Os hospitais e a responsabilidade civil dos médicos, residentes e acadêmicos de Medicina

*Carlos Márcio Rissi Macedo e Letícia Lopes Auad

Na contemporaneidade é cada vez mais notória e comum a judicialização da saúde em razão dos crescentes avanços que experimentou a Medicina e, consequentemente o aumento do número de Hospitais e Profissionais da Saúde.

Dessa forma, a responsabilidade civil dos Hospitais e Médicos é tema de extrema relevância nos dias atuais, sobretudo quanto as diferenças que abordam as respectivas responsabilidades, conforme se explicará a seguir.

De início impende salientar acerca do instituto da responsabilidade civil, a qual se caracteriza por ação ou omissão que gere violação de uma norma jurídica, legal ou contratual ou abuso de direito capaz de gerar dano a terceiro e passível de indenização.

Nesse contexto, destaca-se que a responsabilidade civil, na seara médica, divide-se entre objetiva e subjetiva.

A responsabilidade subjetiva é composta por quatro requisitos essenciais: (i) conduta, comissiva ou omissiva, dolosa ou culposa; (ii) o dano produzido por esta conduta; (iii) relação de causalidade entre a conduta e o dano; e (iv) a culpa.

Já a responsabilidade objetiva, pauta-se pela presença de somente três requisitos, quais são: (i) conduta; (ii) o dano produzido por esta conduta; e (iii) relação de causalidade entre conduta e o dano.

Nesse diapasão, vale dizer que a responsabilidade objetiva prescinde de qualquer ideia de dolo ou culpa. Dessa forma, consoante ensinamento do Ilustre Doutrinador Kfouri Neto: “Os danos ocorrem durante a atividade realizada no interesse ou sob controle de alguém, que só por isso torna-se responsável, sendo desinfluente para a imposição do dever de indenizar ter o agente – ou não – agido com culpa.”

Isso posto, conforme entendimento consagrado pela Doutrina e Jurisprudência, entende-se que a responsabilidade civil dos profissionais da Medicina é de natureza subjetiva, com fulcro no disposto no artigo nº 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor, enquanto a dos Hospitais caracteriza-se pela sua natureza objetiva.

Todavia, é importante expor que, em que pese o entendimento acerca da responsabilidade objetiva dos Hospitais, nem sempre esses responderão sem a devida comprovação de conduta relevante, dolosa ou culposa. Veja-se.

Nos casos em que restar comprovada a culpa médica, o Hospital responderá objetivamente, sem que haja a necessidade de demonstração de conduta relevante por parte desse, o qual responderá de forma solidária com o profissional da medicina.

Por outro lado, nas ocasiões em que não se vislumbrar culpa ou dolo do profissional, o Hospital não responderá de forma objetiva, salvo exceção de atos extramédicos, exclusivamente ligados à prestação de serviços hospitalares.

Imprescindível destacar, também, os conceitos de responsabilidade in eligendo e in vigilando, as quais são primordiais na responsabilização do Hospital pelas ações das pessoas que nele labutam.

Assim, a responsabilidade in eligendo se trata, especificamente, da obrigação do Hospital na escolha dos profissionais que exercem suas funções em suas dependências, ou seja, o Hospital possui o dever de prezar tanto pela habilidade profissional, quanto pela conduta social de seus funcionários, motivo pelo qual esse deve ter cautela e zelo na contratação desses.

A responsabilidade in vigilando, em sentido oposto, refere-se ao dever do Hospital em fiscalizar a atuação de seus funcionários para que esses desempenhem suas atividades com perícia, prudência e diligência. Portanto, em caso de ausência de vigilância e ocorrência de dano ao paciente, o Hospital será responsabilizado.

Por fim, cumpre expor que, nos casos em que houver simples relação de locação entre o Médico e o Hospital, sem qualquer subordinação entre esses, e o dano decorrer exclusivamente de ato médico, apenas o profissional da Medicina será responsabilizado. Ressalta-se que o Hospital se responsabiliza pelo estado do material e medicamentos postos à disposição do Médico, bem como por equipamentos fixos utilizados.

Ademais, cumpre tratar, de forma específica, acerca da responsabilidade civil dos Hospitais ligada aos residentes e acadêmicos de Medicina, assunto de extremo destaque, tendo em vista o desarrazoado aumento do número de faculdades de medicina e desconhecimento, pela grande maioria desses profissionais, quanto às extensões de seus atos.

Visto isso, no que diz respeito aos acadêmicos de Medicina, na hipótese de danos causados por esses aos pacientes, o Hospital responderá de forma direta e objetiva, ou seja, independentemente da comprovação de dolo ou culpa por parte do aluno, sendo suficiente a prova da atividade desenvolvida e a constatação do dano.

O preceito acima se pauta na justificativa de que o acadêmico ainda não pode ser considerado como médico e, dessa forma, responde como os demais prepostos do Hospital pela prática de atos paramédicos.

Na ocasião da residência médica, o Médico residente se inserirá no regramento aplicável à responsabilidade médica em geral, ou seja, a subjetiva. Portanto, definida a culpa do residente, sempre considerado como preposto do Hospital, o estabelecimento responderá de forma solidária.

Ademais, frisa-se que a Jurisprudência pátria atribui o mesmo grau de responsabilidade ao médico-residente e ao seu preceptor – professor responsável por conduzir e supervisionar, por meio de orientação e acompanhamento, o desenvolvimento dos Médicos Residentes nas especialidades de um Hospital -, com base no argumento de que o residente já é médico formado e, por isso, passível de condenação como os demais profissionais.

Por fim, infere-se que a reponsabilidade penal será individual e, assim, poderá atingir, além dos residentes ou acadêmicos, também, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, o próprio médico tutor, preceptor ou supervisor.

Por essas razões, resta clarividente que, ao mesmo tempo em que o sucesso da área médica e da saúde trouxe inúmeras positividades à sociedade em geral, esse também apresenta suas mazelas, relacionadas à precariedade dos ensinos em geral, aumento do número de profissionais e, por consequência, danos causados aos pacientes.

Desta feita, é importante que a seara da responsabilidade médica aborde e explicite, cada vez mais, os requisitos ensejadores da obrigação de reparação, sobretudo no que se refere às limítrofes linhas que separam a prestação de serviços de cada profissional do ramo e dos Hospitais, sob pena de esses serem responsabilizados sem qualquer falha ou erro.