Advocacia Criminal de Goiás receberá o ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ, em Goiânia

Conformar um processo penal orientado pela Constituição Federal de 1988 implica a superação de práticas de cariz inquisitorial que deformam os mecanismos de controle do poder punitivo estatal e as instituições responsáveis por operacionaliza-los. Um desses mecanismos é o procedimento de reconhecimento de pessoas previsto no art. 226 do Código de Processo Penal (CPP), a cargo das autoridades responsáveis pela investigação preliminar de natureza penal.

Para falar sobre o tema, a Advocacia Criminal de Goiás receberá, nesta sexta-feira (15), o ministro Sebastião Reis Júnior, integrante da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A atividade é promovida pela Comissão Especial de Defesa do Tribunal do Júri da OAB/GO e pela ESA, e conta com o apoio das Comissões de Direito Criminal, de Direito Penal Econômico e de Execução Penal da OAB/GO.

A superação da degeneração do reconhecimento de pessoas

Até o ano de 2020 a jurisprudência do STJ, ao interpretar o art. 226 do CPP, entendia “que o referido artigo constituiria mera recomendação e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos.” [1]

Foi a partir do julgamento do HC 598.886 (Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 18/12/2020) que a interpretação até então vigente sobre o art. 226 do CPP foi superada, estabelecendo-se que: “O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa”.

No caso levado ao STJ pela Defensoria Pública de Santa Catarina, o paciente havia sido condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão pela suposta prática do delito de roubo qualificado. A condenação foi fundamentada, exclusivamente, com base em reconhecimento fotográfico extrajudicial realizado pelas vítimas, e que não foi corroborado por outras provas dos autos. Segundo o reconhecimento, as vítimas teriam indicado que o autor do assalto possuía altura de 1,70m, sendo que o paciente ostentava 1,95m de altura, ou seja, 25 centímetros a mais do que retratado no reconhecimento.

Ao conceder a ordem para absolver o paciente e determinar fosse colocado em liberdade, a Sexta Turma do STJ concluiu que:

“1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;

2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;

3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;

4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.” [1]

O atual momento do reconhecimento de pessoas na jurisprudência dos tribunais superiores

O entendimento inaugurado pela Sexta Turma do STJ no HC n. 598.886/SC também foi acolhido pela Quinta Turma da Corte, no julgamento do Habeas Corpus n. 652.284/SC, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, em sessão de julgamento realizada no dia 27/4/2021.

Logo após, ao dar provimento ao RHC n. 206.846/SP para absolver paciente que se encontrava preso depois de ser reconhecido por fotografia em procedimento viciado (Rel. ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 25/5/2022), o Supremo Tribunal Federal, ao referenciar o HC n. 598.886/SC, fixou três teses:

“1) O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa;

2) A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo. Se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas;

3) A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem, ainda que em juízo de verossimilhança, a autoria do fato investigado, de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias, que potencializam erros na verificação dos fatos.” [2]

Ainda em 2021, a Sexta Turma do STJ tornou a enfrentar o tema do reconhecimento de pessoal, oportunidade em que expandiu sua posição inicial para afirmar que, mesmo nos casos em que o reconhecimento tenha observado os parâmetros legais, o procedimento, ainda que válido, “não possui força probatória absoluta, de modo que não pode resultar, por si só, na certeza da autoria delitiva” [3]. Em 2022 o entendimento tornou a ser exarado pelo colegiado, ocasião me que o Ministro Schietti Cruz consignou que “as agências estatais responsáveis pela persecução penal precisam mudar radicalmente a sua maneira de lidar com o processo criminal, zelando pelo aso particular”.

A atuação do STJ e do STF no tema do reconhecimento de pessoas, para além de abrir caminho à superação de práticas deformadoras dos mecanismos de controle do poder punitivo estatal, produz significativo efeito pedagógico capaz de refundar instituições que se desviaram do estado democrático de direito. Motivos de sobra, portanto, para que a vinda do ministro Sebastião Reis Júnior seja amplamente festejada pela Advocacia Criminal de Goiás.

[1] HC 598.886

[2] RHC n. 206.846

[3] HC 700313, HC 734709 E HC 709986