Assim como meu xará Vinícius – o de Morais -, “tem certos dias em que eu penso em minha gente, e sinto assim todo meu peito se apertar”.
E o motivo de minha preocupação atinge não apenas os humildes retratados na bela canção, mas todos os indivíduos, os privados, quando de qualquer maneira se relacionam com o Estado.
O Estado, esse ente gestor de parcela de nossas liberdades e supridor obrigatório de algumas das nossas necessidades, que não é mais que um aparelho burocrático – burocracia no sentido weberiano – formado por gente, igualmente privada, não diferente dos “súditos” do Estado, ou dos “administrados”.
A Administração Pública que se afasta das finalidades fixadas em lei alinhadas com os interesses coletivo, e entroniza vontades individuais, transforma cidadãos em administrados, em súditos. Essa Administração se justifica por si mesma; não é gestora senão de interesses egoístas de seus agentes.
O que torna os agentes do Estado, sejam eles quais forem, poderosos, arrogantes, violadores de direitos e liberdades individuais senão a impressão ou a crença de que, investidos de ‘poder de Estado’ não são mais cidadãos?
Deixam de ser administrados e passam a ser administradores.
A capa estatal, a capacidade de agir e falar em nome do Estado, afasta muitos cidadãos de suas cidadanias, levando-os à crença íntima de que, dali em diante, frequentam um Olimpo, são o Olimpo; são eles o próprio Estado.
A crença na superioridade do Estado, ao invés da noção de que o Estado e seus agentes são servidores de toda gente, o servir-se do Estado, ao invés de servir os cidadãos em nome do Estado, pode ser a origem de muitas mazelas.
O assenhoramento do público pelos privados, as dificuldades criadas para a criação de um mercado de soluções, a vontade pessoal de quem age em nome do Estado dando lugar a vontade coletivamente plasmada em lei, afasta a administração pública dos cidadãos, fazendo surgir uma relação muito mais de ódio que de confiança.
Conquanto esperamos e elegemos pessoas para nos servir, vemos, dias após a eleição, pessoas servindo-se do coletivo.
Com a proximidade de nossa ida às urnas, volta a oportunidade de decidirmos: queremos ser súditos ou cidadãos?
*Carlos Vinícius Alves Ribeiro, Mestre em Direito do Estado pela USP, Doutorando em Direito do Estado pela USP, Professor de Direito Administrativo e Direito Público, Membro do Centro do Estudos de Direito Administrativo, Ambiental e Urbanístico da USP, Promotor de Justiça