A recuperação judicial e os débitos tributários

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    A LFRE, número 11.101/05, é muito explícita ao dizer em seu artigo 57, que “Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”.  É que citadas certidões, conforme diz o artigo 58 da Lei de Recuperação Judicial, são, em princípio, requisitos para que o juízo do feito possa conceder a RJ ao impetrante. Da mesma forma, o artigo 191-A do Código Tributário Nacional, dispositivo este acrescentado pela Lei Complementar de nº 118, da mesma data de vigência da LFRE – 09.06.2005 -, também afirma que esta medida de comprovação de quitação de todos os débitos ou mesmo o respectivo parcelamento é também condição ou pre-requisito para a concessão da RJ: “A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei”. Todavia, este mesmo Código Tributário Nacional prescrevia que Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento e, enquanto esta não existisse, que  obedecer-se-ia as leis gerais de parcelamento do ente da Federação, não podendo, entretanto, ter um prazo menor que o previsto  ao concedido por lei federal que a tal autorizasse.

    A LFRE vigorou desde 09 de junho de 2005 até a data de 13 de novembro de 2014, quando se editou a tal Lei específica – de nº 13.043 -, e nesse ínterim todas as recuperações judiciais que mereceram a concessão a obtiveram sem a apresentação das questionadas certidões acima especificadas, segundo firmou a jurisprudência, inclusive a do STJ. Mas, a partir de 13.11.2014, com a vigência da Lei específica que criou as condições para o parcelamento dos débitos tributários a nível nacional, o entendimento dos julgadores procurou adequar-se às novas regras, ou seja, exigindo que para que se concedesse a RJ, necessário primeiro a apresentação das citadas certidões.

    Neste mesmo espaço, há algumas semanas atrás, divulgamos um interessante julgado que tinha por Relator o nobre Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Dr. Carlos Alberto França, que concedia uma RJ sem a apresentação das mencionadas certidões. E, para a nossa agradável surpresa – nós que defendemos sempre a continuidade da atividade (o maior princípio que rege as RJ),  vimos hoje que o eminente Desembargador citado não está sozinho em nosso TJGO quanto à forma de pensar e decidir concessão da RJ sem a apresentação das certidões negativas), pois no Agravo de Instrumento de nº  5300797-30.2016.8.09.0000, a Exma. Sra. Relatora, Eminente Desembargadora Dra. Sandra Regina Teodoro Reis, 6ª Câmara Cível, julgado em 16/11/2017, DJe  de 16/11/2017, também, sob fortes argumentações, dispensou a apresentação das certidões aludidas, conforme vemos: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CABIMENTO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 1.015 DO CPC/2015. 1. Tem-se por razoável admitir a ampliação das hipóteses elencadas no parágrafo único do prefalado artigo 1.015 do CPC/2015, de molde a alcançar as decisões que, em tese, não seriam agraváveis por não constarem do rol do caput do referido preceptivo legal, possibilitando à parte, assim, questionar decisões por meio do agravo de instrumento. EXIGIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS, PREVIAMENTE À HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO. DESNECESSIDADE. 2. A orientação do egrégio STJ, mais consentânea com a realidade social confere interpretação teleológica e axiológica aos art. 57 da LRJF e art.191-A do CTN, de molde a dispensar para efeito de homologação de plano de recuperação e consectária concessão de Recuperação Judicial, a apresentação de certidões negativas de débitos tributários. RETIRADA DO NOME DAS RECUPERANDAS E SÓCIOS DOS CADASTROS RESTRITIVOS. NOVAÇÃO DA DÍVIDA COM A APROVAÇÃO DO PLANO. POSSIBILIDADE. 3. O plano aprovado implica em novação dos créditos anteriores ao pedido, acarretando a extinção da relação jurídica anterior, vez que substituída por uma nova, não sendo mais possível falar em inadimplência do devedor com base na dívida extinta. 4. A exclusão, dos cadastros de inadimplentes, do nome da recuperanda e dos seus sócios se sujeita à condição resolutiva, consubstanciada no cumprimento do plano recuperacional, podendo ser restabelecidos caso a devedora descumpra obrigação nele contida. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO”. (grifamos).

    O citado Acórdão é de uma abrangência extraordinária, e nos ensina, acima de tudo, com seus argumentos lógicos, de que tal exigência para a apresentação das questionadas certidões negativas de débitos tributários precedentemente à homologação da RJ, não podem se constituir numa exigência sine qua non, vez que o maior princípio – o da continuidade da atividade -, deve prevalecer frente a tais exigências, até mesmo porque os créditos de natureza tributária não se submetem aos efeitos da RJ, e que as execuções respectivas poderiam continuar após a respectiva homologação. Para a Desembargadora, que diz seguir orientação do Superior Tribunal de Justiça (3a Turma, REsp 1658042/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe de 16.05.2017), o questionado parcelamento não é uma imposição legal, mas uma alternativa que visa compatibilizar o inadimplemento da obrigação com o pagamento dos débitos de dívida tributária. Daí, inexistir a obrigatoriedade de sua confecção.

    Por outro lado, isto constitui-se num plus para qualquer recuperando, vez que  não terá, para ter a sua recuperação judicial concedida, que desembolsar qualquer importância em favor de qualquer fisco, se dele devedor for.

    Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br