Momento da caracterização do crédito para se submeter aos efeitos da recuperação judicial

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    A Lei de Falências e Recuperação de Empresas, de número 11.101/05, no curso dos seus quase 15 anos de vigência – 09.06.2020 -, tem, em boa parte dos seus operadores, causado divergências quanto a certas interpretações. Uma delas é sobre quais débitos estão sujeitos à recuperação judicial, levando-se em conta, nestes nossos estudos, especialmente, o tempo de sua existência, ou seja, se antes ou depois do ajuizamento do pedido de recuperação judicial.

    De seu lado, a própria Lei 11.101/05, em seu artigo 49, diz, literalmente, que: “Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”. (Destacamos). Este dispositivo, de seu turno, não pode ser interpretado na sua literalidade, vez que existem as exceções de créditos que não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, como os contidos nos parágrafos deste mesmo artigo 49.

    No caso sob nossos estudos hoje, a questão tem por fundo o cumprimento de sentença decorrente de ação declaratória c/c indenização, cujo evento danoso ocorreu em momento anterior ao ajuizamento do pedido da recuperação judicial. Mas, em qual momento, na ação respectiva – declaratória c/ c execução -, que ocorre esse evento danoso?

    No Agravo de Instrumento número 5064482-45.2020.8.09.0000, o nosso Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, por sua 4ª Câmara Cível, cuja relatora é a eminente desembargadora Nelma Branco Ferreira Perilo, julgado em 20/04/2020, DJe  de 20/04/2020, fica muito claro, no seu brilhante voto, o exato  momento da ocorrência deste evento danoso, assim como outros ensinamentos, conforme se depreende do inteiro teor da ementa a seguir transcrita em sua íntegra:

    “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA DEVEDORA. EVENTO DANOSO OCORRIDO EM MOMENTO ANTERIOR AO PLEITO RECUPERACIONAL. CRÉDITO CONCURSAL. SUBMISSÃO AO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO REFORMADA. 1. Em se tratando de cumprimento de sentença decorrente de condenação por responsabilidade civil, a jurisprudência dos Tribunais Pátrios firmou-se no sentido de que a data de constituição do crédito é o dia do evento danoso e não a data do trânsito em julgado da sentença que o quantificou, nos termos do artigo 49, caput, da Lei federal nº 11.101/2005. 2. No caso em apreço, o evento danoso é anterior ao recebimento da ação de soerguimento judicial da agravante, razão pela qual o crédito é de natureza concursal, devendo, pois, submeter-se ao plano de recuperação judicial. 3. In casu, deve ser reformada a decisão agravada, a fim de reconhecer a natureza concursal do crédito, que deverá ser liquidado no cumprimento da sentença com observância da Lei 11.101 e, posteriormente habilitado no juízo universal com a correspondente certidão de crédito, dando ensejo, assim, à extinção da execução no juízo de origem. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO”. (Destaques e grifos nossos).

    Até então, alguns Tribunais de Justiça entendiam que a ocorrência do evento danoso se verificava quando do trânsito em julgado da sentença que o julgou procedente. Entretanto, como muito bem acentuado pela digna Desembargadora Nelma Ferreira Branco Perilo, “Em se tratando de cumprimento de sentença decorrente de condenação por responsabilidade civil, a jurisprudência dos Tribunais Pátrios firmou-se no sentido de que a data de constituição do crédito é o dia do evento danoso e não a data do trânsito em julgado da sentença que o quantificou”. (destacamos).

    Daí  se este evento danoso ocorreu antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial, o crédito correspondente tem a natureza concursal, submetendo-se, portanto, aos efeitos do pedido, onde deve constar o seu valor e a sua classificação.