Um convite à reflexão da importância da advocacia para um estado democrático de direito

*Rayenne Cristina Vieira e Silva

Como já dizia Ruy Barbosa, advogado consagrado e digno de nota, “vulgar é o ler, raro o refletir”.

Em 1920, convidado, na condição de paraninfo, à formatura de uma turma de Faculdade de Direito de São Paulo, Ruy Barbosa elaborou a “Oração aos Moços”, texto no qual oferece reflexões sobre o papel do advogado. Um dos trechos dizia:

Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe f altar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. Não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínio a estes contra aqueles. Não servir sem independência à justiça, nem quebrar da verdade ante o poder. Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniqüidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas, quando justas. Onde for apurável um grão, que seja, de verdadeiro direito, não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial. Não proceder, nas consultas, senão com a imparcialidade real do juiz nas sentenças. Não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem.”

O(a) advogado(a) é o profissional cuja presença se reclama diante da incerteza da disputa. O(a) advogado(a)a fala pela pessoa que o procura. A etimologia da palavra é exatamente esta: ad vocare, isto é, “chamado para falar”. Ouso dizer que sem os advogados não haveria democracia, pois eles são os principais responsáveis pelo fortalecimento das instituições com constituição e construção de regras e princípios que garantem os valores fundamentais que regem a sociedade.

Os direitos considerados “naturais” não são históricos, o direito à honra, dignidade, direito de voto, de presunção de inocência, de propriedade e tantos outros, não são históricos. Esses direitos não nasceram no mesmo momento em que surgiu a sociedade, mas desabrocharam na era modera, com uma conquista. A sua gênese, a luta por todos esses direitos foi liderada por advogados e assim também o é em nossos dias atuais. Apenas a título de exemplo, quem aqui não se recorda, do caso do advogado Orcélio Junior, que atualmente faz parte do programa de proteção de testemunhas, foi agredido e ameaçado por exercer a advocacia e não tolerar arbitrariedades desferidas contra uma pessoa vulnerável/indefesa. E sabe por que ele (Orcélio Junior) assim o fez?

Porque nós, advogados e advogadas, o somos 24h (vinte e quatro horas) todos os dias de nossas vidas, seja no exercício direto do ofício ou indiretamente e, é essa indignação e dom de defender aquele que não consegue fazer por si próprio que torna a advocacia tão essencial e tão bela!

Pelos desafios que nós enfrentamos, pelas reflexões a que somos expostos, os advogados se forjam. Atravessamos uma senda que passa pelo amor ao próximo. Sem empatia – capacidade de se colocar no lugar do outro sem julgamentos –, jamais conseguiríamos cumprir nossa missão. O(a) advogado(a) não fala apenas pelo outro. Fazemos e somos muito mais. A necessidade de se vestir do sofrimento e angústia do próximo, de se sentir violado(a) e agredido(a) todas as vezes que nossos clientes são vítimas de um mal injusto, nos impõe o desejo de extinguir não apenas a iniquidade sofrida no caso em que se defende, mas em qualquer caso. Nós somos a defesa necessária para a sobrevivência da sociedade.

Claro, os advogados não são perfeitos. Somos seres humanos que tem na imperfeição uma das suas causas características mais marcantes e admiráveis. Posto que, apenas enquanto humanos é que conseguimos compreender a humanidade.

Enfim, talvez em um mundo diferente, habitado apenas por seres perfeitos, bons, altruístas e pacíficos, os advogados não tivessem tamanha importância e essencialidade. Mas esse não é o mundo em que vivemos. Sem advogados não existe Estado Democrático de Direito. Sem advogados, a humanidade iria sucumbir.

*Rayenne Cristina Vieira e Silva é advogada, árbitra, secretária-geral da Comissão Especial de Arbitragem da OAB-GO, coordenadora do Núcleo de Arbitragem do IEAD, instrutora do INBAN, professora e palestrante na área de Teoria Geral da Arbitragem, instrutora em matéria de negociação, especialista em Direito Imobiliário, negócios e operações.