Recurso Extraordinário 593.727/STF: vitórias do poder de investigação do MP e das prerrogativas da Advocacia

defensor público Carlos Eduardo Rios do AmaralO Plenário do Supremo Tribunal Federal retomando o julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.727, ao acertadamente reconhecer o poder de investigar do Ministério Público, também estabeleceu suas limitações frente ao texto da Constituição Federal de 1988.

A cláusula da reserva de jurisdição permanece, como não poderia deixar de ser, incólume. O monopólio da obtenção de determinadas provas, que tangenciem aos desdobramentos da vida, da liberdade e da propriedade do indivíduo, continua sujeito ao exercício exclusivo do Poder Judiciário, sendo vedado ao Ministério Público e a qualquer outro órgão de investigação colhê-la diretamente.

Sempre que tratados e convenções internacionais, a Constituição e as leis ressalvarem a ordem ou determinação judicial, explícita ou implicitamente, como condição para a investigação ou restrição de direitos do cidadão, nenhum outro órgão da República, sob qualquer pretexto, poderá invadir a esfera de competências do Poder Judiciário.

As prerrogativas profissionais e institucionais garantidas a Advogados também restaram expressamente consagradas quando do julgamento do RE nº 593.727, tanto no teor dos votos proferidos, como na própria conclusão do Acórdão.

A inviolabilidade do escritório ou local de trabalho dos Advogados, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia, continua intocada como garantia fundamental absoluta deste profissional.

O STF também assegurou a prerrogativa do Advogado de examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, aí incluído o Ministério Público, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos.

Sempre que solicitado pelo profissional da Advocacia, deverá o Ministério Público autorizar incondicionalmente a obtenção de cópias de suas investigações penais em andamento. Uma vez sigilosas, será suficiente a exibição do instrumento procuratório para franquear ao Advogado o acesso às investigações na defesa de seu cliente.

É o que esposa a Súmula Vinculante nº 14 do STF: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Todo investigado tem o direito de pleno acesso aos dados probatórios, que, já documentados, formalmente incorporados aos autos do procedimento investigativo, veiculem informações a seu respeito, ainda que o procedimento de persecução penal esteja submetido a regime de sigilo.

Eventual proibição de acesso aos autos da investigação já documentada, realizada pelo Ministério Público, deverá ser remediada pela via do habeas corpus, mandado de segurança ou em sede de medida cautelar, reclamando amplo acesso aos elementos da prova unilateral. Sem prejuízo da ação correicional da própria Instituição.

Apenas o acesso às diligências ainda em curso ou aos dados qualificativos das testemunhas poderão ser sonegados ao Advogado.

O próprio STF já se pronunciou, em outra oportunidade, sobre a plenitude do direito de defesa e à inviolabilidade das prerrogativas profissionais que são inerentes ao Advogado, mesmo no caso de investigação promovida pelo Ministério Público:

“Advogado. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5°, LXIII, da CF, art. 20 do CPP, art. 7º, XIV, da Lei n. 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei n. 6.368/76 Precedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte. (HC 88.190, rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 29-8-2006, Segunda Turma, DJ de 6-10-2006)”.

Como salientado no julgamento do RE nº 593.727, a razão de ser do amplo acesso aos elementos de prova pelo investigado, deságua na garantia ainda maior do controle dos atos investigatórios pelo Poder Judiciário.

Como asseverado pela Ministra Rosa Weber, a colheita de provas não é atividade exclusiva da polícia, contudo o poder de investigação do Ministério Público deve ter limites, “que têm sido apontados em fartas manifestações de precedentes da Corte”.

Toda lesão ou ameaça a direitos do investigado deve se submeter ao sagrado controle jurisdicional. Não há um regime normativo de exceção ou paralelo para mitigar o exercício dos direitos e garantias fundamentais do cidadão investigado pela polícia ou pelo Ministério Público.

Durante toda a investigação promovida pelo Ministério Público, assegurado o amplo e irrestrito acesso aos autos pelo cidadão investigado e seu Advogado constituído, o Poder Judiciário servirá de invencível sentinela da supremacia da Constituição e das leis vigentes no País.

Ainda, no julgamento do RE nº 593.727 o STF deixou sedimentado que as investigações de natureza penal do Ministério Público devem ter prazo razoável.

Mais do que censurar o excesso de prazo de determinada investigação, a garantia do prazo razoável das investigações pelo Ministério Público afigura-se como método de promoção e preservação dos direitos constitucionais relativos à liberdade do indivíduo.

A atividade investigativa estatal deve ser sempre definida e temporária. Ninguém poderá ficar indefinidamente à mercê do arbítrio da máquina estatal, em dramático estado de alerta e inquietação infinitos. O princípio da eficiência aplicável à Administração Pública também vale para o Ministério Público quando este exerce a atividade investigativa.

Destarte, a decisão do STF que consolida a tese de que o Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal – desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados, sem prejuízo da possibilidade, sempre presente no Estado democrático de Direito, do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados praticados pelos membros dessa Instituição – é merecedora de demorado aplauso, encontrando-se em perfeita sintonia com o disposto na nossa Constituição Federal em vigor.

*Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo