Assassinato do promotor argentino: Quando o institucional mata o pessoal

Há muito mais coisas transitando nos bastidores do poder e da justiça do que o que é revelado. Isso há muito foi bem retratado pelo administrativista argentino Agustin Gordillo em seu livro La Administracion Paralela.

Essa semana a mesma bela Argentina de Gordillo nos apresentou uma história digna de triller.

Em 1994 a Associação Mutual Israelita Argentina foi atacada pelo Irã, em um atentado que deixou 85 mortos e mais de 300 pessoas feridas.

Esse atentado contra a comunidade judaica vinha sendo investigado há anos pelo fiscal da Defensoria del Pueblo, o equivalente aqui ao Ministério Público, Alberto Nisman.

Nisman, inclusive, havia interrompido uma viagem de férias à Espanha para apresentar formalmente uma denúncia em desfavor da Presidente da República, Cristina Kirchner, ao Congresso, denúncia que também atingiria o chanceler argentino Héctor Timerman.
 
Segundo Nisman, a Presidente havia firmado um acordo com o Irã de não punição pelo atentado à comunidade israelita (AMIA).

Todavia, no dia em que a denúncia seria formalmente apresentada, seu corpo foi encontrado já sem vida em seu apartamento em Puerto Madero.
 
Todas as evidências técnicas levam a crer que o Defensor del Pueblo suicidou-se com um tiro disparado de sua própria arma.

Desde 2004 Nisman vinha investigando o atentado praticado pelo Irã, inclusive por designação do então Presidente Néstor Kirchner.

Essa semana, Nisman pleitearia do Congresso que a Presidente fosse interrogada sobre a assinatura de um Memorando de Entendimento entre Argentina e Irã, que impunha ao Defensor del Pueblo que os envolvidos no atentado fossem investigados em um terceiro país, que não Irã ou Argentina.

Nisman, assim como todo o sistema de persecução penal argentina, vinha em uma relação de atrito com o Governo Argentino, que rotineiramente, segundo diziam, tomava medidas para dificultar as investigações que já se arrastavam por mais de 20 anos.

Nesta recente acusação de Nisman à Presidente, para além de narrar todos esses fatos, bem como denunciar que a Presidente, interessada em fixar a relação petrolífera comercial com o Irã, se dispôs a dificultar as investigações, pediu o bloqueio de 23 milhões de dólares das contas da Presidente e do chanceler com o fim de garantir as indenizações.

Seja lá o que tenha acontecido, como disse a deputada Patricia Bullrich, um promotor morto antes de dar um relatório ao Congresso em um caso envolvendo terrorismo internacional é de enorme gravidade, ainda mais por não haver nenhum sinal pretérito, segundo quem convivia com Nisman, de que ele estava deprimido ou planejando algo desta natureza.
 
Se foi suicídio ou não – apesar de a perícia argentina afirmar que foi, não encontraram resquícios de pólvora na mão de Nisman, o que pode desmentir a tese – fato é que, seja lá o que ocorreu, derivou de sua atuação funcional.

E quantos não são os casos, por aqui, inclusive, de membros do Ministério Público e da Magistratura, que no desenvolver regular de suas funções sofrem ameaças, pressões extremas a ponto de desenvolver doenças psiquiátricas ou físicas?

Até onde a instituição não foi a responsável por tantos casos como o de Nisman? O abandono dentro do lar pode ser uma das maiores causas…

*Carlos Vinícius Alves Ribeiro, Professor de Direito Administrativo e Urbanísticos, Promotor de Justiça em Goiás, Membro do Conselho Nacional do Ministério Público, Mestre e Doutorando em Direito do Estado pela USP.