Dengue e a Revolta da Vacina

Tiros, gritaria, engarrafamento de trânsito, comércio fechado, transporte público assaltado e queimado, lampiões quebrados à pedradas, destruição de fachadas dos edifícios públicos e privados, árvores derrubadas: o povo do Rio de Janeiro se revolta contra o projeto de vacinação obrigatório proposto pelo sanitarista Oswaldo Cruz. 1

A notícia estampada na primeira página da imprensa retrata o conflito que marcou o início do período republicano brasileiro, especialmente entre 10 e 16 de novembro de 1904, na cidade do Rio de Janeiro, movimento que levou o nome de “Revolta da Vacina”.

Em 1902, apoiado pela oligarquia do café, Rodrigo Alves assumiu a Presidência da República tendo basicamente dois objetivos: erradicar as pestes que dizimavam pessoas no Rio de Janeiro – peste bucólica, febre amarela e varíola – e reurbanizar a cidade. Essas duas medidas, acreditava-se, atrairiam investimentos para o país, pois a situação no Rio de Janeiro era tão crítica no início do século XIX que os diplomatas estrangeiros fugiam para Petrópolis para evitar o contágio.

Ao assumir a Presidência, Rodrigo Alves nomeou, em 1903, o então médico sanitarista Oswaldo Cruz para o cargo de chefe da Diretoria de Saúde Pública. Ao assumir o cargo, ele disse que, se lhe fosse dada liberdade de ação, em três anos exterminaria a febre amarela, e de fato o fez. O método utilizado gerou bastante revolta, todavia, por utilizar a invasão de residências inclusive contra a vontade dos proprietários para pulverizar enxofre e piretro, a interdição de estabelecimentos e a internação forçada de pessoas doentes.

A imprensa carioca nominava os atos de Oswaldo Cruz de “Código de Torturas”. Essas medidas desagradavam os positivistas, que reclamavam da falta de respeito do Governo para com os direitos individuais. Jacobinos e florianistas, opositores do governo, aproveitaram-se da revolta da população para levar adiante um movimento de tentativa de derrubada do Presidente que, segundo eles, privilegiava a oligarquia paulistana do café.

Em 9 de novembro de 1904, o jornal carioca “A Notícia” publicou o projeto de regulamentação da lei, aprovada em 31 de outubro daquele mesmo ano – a lei da vacinação obrigatória –, com medidas marcadamente autoritárias. Por isso, criou-se um movimento contra essas medidas, a Liga contra a Vacina Obrigatória, cujos boatos fomentavam a revolta da população.

Esse movimento era financiado pelos monarquistas, contando com o auxílio de jacobinos e florianistas, que se valiam da imprensa para estimular a população. O movimento, então, toma as ruas do Rio de Janeiro e trezentos cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha marcham armados até o palácio do Catete, onde anabolizam o movimento contra a vacinação, transformando o Rio de Janeiro em uma arena de guerra.

No dia 16 de novembro de 1904, o governo suspendeu a aplicação da lei e, por consequência, a vacinação obrigatória, e declarou estado de sítio. A Revolta da Vacina rendeu mais de trinta mortos, cento e dez feridos, mil presos e mais de quatrocentos deportados para o Acre.
Esse quadro da história brasileira demonstra que, apesar de a finalidade almejada pela Administração Pública ser relevante, o trato com questões ligadas aos direitos e às garantias individuais é bastante sensível.

Nós, cidadãos, esperamos que o Estado (Município) atue fortemente no combate à dengue, como também esperamos que sirva a Revolta da Vacina de exemplo e alerta para que não se descure do respeito aos direitos e garantias individuais.

1 – JORNAL GAZETA DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, n. 319, 14 de novembro de 1904.