Primeira transexual militar brasileira garante aposentadoria no STJ

*Daiane Becker

Decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu aposentadoria integral para a primeira militar transexual do país. José C. S. (ex-cabo) que, após alteração de registro, passou a se chamar Maria L. S., se tornou a primeira transexual dos quadros da Força Aérea Brasileira. A militar após se submeter a intervenção cirúrgica para alteração de sexo, foi reformada com base no artigo. 108, inciso VI da Lei 6.880/80, que preceitua como hipótese de incapacidade definitiva e permanente para os integrantes das Forças Armadas: “acidente ou doença, moléstia ou enfermidade sem relação de causa e efeito com o serviço”.

Ocorre que a opção sexual não pode ser considerada incapacidade definitiva, nem acidente, moléstia ou enfermidade, sob pena de ofender os direitos constitucionais a dignidade humana (art. 1°, III, CF/88), à saúde (art. 196, CF/88) e o princípio da não discriminação (art. 3°, IV, CF/88). Aliado ao fato, de que foi comprovado através de perícia médica judicial que Maria L. S. encontrava-se à época plenamente apta para o exercício das funções militares em tempos de paz.

Maria L. S. ajuizou ação pelo rito ordinário contra a União, pleiteando, em síntese, a declaração de nulidade do ato que a reformou dos quadros da Força Aérea Brasileira, para obter seu retorno às atividades militares, com a percepção do soldo integral e direito à moradia funcional, ou alternativamente, a inatividade com proventos integrais.

O juízo de primeira instância julgou procedente a ação e determinou a inativação da mesma com proventos integrais, em razão da impossibilidade de retornar às suas atividades em decorrência da idade limite para o posto de cabo (48 anos). Ocorre que não determinou que a Aeronáutica procedesse às anotações, registros e, especificamente, às promoções por tempo de serviço às quais a militar teria direito se não tivesse sido reformada por ato agora declarado nulo.

Imperioso salientar que o ato administrativo que transferiu a militar para a reserva remunerada, com proventos proporcionais ao tempo de serviço, com fundamento em sua transexualidade, configurou-se desprovido de razoabilidade, posto que fundamentado em sua incapacidade definitiva para o serviço militar, contrário ao que foi apurado no processo judicial onde restou comprovado, por meio de perícia médica judicial, a plena higidez mental e física de Maria L. S..

Nesta senda, foi decretada a nulidade do ato que conduziu a militar à inatividade, pois a mesma não poderia ser prejudicada em seu direito às promoções que eventualmente teria se estivesse na ativa no período em que ficou indevidamente afastada do serviço, consoante a previsão contida nos artigos 59 e 60 da Lei n. 6.880/80, agora na condição pessoa do sexo feminino. Ademais, deveria ter sido reincorporada ao serviço militar na condição de excedente, fazendo jus a todas as promoções por tempo de serviço a que eventualmente teria direito se na ativa estivesse, conforme previsão contida no § 2º do artigo 88 da Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares).

Por esse motivo, a militar interpôs Recurso de Apelação, tendo o TRF da 1ª Região considerado legítimo que a mesma recebesse a aposentadoria integral no posto de subtenente, pois lhe foi tirado o direito de progredir na carreira devido a um ato administrativo ilegal, nulo, baseado em discriminação. Reconhecendo ainda, o direito de a militar permanecer no imóvel funcional até a efetiva implantação da aposentadoria integral, momento em que deveria desocupá-lo.

A União recorreu da decisão que inadmitiu o Recurso Especial (art. 105, III, “a” e “c”, da CF/1988) interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) brilhantemente conheceu do Agravo, para não conhecer do Recurso Especial considerando que o acórdão de segunda instância está em sintonia com os precedentes do STJ. E, assim, decidir que a militar comprovou ter preenchido os requisitos necessários para último posto da carreira, o que ficou devidamente demonstrado no processo que isso se deveu exclusivamente ao ato ilegal de reforma da militar. Ainda cabe recurso, mas o entendimento da Corte Superior garante a transexual o direito a aposentadoria integral.

*Daiane Becker é advogada especialista em Direito Previdenciário