Auto de infração lavrado sem a observânica da lei que regula o intervalo de intrajornada dos motoristas é nulo. Esse foi o entendimento firmado pela Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) ao julgar recurso ordinário interposto pela União. O voto, acompanhado pelos demais membros da Turma, é da desembargadora Kathia Albuquerque.
A empresa Rápido Araguaia Ltda ajuizou, no Fórum Trabalhista de Goiânia, uma ação anulatória de auto de infração alegando erro de capitulação e ilegalidade (nulidade) da infração descrita. Narra que, em fevereiro de 2015, foi autuada pela Delegacia Regional do Trabalho e Emprego no Estado de Goiás sob o fundamento de “deixar de assegurar ao motorista profissional o intervalo mínimo de uma hora para refeição”.
Alegou que o auto de infração foi incorretamente capitulado pelo artigo 235-C, §3º da CLT, uma vez que “se o artigo 235-C, § 2º da CLT, estabelece que quando se tratar de motorista profissional, deverá ser aplicado o intervalo do § 5º do artigo 71 da CLT, e, considerando que o auto de infração fora lavrado com capitulação do artigo 235-C, § 3º da CLT, logo, ausente o motivo ou causa, o que torna inválido o ato administrativo, se não no seu todo, pelo menos em parte, em virtude de vícioinsanável no elemento motivo, já que não há norma legal à subsidiar à autuação”.
Afirmou, também, que o auto de infração é nulo porque “a decisão da Superintendência Regional do Trabalho que julgou a subsistência do auto de infração desconsiderou o teor da norma coletiva da categoria, sob o argumento de que a cláusula 5.3 que prevê a flexibilização do intervalo de repouso e alimentação é invalida, por confrontar com o artigo 71, “caput” da CLT. Ora, em que pese à motivação do auditor fiscal para a manutenção do auto de infração, convém registrar que o fiscal da SRT não tem autonomia para “dizer o direito”, ou seja, o de invalidar a cláusula normativa que flexibilizou o intervalo de descanso e repouso estabelecida em acordo coletivo, sob pena de usurpação da competência da Justiça Laboral, órgão competente para solucionar os litígios trabalhistas a teor do que dispõe o art. 114 da CF/88″.
Sentença
O Juízo da 13ª Vara do Trabalho de Goiânia, ao sentenciar, concluiu pela insubsistência do auto de infração. Entendeu ter ocorrido a capitulação equivocada do auto de infração, havendo nulidade da multa imposta por não
guardar consonância com a infração averiguada.
Recurso Ordinário da União
A União recorreu desta sentença. Alegou que o auditor fiscal teria enquadrado adequadamente a legislação, de acordo com as normas previstas na CLT. Acrescentou que o dispositivo 235-C da CLT faz correspondência ao que foi autuado, conforme excetua o § 2º do artigo. Ademais, a União sustentou que não houve prejuízo para a empresa que desde a sua defesa no âmbito administrativo, se baseia integralmente nos dispositivos 235-C, §2º e 71, § 5º da CLT. A União, também, defendeu a legalidade da multa aplicada, ainda que o auditor fiscal do trabalho não tenha competência para declarar a nulidade de cláusula de CCT, pode e deve afastar a sua aplicação quando abusiva e lesiva ao direito do trabalhador.
Voto
A desembargadora Kathia Albuquerque, relatora do recurso, iniciou seu voto observando que a capitulação do auto de infração foi com fundamento no artigo 235-C, § 2º da CLT, sendo que, quando se tratar de motorista profissional, deverá ser aplicado o intervalo do § 5º do artigo 71 da CLT. “No entanto, data venia, não comungo do mesmo entendimento da decisão de primeiro grau que decretou a nulidade do auto de infração por erro de capitulação. Isso porque, no caso, a capitulação equivocada representa mero vício sanável e, ainda, não representou prejuízo à empresa que não teve cerceado seu direito de defesa”, afirmou a desembargadora.
A magistrada destacou que a empresa teve a oportunidade de apresentar sua defesa e recurso administrativo, contudo não pediu a correção da capitulação. “O erro na capitulação da infração contida no respectivo auto poderia ter sido corrigido pela autoridade regional, mediante despacho saneador e antes do julgamento do procedimento administrativo”, considerou a relatora. Kathia Albuquerque ponderou que, pelo motivo apontado, não haveria nulidade do auto de infração pela capitulação errônea e afastou a alegada nulidade declarada em sentença.
“Considerando, todavia, os efeitos da ampla devolutibilidade recursal e analisando as outras alegações contidas na petição inicial que, segundo a parte autora [empresa], também ensejariam a nulidade do auto de infração, entendo por bem manter a sentença por outros fundamentos”, ponderou a desembargadora.
A relatora observou que o auto de infração questionado apresenta como justificativa de notificação a ausência do intervalo mínimo de uma hora para o motorista profissional. “No entanto, é permitido às empresas que fracionem o intervalo de seus empregados motorista”, afirmou a desembargadora. Ela esclareceu que o § 5º ao art. 71 da CLT admite essa possibilidade e entendeu inaplicável parte da Lei nº 12.619 de 2012 no caso concreto.
Kathia Albuquerque salientou que o auditor, ao justificar a autuação pela ausência de intervalo de 1 (um) hora, deixou de observar se o fracionamento estava sendo feito e se estava correto. “Observo que o inciso I do artigo 11 da Lei nº 10.593/2002, estabelece a competência dos auditores fiscais do Trabalho para verificar o cumprimento das disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à saúde no trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego”, analisou a desembargadora.
A relatora prosseguiu seu voto com a observação de que a atuação de um auditor-fiscal do trabalho é regulada pela Lei nº 10.593/2002 e regulamentada Decreto nº 4.552/2002, normas que expressam a necessidade de o fiscal verificar o cumprimento das disposições legais e regulamentares. “Não se nega, em nenhuma instância, a legalidade e a legitimidade da autoridade fiscal para a autuação de empresas irregulares. No entanto, no caso, é certo que não houve a correta verificação do cumprimento das disposições legais”, afirmou a magistrada.
Com efeito, na análise da defesa apresentada pela empresa, o auditor fiscal analisou as fichas diárias de tráfego e justificou a impossibilidade de extrair se o fracionamento foi correto, registrando a existência do intervalo fracionado. Quanto à documentação, não há justificativa para a sua invalidação. Inclusive, em diversas reclamatórias trabalhistas envolvendo a mesma reclamada, as referidas fichas são aceitas como meio de prova do intervalo. “Assim, não tendo sido feito o correto cotejo entre a legislação e a situação fática observada no caso, impõe-se a nulidade do auto de infração”, concluiu a magistrada que negou provimento ao recurso ordinário.
Processo 0012201-57.2017.5.18.0016