havia uma jaca verde, após desferir vários pontapés, tomou a jaca em mãos e a arremessou em direção à Zézinho, atingindo a região da cabeça. A vítima foi a óbito por grave traumatismo craniano.

João das Coves foi denunciado, processado, pronunciado, libelado e, por fim, em 27/09/2006, submetido a julgamento popular pelo 2º Tribunal do Júri da Comarca de Goiânia.

A sessão foi presidida pelo Magistrado Antônio Fernandes de Oliveira. Atuando lá estava a Promotora de Justiça Dra. Ilona Maria Crhistian de Sá que, após muitos anos de dedicação ao Tribunal do Júri, encerrava ali sua atuação, já que promovida a atuar em outra vara criminal da Comarca de Goiânia.

Dra. Ilona atuava no Júri com uma calma e discrição fantásticas, falava baixo e explorava os autos folha por folha. Como era natural ao final de suas falas, se o processo lhe permitisse, o coitado do réu estaria moído.

E no dia de sua despedida não foi diferente. Com a calma habitual, fez o seu sempre eficiente trabalho. Aniquilou João das Coves.

A situação da defesa era dramática.

Entretanto, buscando contrariar a fala da Promotora com uma fala mais dinâmica, foi possível demonstrar que a vítima dera causa a sua morte indo à casa de seus desafetos. Ficou evidenciado ao tribunal que naquele universo de ébrios tal atitude era por demasiado provocadora.

A Defesa mostrou que João a todo o momento só teve a vontade de lesionar a vítima e nunca a de matá-la. Esclareceu que para obter o resultado morte o acusado nunca se utilizaria de uma fruta e que, se pretendesse matar Zézinho, faria uso de um pedaço de pau, de uma pedra, etc.

Pautado sobre a tese desclassificatória de lesão corporal seguida de morte, duas perguntas foram formuladas aos senhores jurados: João das Coves, agindo como o descrito nos autos, quis o resultado morte da vítima? João das Coves, assim agindo, assumiu o risco de produzir o resultado morte da Vítima?

Por sete votos os jurados negaram os dois quesitos e o homicídio qualificado foi desclassificado para a conduta descrita como lesão corporal seguida de morte. João das Coves foi condenado à pena de quatro anos de prisão em regime aberto, deixando o plenário acompanhado de seu Advogado.

Não há relatos de que tenha tornado a comprar jacas.

[1] Os nomes verdadeiros dos envolvidos foram preservados.