Paternalismo de hoje

O paternalismo, expressão originariamente utilizada para designar a relação de proteção e cuidado de pais sobre os filhos passou a ser utilizada nas relações sociais para retratar o momento em que, a pretexto de cuidado e proteção, a atuação do Estado, externada juridicamente, passa a ser de controle e de imposição de condutas, tudo justificado pela proteção daqueles destinatários dos comandos estatais.
 
A intervenção do Estado na vida de seus cidadãos pode ser rotulada como paternalista quando houver restrições desmedidas nas liberdades individuais e coletivas, na imposição de padrões uniformes e práticas perfeccionistas tendentes a minimizar ou aniquilar diferenças decorrentes exatamente da existência das liberdades.
 
De outro lado, as medidas tomadas pelo Estado visando garantir ou preservar a integridade física, a vida ou outros direitos e liberdades dos seus cidadãos, colocados em risco por condutas deles próprios também pode ser considerado paternalismo, razão pela qual se faz necessário algum aprofundamento.

No século XVIII  JOHN STUART MILL já sustentava:

That principle is, that the sole end for wich mankind are warranted, individually or collectively, in interfering with the liberty of action of any of their number, is self-protection. That the only purpose for which power can be rightfully exercised over any member of a civilized community, against his will, is to prevent harm to others. He cannot rightfully be compelled to do or forbear because it will be better for him to do so, because, in the opinion of others, to do so would be wise, or even right.  

STUART MILL elegeu o princípio do dano como o único móvel admissível do imiscuimento do Estado ou da sociedade na liberdade individual ou coletiva dos cidadãos. O dano é premissa justificadora da interferência cujo fim é a proteção. O “bem” físico ou moral, segundo MILL, não autorizaria a interferência.

Imposições ou restrições justificadas por essa ou aquela conduta ser melhor, por possibilitar uma vida mais feliz, não seriam admissíveis. Seriam bons argumentos para um simples debate, jamais para uma imposição ou restrição.

A única parcela de suas escolhas – voluntárias ou involuntárias, conscientes ou não – que o cidadão poderia ser compelido a fazer ou deixar de fazer pelo Estado ou pela sociedade seria aquela que interferisse na esfera de seus pares. “Na parte que se lhe concerne meramente, a sua independência é, por direito, absoluta. Sobre si mesmo, sobre o seu próprio corpo e espírito, o indivíduo é soberano”.

Fiquei matutando. O que justifica restrições em contratos de trabalho – limitações de horários e dias –, restrições ao uso de tabaco, obrigação de uso de capacete e cinto de segurança? Não seria um paternalismo?

*Carlos Vinícius Alves Ribeiro, Mestre e Doutorando em Direito do Estado pela USP, Professor de Direito do Estado, Promotor de Justiça.