Prisão de ofício: o instrumento do juiz herói

*Pedro Miranda

É pacífico entre os Tribunais Superiores que a Lei 13.964, de 2019, ao suprimir a expressão “de oficio” do artigo 311, do Código de Processo Penal, vedou Decretos Prisionais de ofício.

Mesmo assim, Órgãos Julgadores estão exercendo seu “poder de prender” sem qualquer provocação daqueles que detém legitimidade. Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, para piorar esse cenário,  decretou a prisão de um homem de ofício no bojo de um Habeas Corpus. Sim, um Habeas Corpus.

Os Impetrantes entenderam que havia um vício de legalidade na situação flagrancial e acionaram o Juiz plantonista em busca da medida liminar. Em sua Decisão, pasmem, o Magistrado reconheceu o vício de legalidade do flagrante e o superou porque entende necessária a prisão preventiva considerando que a integridade física da vítima está submetida a risco.

Contrariando a o vicío de inexistência da prisão em sua origem “flagrancial” considerou que  “contudo, tal vício não macula o que se dessume da narrativa dos autos, noticiando a prática de grave de delito contra a mulher, capitulado no artigo 129, § 9º, visto que o paciente estava alcoolizado, agredindo, a posteriori, fisicamente a sua companheira” . Ou seja, o Magistrado não só converveu uma prisão de ofício, mas, sobretudo, converteu em preventiva uma prisão natimorta. 

Ora, por qual razao a Prestação Jurisdicional tem servido, não raras as vezes, a estados anímicos de seus aplicadores?

Néfi Cordeiro,  Ministro Aposenetado do Superior Tribunal de Justiça , em sede de Habeas Corpus n°. 509.030/RJ , foi muito feliz em afirmar que “[…] Não se pode prender porque os fatos são resolvoltantes. Manter solto durante o processo não é impunidade, como socialmente pode parecer. É, sim, garantia, somente afastada por comprovados riscos legais. alias, é bom que se esclareça, ente eventuais desejos sociais, de um juiz heroi contra o crime, que essa não é, nem pode ser, função do juiz. Juiz não enfrenta crime, Juiz não é agente de segurança Pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos políticos da Nação. O juiz criminal deve conduzir o processo pela Lei e Constituição, com imparcialidade […]”

É esse heroismo que sustenta o irônico brilhantismo do Brasil Ranking do WJP – World Justice Project, com a 2ª posição das justiças criminais mais imparciais do Mundo. É esse heroismo que desvirtua a lógica jurídica transformando o Sistema de Justiça Brasileiro no celeiro de Gunter Jacobs e seu Direito Penal do Inimigo.

A evolução da Dogmática Penal Brasileira dependerá dos Juízes, seja em qual instancia for, e de todos os operadores do Direito, comprometidos com a Constituição Federal e o consequente Estado Social e Democrático de Direito, sob pena de precedentes como do HC 188.888, do STF e do HC n°. 687.583, do STJ, serem esvaziados, expondo cidadãos à situações próprias do período inquisitorial.

*Pedro Miranda é advogado criminalista.  Pós-Graduado em Direito Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes – RJ. Membro da Associação Nacional da Advocacia Criminal (ANACRIM), Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (ABRACRIM).  Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Nós, a Nova Advocacia. Professor convidado de Direito Penal dos quadros da Escola Superior da Magistratura (2017). Professor de Direito Penal no Centro Universitário UniCambury (2019/2020).