Natureza da recuperação judicial

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    Enquanto estava em vigor o Decreto-Lei número 7.661, de 21 de junho de 1945, que regulava a falência e a concordata, era pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência brasileiras, que o último instituto – a Concordata -, era tida como um favor legal concedido ao devedor de boa-fé. Que era um favor legal ninguém discutia a respeito; todavia, quando aos seus destinatários – devedores de  boa-fé -, isto sim, era muito questionável, pois  boa-fé pouco se via em muitas concordatas. Porém, sem cumprir as suas reais finalidades e tendo se desvirtuado por completo, o citado Decreto-Lei foi revogado, deixando de existir o instituto da Concordata.

    A lei que revogou o Decreto de 1945 foi a de número 11.101/05, de 09 de fevereiro de 2005, porém, com vigência somente a partir de 09 de junho de 2005. E trouxe como grande novidade o instituto da Recuperação Judicial, a par da extrajudicial. Só que a primeira, diziam os doutrinadores, seria a substituta da concordata. Mas, se a Concodata tinha a natureza de um favor legal concedido ao devedor de boa-fé, qual será a natureza da Recuperação Judicial? Este instituto da  recuperação judicial de empresas, pacificou a doutrina,  tem a natureza de um contrato judicial, em que, efetivamente, havendo qualquer rejeição ao Plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, existirá o encontro entre este e respectivos credores com o fito de negociarem literalmente a forma de pagamento, por meio de uma Assembleia-Geral de Credores. E, sendo uma forma de negociação entre devedor e credores, não podia, a nosso ver, a Lei que regula a questão impor qualquer responsabilidade de conotação financeira sobre o futuro acordo, como juros, multa, correção monetária ou qualquer outro ônus, pois isso descaracterizaria os seus princípios e os seus fundamentos.

    Ademais, e demonstrando exemplificativamente esse caráter contratual/liberal da recuperação judicial, o próprio legislador meramente “sugeriu” que, “as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação
    judicial.” (Parágrafo 2º, do artigo 49).

    O que quis o legislador fazer? Em um primeiro momento, exigiu que o devedor pretendente da recuperação judicial declare em sua inicial o exato valor do seu débito até o dia do protocolo do pedido (Art. 51, III e IV, da Lei 11.101/05), entendendo-se que aqui, exclusivamente aqui, impõe ele a obrigação ao impetrante de declarar o valor de face de cada débito mais os acréscimos
    contratados (os citados encargos). Em um segundo momento, e aqui já nos encontramos na fase posterior ao deferimento do processamento do pedido da recuperação judicial, o legislador, literalmente, “abriu” ao impetrante todas as possibilidades legais e imagináveis de confeccionar e apresentar o seu plano de recuperação, discriminando pormenorizadamente os meios a serem empregados (art. 53, inciso I), dentre outros (artigo 50).

    Com essa liberdade que o legislador concedeu ao devedor/recuperando, pode este, ao confeccionar seu plano, além de não prever o pagamento de qualquer juro, multa, correção monetária ou qualquer outro encargo que por acaso tenha declarado em seu pedido, prever deságios dos mais variados percentuais e prazos os mais longos e imagináveis. E a prática nos tem demonstrado isso, com a aprovação de muitos planos de recuperação que, a princípio, parecem teratológicos, mas que ao fim, são aprovados.

    O que fez o legislador, contrariamente às pretensões do impetrante? Meramente
    concedeu aos credores a possibilidade de rejeitarem o plano apresentado (art. 55). Feito isto por qualquer credor, é obrigação do juiz do feito convocar a Assembleia-Geral de Credores para deliberar sobre o plano, oportunidade em que estarão frente a frente os maiores interessados (credor e devedores) para efetivamente negociarem. Daí, a natureza de contrato da recuperação judicial.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; A Recuperação Judicial, a Nova Lei.., AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Ed. Juruá. É membro da ACAD Academia Goiana de Direito. É atual vice-Presidente da ACIEG. Mantém o site www.recupercaojudiciallimiro.com.br