Cláusulas penal e punitiva nos contratos de franquia: como a Justiça entende essa questão

Publicidade

Imagine a seguinte situação: chega à mão de um juiz um pedido compensatório de rescisão contratual de uma relação de franquia. A parte que se sente prejudicada – seja ela a franqueadora ou a franqueada – pede medida compensatória (uma espécie de indenização) de R$ 500 mil pela outra ter dado causa à rescisão contratual (não ter respeitado alguma cláusula contratual), já que esta é a multa estipulada em contrato.

Porém, ao avaliar o processo, a Justiça percebe que a natureza do negócio em questão, o valor daquele negócio, equivale a R$ 100 mil. “Neste caso, a Cláusula Penal pode ser reduzida pelo juiz em virtude do disposto no Artigo 413 do Código Civil porque o valor arbitrado pode ser considerado manifestamente excessivo se comparado com a natureza do negócio”, explica Thaís Kurita, advogada especializada em Direito Empresarial, com foco em franchising e varejo.

E se a multa for condizente com o valor do negócio? “A cláusula Penal ainda assim pode ser reduzida porque o juiz pode entender que a obrigação principal do demandado pode ter sido cumprida em sua parcialidade e, portanto, a multa não deve ser aplicada em seu valor integral”, diz a advogada.

Contrato de Franquia

Para que se entenda melhor, a relação de franquia é regulamentada pela Lei 13.966/2019 e é formalizada pelas partes, entre outros documentos, por meio do Contrato de Franquia. É nele que são dispostos os direitos e obrigações de franqueador e franqueado em tudo o que se refere à operação do negócio. Assim, por contemplar diversas obrigações de fazer e/ou de não fazer, é regra que este instrumento jurídico aborde as penalidades aplicadas em caso de descumprimento por quaisquer das partes.

Quando há um descumprimento do Contrato de Franquia, existem também as penalidades convencionais e não compensatórias, que são meramente punitivas, desvinculadas do Artigo 413 do Código Civil. Portanto, independentemente de a parte ter cumprido com praticamente todas as obrigações contratuais, ou do valor delimitado ser superior à natureza do negócio, não há o que se falar em redução proporcional de valores. “Se, por exemplo, o contrato previu uma multa punitiva para caso o franqueado infrinja uma regra de sigilo ou de não concorrência com a marca, ele pode ser obrigado a pagar o valor integral da multa, cumulativa com a cláusula penal, se o caso, e sem sofrer reduções”, exemplifica Kurita.

Segundo ela, é fundamental que se entenda a diferença entre as cláusulas de cunho compensatório e de cunho meramente punitivo nas relações de franquia para que os sistemas recebam a devida proteção. “Seria um absurdo, por exemplo, se o magistrado aplicasse a regra de proporcionalidade a uma cláusula de natureza punitiva caso o franqueado tivesse revelado, de 20 receitas, apenas duas que são a tradução de determinada marca de restaurante: se aplicada a disciplina do artigo 413 do Código Civil, a penalidade poderia ser reduzida ao critério do juiz, que poderia fazer uma conta aplicando apenas 10% do valor da multa, porque apenas 10% foram revelados”, contextualiza.

Kurita acredita que, neste exemplo, a proporcionalidade pode ser um convite ao descumprimento, um alto risco para o sistema de franquias, já que existe a necessidade de segredo do negócio para que as marcas continuem competitivas.