Por quem os sinos dobram

*Marcelo Bareato

São tempos difíceis esses que se aproximam. Tempos em que o que era certo deu lugar ao improvável, a Constituição Federal parece ter virado um brinquedo, uma marionete nas mãos de quem deveria resguarda-la e, porque não dizer, guardá-la a 7 chaves, um tempo em que a população perdeu a vontade de buscar informações e não se acomodar com qualquer notícia ou entrevista de pessoas inescrupulosas e manipuladoras.

Me refiro desta forma, Caro Leitor, para, mais uma vez, participa-lo da experiência proporcionada pelo Estado de Goiás para com os reeducandos, àqueles que estão cumprindo pena nos diversos estabelecimentos prisionais que por aqui, ainda estão de pé, sobrevivendo as rebeliões causadas por ausência de comida, de quites de higiene, água, roupas e tudo aquilo que poderia identifica-los como seres humanos, em cumprimento de pena, mas seres humanos.

As novidades recentes nos dão conta de duas portarias, oriundas da Secretaria de Segurança Pública e que determinam, a primeira, que “não haverá visita no sistema prisional se o familiar não tirar um novo Registro Geral aqui no Estado”, a segunda, que “o preso que for atendido por qualquer representante de entidade religiosa, não receberá outro representante de entidade diversa”.

Ora!

A medida que obriga ao familiar tirar uma nova cédula de identidade é uma triste aberração, descabida e absolutamente abusiva na medida em que o documento expedido em um Estado da Federação deve ser recepcionado em qualquer outro, como deixa claro o artigo 1.º, da Lei 7.116/83; vejamos:

Art. 1.º – A Carteira de Identidade emitida por órgãos de Identificação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios tem fé pública e validade em todo o território nacional.

Não menos importante, vejamos o que diz a Constituição Federal sobre o direito a crença religiosa:

Art. 5.º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.

Claro que as disposições acima estão resguardadas na Lei de Execução Penal e, por conta disso, desnecessário transcrever artigos e incisos.

Se existe previsão legal e amparo Constitucional, talvez fosse o momento de se perguntar “por que tanta arbitrariedade do poder público e o que fazer para resgatar a dignidade do ser humano”? Por certo outros diriam “presos não tem direitos e essa história de ficar com mimimi sobre direitos de presos é coisa para desocupados e subversivos – bandido bom é bandido morto”.

Aos primeiros, o poder público abusa de sua autoridade (entendendo abuso de autoridade como sendo o ato humano de prevalecer de cargos para fazer valer vontades particulares) porque não há ninguém que se importe e que recorra, como por exemplo a órgãos como a Corregedoria do Tribunal de Justiça, ao GMF que é o grupo criado para monitoramento e fiscalização do Sistema Carcerário, ligado diretamente ao CNJ – Conselho Nacional de Justiça, ou mesmo ao próprio CNJ. Tais órgãos são órgão de proteção e deveriam ser do conhecimento de todos, mas num país em que desconhecer a lei é um ótimo negócio para quem manda, qual seria a razão para fazer conhecido qualquer tipo de órgão de proteção e motivar o conhecimento de direitos e deveres?

Aos últimos, a teoria do “bandido bom é bandido morto” vale muito desde que não seja com alguém de sua família ou ligado a você, fato que contribui, e muito, para com os desmandos ocorridos desde a Capital Federal até aquele distrito ligado a um pequeno município, especialmente quando lembramos que o “crime é uma convenção social”, que a falta de oportunidades e trabalho é um grande motivador para a criminalidade e, finalmente, que aquele que se encontra encarcerado, para que possa retornar a sociedade, tem que se familiarizar aos poucos com os conceitos que ele não possuía a época do crime e a isso chamamos de ressocialização.

Ressocializar é, portanto, de acordo com o dicionário, “tornar-se sociável aquele que está desviado das regras morais e/ou costumeiras”. Logo, é uma obrigação do estado, especialmente direcionada ao ser humano privado de sua liberdade de locomoção, propiciar a aproximação familiar, respeitar o direito a crença religiosa como forma de recuperar, contribuir para com a aquisição de valores morais que vão auxiliar no convívio do apenado na aquisição dos valores que lhe faltavam quando da prática criminosa.

Nesse passo é importante lembrar que, no mundo todo e ao contrário do que fazemos por aqui, a busca por pôr em prática o conceito de segurança humana, conceito que está na trilha de estruturação há 25 anos e que tem toda a sua atenção voltada as perspectivas criadas junto as Nações Unidas para garantir a sobrevivência, subsistência e dignidade das pessoas face as ameaças atuais e emergentes, é o foco para que os estados não entrem em colapso e voltemos a barbárie.

Assim, nosso artigo se justifica quando perguntamos POR QUEM OS SINOS DOBRAM, na esperança de que tenhamos mais consciência para buscar nossos direitos, para identificar que uma sociedade sadia somente alcança liberdade na medida em que se une para fazer valer suas leis perante aqueles que insistem em usurpa-las e na perspectiva de que ao conhecer seus direitos e unir esforços, conseguimos expulsar o fantasma da corrupção e do abuso de autoridade, fazendo com que a melodia do “sino” soe em prol de uma sociedade justa, garantista e preocupada com a segurança humana.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, conselheiro nacional da ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO e presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO.