O Estado Brasileiro e a crise paradigmática

A observação da inadequação das ferramentas científicas tradicionais para fazer frente às necessidades do contexto fático atual levou o físico Thomas Kuhn a dedicar-se à filosofia da ciência e lançar, em 1962, sua mais conhecida obra intitulada The Structure of Scientific Revolutions.

A concepção kuhniana é estruturada a partir de uma fase pré-paradigmática. O paradigma é o substrato sob o qual serão desenvolvidos os mecanismos de soluções dos problemas apresentados. Com a estruturação das ferramentas, surge o que ele denomina de ciência normal.

Enquanto as premissas da ciência normal são consideradas adequadas e as questões são resolvidas na lógica de um quebra-cabeça (puzzles), a ciência normal segue sendo satisfatoriamente adequada.
Todavia, o mapa paradigmático pode se mostrar infrutífero, fazendo surgir embaraços para o ajuste empírico das teorias científicas.

O papel do operador da ciência é insistir nos métodos, regras e princípios paradigmáticos da ciência o quando puder.

Ocorre que esse apego à ciência, aos métodos e aos paradigmas rompe quando, no extremo vários quebra-cabeças ficam sem soluções, multiplicando as anomalias no sistema.
 
Esse cenário leva à perda de confiança nos paradigmas e nas ciências e instala-se um grande período de divergência entre os estudiosos sobre os fundamentos da ciência, o que aproxima da fase pré-paradigmática.

Quando um paradigma substitui o antigo ocorre o que Kuhn nomina de revolução científica.
O Estado Brasileiro em sua relação com os cidadãos talvez esteja passando por um momento de crise paradigmática.

As ferramentas normativas de que dispõe para a consecução de seus objetivos não mais atendem satisfatoriamente as necessidades e os anseios dos cidadãos.

O gasto de energia estatal em atividades periféricas acaba drenando as forças e dificultando, senão inviabilizando, as atividades que são tipicamente estatais.
 
Esse quadro leva o cientista a refletir sobre o papel do Estado no atual contexto brasileiro.
Onde deve o Estado prestar e onde deve o Estado fomentar, induzir atividades que serão satisfatoriamente adimplidas – com o Estado em backstage, inclusive fiscalizando – por particulares?

Qual o verdadeiro motivo, senão um apego às velhas práticas e formas, à manutenção de atividades econômicas nas mãos do Estado?

Não bastasse, nota-se que o cidadão brasileiro é mais satisfeito com as prestações que são colocadas à sua disposição quando essas prestações são ofertadas por um particular, ainda que fazendo as vezes do Estado, o que significa, trocando em miúdos, que nós preferimos o título de consumidor ao de cidadão.

O consumidor conhece o prestador. Sabe onde cobrar e possui normas que garantem sua posição em relação aos prestadores. O cidadão caminha sempre em uma armadilha normativa que acaba por blindar o Estado quando confrontado em suas obrigações.

Preferimos transitar em rodovias concedidas duplicadas e seguras ou em precárias rodovias operadas pelo Estado?

Preferimos a telefonia operada pelas “teles” de acesso cada vez mais universalizado ou a rivalidade de um mercado pretérito que gerava filas na espera por uma linha vendida por uma estatal ou que nos levava a um mercado paralelo com preços exorbitantes?

A crise paradigmática não é de hoje.

O que falta é o enfrentamento com seriedade e sem paixões para manter os paradigmas que devem ser mantidos e romper com os que devem ser rompidos.
 
Ao homem o que é do homem. Ao Estado, apenas o que necessariamente é do Estado.

* Carlos Vinícius Alves Ribeiro é Mestre e Doutorando em Direito do Estado pela USP, Professor de Direito Público, Promotor de Justiça.