Presun… o que? Pra quem? Pra quando? Onde?

Fernanda Santos artigo*Fernanda Santos

Embora os conhecidos conceitos de presunção absoluta (praesumptiones juris et de jure) e de presunção relativa (praesumptiones juris tantum) sejam comuns a ambas as esferas, deve-se notar que no que se ressalta a respeito do tema na legislação Civil/Processual Civil e na legislação Penal/Processual Penal ambos os institutos legislativos tratam da presunção em geral de maneira sensivelmente diversa, na medida de suas competências.

Na esfera Penal/Processual Penal, por sua vez, também encontramos diversas referências à presunção. E a principal delas, sem dúvida alguma, é a chamada presunção de inocência, também conhecida como o princípio de não-culpabilidade, que tem status e efetiva proteção constitucional (CF/88, art. 5º, inciso LVII). E este princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado. ‘Basta ao corpo social que os culpados sejam geralmente punidos, mas principalmente respeitando as regras do jogo. Assim, durante toda a investigação e durante toda a Ação Penal o pretenso autor do fato é tratado como inocente. Por isso, a prova da culpa é o elemento central do processo, sendo a inocência presumida. E nesses termos, o princípio da presunção de inocência é um importante critério de julgamento que deverá sempre guiar o juiz criminal, no julgamento e pronto convencimento.

Outra presunção significativa na esfera Penal/Processual Penal é a da incapacidade do menor de 18 anos. O art. 228, da Constituição Federal de 1988, do art. 27, do Código Penal – CP, e do art. 104, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, trazem um critério exclusivamente biológico, isto é, a idade de 18 anos, abaixo da qual se presumirá sempre a falta de discernimento ou da inimputabilidade do sujeito a ser apenado. Pouco importará se de fato sabia o que fazia ou não no momento do cometimento do delito. 

Como a Constituição Federal de 1988, para nossa sorte, é claramente garantista, e não autoritária, para que se condene alguém, o saber deverá prevalecer sobre o poder. Porém, para que se prevaleça a objetividade, devem existir limites à influência inevitável da subjetividade nos feitos judiciais.

A presunção de inocência, como um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, que se sobrepõe às demais presunções, seja por seu valor intrínseco, seja por ser hierarquicamente superior, é um primeiro critério regulador. Neste contexto, deve se raciocinar da seguinte forma: se temos a convicção íntima de que José praticou um crime, mas não temos elementos objetivos suficientes para fundamentar isso, só pode-se absolvê-lo. Se os elementos objetivos são razoáveis, mas geram dúvida, também deve-se absolvê-lo.

Como a certeza depende de componentes objetivos e subjetivos, na falta de um deles ela não existe. No primeiro caso, faltam os elementos objetivos. No segundo, faltam sobretudo os elementos subjetivos. Só se pode condenar José se temos bons elementos objetivos que sejam confirmados ou reforçados pelos elementos subjetivos. A partir da decisão que se tomar, se saberá se estaremos, ou não em um Estado Democrático de Direito, a partir do exemplo em comento.

Este raciocínio deverá ser recorrente, pois a presunção em geral, como mencionado acima, nada mais é do que a afirmação da ligação ordinária de uma qualidade a um sujeito. Note-se que esta ligação é ordinária, mas não necessária. O vínculo que o raciocínio presuntivo tornará possível estabelecer entre a qualidade e o sujeito não se acontece sempre. Ele acontece na maioria das vezes. Assim, quando se utiliza a presunção estamos na esfera do provável.

Um segundo critério, um pouco mais exigente, é aplicável às ações de improbidade administrativa, de natureza mista: trata-se de um critério da prova clara e convincente. Nesse caso, não bastará somente a preponderância das provas. É preciso um pouco mais, pois deverá haver não só prova “melhor” do que a produzida pela outra parte, mas prova clara e convincente, independentemente da prova em sentido contrário. Mesmo que uma das partes cruze os braços, deverá a outra parte trazer elementos convincentes no feito judicial em que se demanda. Enquanto no primeiro critério de presunção de culpabilidade, é provável que algo tenha ocorrido, no segundo quesito é altamente provável que algo tenha ocorrido.

A diferença é sutil, mas existe, em ambos os casos. O terceiro critério de presunção de culpabilidade, bem mais exigente, é aplicável à esfera Penal/Processual Penal. Trata-se do critério da prova além da dúvida razoável. A ideia de dúvida razoável é contrária à ideia de certeza absoluta. Onde há a primeira ideia não há a segunda. Consequentemente, poderá haver certeza onde há dúvida, desde que esta certeza absoluta não mereça credibilidade, isto é, não seja razoável. A certeza é, portanto, o juízo que ultrapassará a dúvida razoável. Nesse caso, é praticamente impossível que algo não tenha ocorrido, a ser discutido neste feito judicial sobre o caso concreto.

E é esta altíssima probabilidade, portanto, o que permite um juízo de certeza, que não se confundirá com um estado de espírito puramente subjetivo. Neste sentido, é razoável presumir o dolo de matar de quem conscientemente deu vários tiros na cabeça de alguém, ou o crime de furto daquele que é pego correndo de madrugada, próximo da casa da vítima, justamente com a res furtiva em mãos.

Neste contexto, o juízo de certeza que decorrerá de um conjunto probatório que ultrapassará a dúvida razoável, e permite se que façam pequenas presunções. Na situação por último mencionada no parágrafo anterior, daquele que é encontrado correndo pela madrugada, nas proximidades da casa da vítima, justamente com a res furtiva em mãos, é possível presumir ser este o autor do crime. Ainda que um espírito mais liberal conceda que o sujeito possa ter como hobby a corrida noturna, com objetos à mão, a situação demonstrará que esta dúvida está além do razoável. A utilização deste modelo de constatação garantirá que a decisão a ser prolatada no Juízo Criminal não seja arbitrária, e não fira dispositivos Penais/Processuais Penais e Constitucionais.

Assim, os juízes e os Juízos Criminais deverão utilizar este rigoroso critério de decisão, que supõe a enorme probabilidade, que ultrapasse a dúvida razoável, para condenar alguém com base em uma verdade necessariamente aproximativa. E para fins de resguardo do Estado Democrático de Direito, sob as balizas do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, a presunção de inocência, têm um peso muito grande nos feitos apreciados perante os Juízos Criminais.

Se um indivíduo é condenado por um crime e contra esta decisão não caberá mais nenhum recurso, se dirá que a decisão transitou em julgado. Logo, a condenação é definitiva. Se o indivíduo é condenado definitivamente a uma pena e passar a cumprir esta pena, se dirá que está havendo a execução da pena. Se um indivíduo é condenado por um crime e contra esta decisão ainda caber recursos, se dirá que a decisão não transitou em julgado. Logo, a condenação será provisória. Imagine se que um indivíduo estará condenado, mas ainda faltará julgar algum recurso que ele interpôs anteriormente. Se esse indivíduo iniciará o cumprimento da pena imposta, dizemos que estará havendo aí uma execução provisória da pena. Isso porque a condenação ainda será provisória.

Desse modo, execução provisória da pena significará que o réu para cumprir a pena imposta na decisão condenatória mesmo sendo que ainda seja uma decisão provisória (ainda sujeita a recursos em instâncias/Tribunais superiores), A execução provisória da pena é, portanto, o início do cumprimento da pena imposta, mesmo que a decisão condenatória ainda não tenha transitado em julgado.

E o posicionamento jurisprudencial contrário a execução provisória de pena, encontram balizas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF, e do art. art. 5º, LVII, da CF/88 e que assim preleciona: “Art. 5º (…) LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (…)”, e no que tange ao entendimento sumular e jurisprudencial a respeito do tema, ele foi modificado por quatro vezes, e prevalece hoje o entendimento em que não se admitirá a execução provisória de pena, desde novembro/2019. A decisão do Supremo Tribunal Federal – STF foi proferida em Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC, que declarou a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal – CPP, e apesar de haver certa divergência doutrinária, prevaleceu que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal – STF em Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC possuem efeitos vinculantes e erga omnes.

*Fernanda Santos é bacharela em direito, especialista latu sensu em Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás – UFG, especialista latu sensu em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Rede Atame, especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Legale, entrevistadora do DM Jurídico, foi entrevistadora do Arena Criminal WEB, pela Rádio MID, capacitada em práticas colaborativas pelo Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas – IBPC em 2018, capacitada em administração de conflitos e negociação pelo Centro Universitário Faveni em 2021, controller jurídico do escritório Abrahão Viana – Advogados Associados, E do Grupo Pitterson Maris Advogados Associados, parecerista em matéria cível, filiada na Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD – Núcleo Goiás, e da Associação Vida e Justiça – Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das vítimas da COVID-19 – Núcleo Goiás, Vice presidente da Rede de Ação e Reação Internacional – RARI Núcleo Goiás (2021/2023), foi articulista do jornal Perspectiva Lusófona em Angola (2010/2012), articulista do jornal Diário da Manhã (2009/2019), com publicações veiculadas no site Opinião Jurídica (2008/2011) e no site Rota Jurídica em Goiânia-GO (2014/2017), e pela Revista Consulex (2014/2016), e com artigos publicados pela Revista Conceito Jurídico, e Prática Forense pela Editora Zakarewicz (2019). Foi membro efetivo da Comissão da Advocacia Jovem – CAJ, da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Goiás – OAB/GO – Gestão 2013/2015.