Desrespeito às instituições jurídicas? Alexandre de Morais incluiu Elon Musk no inquérito das milicias digitais

Em decisão proferida na noite deste domingo (07/04), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, indicou que a conduta da “X” e de seu CEO, Elon Musk, constitui uma ameaça clara ao Judiciário e ao Estado Democrático de Direito. Consequentemente, determinou a inclusão de Musk como investigado no inquérito 4874 (milícias digitais), a proibição de a plataforma descumprir ordens judiciais, a imposição de multas pesadas por não cumprimento e a instauração de inquérito para apurar a conduta do dono do “X”. Segundo a decisão, essas medidas visam coibir a continuidade das práticas ilícitas e restabelecer o respeito às instituições jurídicas e democráticas do Brasil​​.

De acordo com o ministro, a decisão decorre de investigações anteriores que apontaram para a instrumentalização criminosa dessas plataformas, promovendo desinformação e atos contra o Estado Democrático de Direito. Ao focar na conduta da empresa “X”, sob a liderança de Elon Musk, sobre quem recai a suspeita de iniciar uma campanha de desinformação, obstrução à Justiça e desobediência às ordens do Judiciário brasileiro, o ministro Alexandre de Moares sugere que a postura do “X” pode representar abuso de poder econômico com o objetivo de influenciar ilegalmente a opinião pública e manter condutas criminosas on-line.​

Bases da decisão

O ministro Moraes baseou sua decisão no Marco Civil da Internet e na Constituição Federal, enfatizando a obrigação dos provedores de internet em cumprir as ordens judiciais brasileiras. A decisão destaca a necessidade de responsabilidade equivalente à de outros meios de comunicação, sublinhando que os provedores não devem agir acima da lei e devem proteger a dignidade humana e a democracia​​.

Inquérito das milícias digitais (4874)

Ainda, o ministro sugeriu que a conduta da “X” e de seu CEO, Elon Musk, constitui uma ameaça clara ao Judiciário e ao Estado Democrático de Direito. Consequentemente, determinou a inclusão de Musk como investigado no inquérito das milícias digitais (4874).

Para rememorar, o Inquérito das Milícias Digitais foca especificamente nas atividades realizadas por grupos organizados em redes sociais que praticam atos de violência e disseminação de desinformação para intimidar e influenciar a opinião pública e o funcionamento das instituições.

Na decisão recente, o ministro Moraes apontou diretamente para as ações do “X” (anteriormente Twitter), sob a gestão de Elon Musk, acusando-o de obstruir a justiça e de incentivar a desobediência civil por meio de posturas que ameaçam a soberania do Estado e o processo democrático. A decisão expõe o que parece se tratar de instrumentalização criminosa das plataformas sociais para fomentar uma “milícia digital”, uma continuação das práticas investigadas no inquérito das fake news, agora com um foco renovado sob a administração atual da plataforma​​.

O Inquérito das Fake News, formalmente conhecido como INQ 4781, investiga a disseminação de notícias falsas e ameaças que atingem a honra e a segurança dos ministros do Supremo Tribunal Federal e de seus familiares. Este inquérito tem revelado uma rede de produção e circulação de conteúdo falso, que visa desestabilizar a ordem política e jurídica do país. A decisão recente de Alexandre de Moraes reforça a responsabilidade dos provedores de plataformas sociais e digitais em coibir a disseminação de informações falsas, destacando a utilização dessas plataformas para ataques coordenados ao STF e outras instituições democráticas​​.

Novo inquérito contra Musk

O ministro Alexandre de Moraes também e determinou a instauração de inquérito, por prevenção (dependência) aos inquéritos 4923, 4933, 4781, 4874 e PET 12100, para apuração das condutas de Eleon Musk, em relação aos crimes de obstrução à justiça, organização criminosa e incitação ao crime.

Chama a atenção o fato de o INQ 4923 ter sido instaurado no contexto dos atos de 08 de janeiro de 2023, com o objetivo de apurar a conduta de Autoridades do Estado Responsáveis por Omissão Imprópria. Nele, é apurado como a falta de ação ou a negligência por parte de certos funcionários públicos pode ter facilitado ou não impedido a realização dos atos antidemocráticos​​.

Impacto regulatório o capitalismo da vigilância

As decisões de Alexandre de Moraes destacam a tensão crescente entre as plataformas digitais globais e o poder Judiciário brasileiro. Essa tensão é abordada pela autora Shoshana Zuboff no livro Capitalismo da Vigilância.

Segundo Zuboff, o capitalismo da vigilância ameaça a autonomia individual e a liberdade, transformando a privacidade em uma mercadoria. Para ela, empresas como Google, “X” e Facebook utilizam algoritmos para prever e modificar comportamentos em escala, visando lucro através da precisão publicitária.

A autora aponta como essas práticas afetam as estruturas sociais, erodindo a base da confiança e da coesão social necessárias para uma democracia funcional. Zuboff destaca que o capitalismo de vigilância cria uma nova forma de poder que é incompatível com os ideais democráticos, pois concentra conhecimento e controle, representado efetivo risco contra a democracia.

Diferente do capitalismo tradicional que explora recursos naturais e trabalho, o capitalismo da vigilância explora dados privados. Nesse contexto, discute-se a importância de resistir a essa invasão de privacidade por meio de leis e regulamentações que restrinjam a coleta de dados. Zuboff chama para uma reflexão sobre o tipo de futuro que as sociedades querem construir, um que valorize a dignidade humana acima dos lucros empresariais.

As controvérsias acerca da atuação de Moraes

O Inquérito das Fake News, iniciado em março de 2019 pelo STF, tem sido um tema central no debate sobre a responsabilidade das plataformas digitais na disseminação de desinformação e ataques a instituições democráticas no Brasil. Vários pontos de controvérsia e crítica emergem das discussões em torno deste inquérito.

Primeiramente, o inquérito foi criticado por não ter o apoio inicial do Ministério Público, que chegou a solicitar seu arquivamento mais de uma vez, levantando questões sobre sua utilidade e legalidade. Este aspecto destaca um possível conflito institucional sobre as prerrogativas de investigação e acusação dentro do sistema jurídico brasileiro.

Além disso, o ministro Alexandre de Moraes, responsável pela condução do inquérito, aplicou diversas medidas coercitivas diretamente, sem ouvir as partes envolvidas. Essa abordagem tem sido vista como um possível cerceamento aos direitos fundamentais da ampla defesa e do devido processo legal, conforme preveem a Constituição e a legislação processual penal brasileira.

O inquérito também gerou discussões sobre a relação entre liberdade de expressão e responsabilidade institucional. O STF justifica o inquérito como uma forma de defesa contra a desinformação e os ataques que ameaçam o Estado Democrático de Direito. A ideia é que medidas excepcionais podem ser necessárias para proteger a integridade das instituições e do processo democrático, especialmente quando outras entidades estatais não conseguem ou não estão dispostas a fazer isso.

Esses elementos refletem o conceito de “democracia defensiva”, onde o Judiciário assume um papel ativo na proteção contra entidades e práticas que ameaçam o sistema democrático. Esta abordagem é sustentada por teorias constitucionais como a das “garantias institucionais” e dos “poderes implícitos”, que buscam preservar a funcionalidade e a integridade das instituições frente a ataques e desafios severos.

A controvérsia em torno do Inquérito das Fake News no Brasil, portanto, toca em questões fundamentais sobre os limites da atuação judicial, a interação entre os poderes do Estado e os direitos individuais em um ambiente digital e globalizado, cada vez mais permeado por informações falsas e campanhas de desinformação​.

Conclusão 

Correta ou equivocada, a decisão do Ministro Alexandre de Moraes no caso Elon Musk se insere num momento significativo no esforço de regulamentação das grandes plataformas digitais, refletindo a tensão crescente entre governos nacionais e gigantes tecnológicos globais sobre questões de governança, legalidade e ética no espaço digital.

Como pano de fundo do debate estão a reconfiguração dos limites de atuação das big techs, a ressignificação do conceito de liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento e o papel do estado para a garantia da democracia e dos direitos individuais.

O caso de Elon Musk deve ser visto como um alerta, tanto quanto aos limites da atuação do STF, quanto aos limites de quem explora um mercado cujo principal produto é o verdadeiro oxigênio para a democracia: a informação.