O realismo jurídico e a epstemologia

*Marcelo Bareato 

É comum que pessoas de outras áreas olhem para o Direito como sendo algo pejorativo, o qual é destinado apenas a criminosos e pessoas de pouco caráter.

Essa visão é por demais simplista e remete a possibilidades de várias formas de interpretação da norma, especialmente aquela que hoje, mais do que nunca, está na moda, qual seja, a interpretação de todo o tipo de questionamento sob o viés da moral e dos bons costumes.

Não seria atrevido dizer que a própria Constituição Federal de 1988, a qual muitos acreditam já estar ultrapassada, mas que os brasileiros, de um modo geral, nunca souberam qual o seu conteúdo e o quanto ela está posta para defender o cidadão e não os criminosos, por exemplo; a bem da verdade, não entrou em vigor por ausência do referido conhecimento.

Assim, de nada valeria atualizar ou refazer um texto de garantias fundamentais que os próprios destinatários sequer conheçam. Seria algo como ir à uma biblioteca ou livraria, tirar selfies junto aos livros, achar o ambiente propicio para mostrar o quão culto é o fotografo, mas abandonar os periódicos e livros a sua enfadonha prateleira porque, apesar de bonitos, o autor da selfie não gosta de ler.

É sobre isso que falamos em nosso artigo de hoje: o quão necessário é conhecer o direito, entender a que se destina e os métodos de interpretação da norma, recobrar o gosto pelo estudo e leitura, para chegarmos a razão do porque está fora de moda fazer uma boa faculdade, uma pós graduação, um mestrado e quiçá um doutorado no mundo do “homem moderno”.

O que chamamos de “homem moderno” é aquele que não lê nada, faz grupos de whatsapp e prolifera sua ausência de raciocínio e reflexão, mas valoriza replicar o que acha bonito e escrever discursos de ódio em 10 ou 15 linhas, para ver o conteúdo publicado alcançar algumas curtidas e talvez umas 20 citações.

O caso fica ainda pior se esse “homem moderno” estiver juntos aos juízes e esses “juízes” estiverem acometidos da preguiça pela leitura daquilo que os litigantes, de forma geral, estão a lhe solicitar a atenção.

Dito isso e, para que possamos trabalhar os dois conceitos a que nos propusemos, vamos iniciar com a ideia do que significa o termo filosofia e qual a sua diferença com a hermenêutica.

Filosofia, palavra de origem grega cujo significado, a grosso modo, pode ser entendido como “amor à sabedoria”, consiste no estudo de problemas fundamentais relacionados com o conhecimento, à lógica, à existência, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à linguagem.

Doutro lado, a hermenêutica, por sua vez e de forma bastante simplificada, do grego anunciar, declarar, interpretar esclarecer, tem o significado de “alguma coisa que é tornada compreensível”. É a filosofia que estuda a teoria da interpretação. Na sua forma tradicional, refere-se ao estudo da interpretação de textos escritos e em sua forma moderna, refere-se ao seu processo interpretativo.

Se unirmos as duas formas de conhecimento, a filosofia e a hermenêutica, abriremos uma janela para o que se conhece por hermenêutica filosófica, teoria desenvolvida por Hans Georg Gadamer e apresentada em sua obra Verdade e Método.

Nesse passo, abrindo mais uma janela, chegaremos a hermenêutica jurídica, que é o ramo da hermenêutica que se ocupa da interpretação das normas jurídicas e tem como função, fixar o sentido e alcance da norma. Em breve síntese, quer indicar qual o significado, o que a norma transmite ao operador do direito, qual o seu alcance e quais são os destinatários para os quais a norma foi criada.

Percebam, Caros Leitores, que esses são conceitos simplificados e que podem ser obtidos junto a qualquer site, inclusive junto à wikipédia – a enciclopédia livre. Nossa intenção é despertar-lhes o interesse pelo texto fazendo com que se aprofundem mais nos conceitos, princípios e autores, para que seja possível tecerem as suas próprias conclusões.

Destarte, se entendemos os conceitos de filosofia e hermenêutica trazidos até esse momento, fica fácil perceber que existe uma crise entre o direito e a filosofia na atualidade. De um lado porque os novos magistrados preferem pôr sentido nas coisas pelo uso da força, pela autoridade. Assim, resolvem o processo proferindo sentenças ao arrepio da lei, fazendo uso da “moral e bons costumes”, quando na verdade teriam que oferecer um resultado pautado pura e simplesmente na norma vigente. De outro, porque ao fazerem dessa forma, também distanciam o direito da filosofia, provocando uma ruptura no modelo estrutural e enfraquecendo o Estado Democrático que vê suas balizas estruturais corroídas ao perder o lastro do garantismo e não proporcionar aos cidadãos, a efetiva segurança jurídica que merecem.

Esse é o ponto para entendermos onde entra o realismo jurídico como fonte de conhecimento.

O realismo jurídico pode ser traduzido como um conjunto de correntes doutrinárias da filosofia do direito que entendem o sistema jurídico como fato. Para ele, a decisão judicial, que é um ato de vontade política na medida em que o próprio direito é política pura (política não partidária), tem seu apogeu como verdadeira forma de determinação do direito. O fato deixa de ser aquilo que está inserido no cotidiano, no fenômeno social e passa a ser, para os aplicadores do direito (juízes, desembargadores e ministros), a decisão judicial, mostrando que o direito é o que os tribunais fazem ao interpretar princípios e suas respectivas extensões e não aquilo que se espera que ele faça por fontes outras, como a mídia, a autopromoção ou aspirações político-partidária.

Percebam que o que se descreve aqui, para longe de qualquer outra perspectiva, é o fortalecimento do conceito de segurança jurídica pautado na ideia de um judiciário que profira decisões que possam garantir que o Estado esteja empenhado em fazer com que o cidadão, independente de credo, cor, raça ou ideologia, possa se beneficiar com o mais básico para o prosperar de uma sociedade, que é a dignidade da pessoa humana.

No mesmo caminho, a epistemologia, que em sentido estrito refere-se ao ramo da filosofia que se ocupa do conhecimento científico e cuja origem vem do grego “conhecimento certo”, identificada por muitos como a filosofia da ciência, é o estudo dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências. Sua finalidade é determinar seus fundamentos lógicos, seu valor e sua importância objetiva.

Dito de outra forma, a epistemologia pode ser entendida facilmente como o ramo que estuda os requisitos e condições necessários para a produção do conhecimento científico (gnosiologia).

O agrupar de tudo o que falamos até aqui nos dá a certeza de que é através da decisão judicial, mostrando que o direito é o que os tribunais fazem ao interpretar princípios e suas extensões e não aquilo que se espera que ele faça (realismo), baseado no estudo dos requisitos e condições necessários para a produção do conhecimento científico (epistemologia), que abandonaremos uma “pseudo” comunidade jurídica apaixonada por decisões e por dar sentido as decisões e começaremos a nos preocupar com o que é o direito e o que dá sentido a ele.

É preciso que a doutrina volte a constranger o leitor no sentido de causar-lhe desconforto e obrigá-lo a ler. Deve constrangê-lo, epistemologicamente, sob pena de se tornar uma via auxiliar para descrever o que os tribunais estão dizendo e, nesse sentido, como podemos notar na atualidade, produzir maciçamente repertórios de jurisprudências, sob pena de aniquilarmos o direito e passarmos a estudar os dilemas criados pelo “homem moderno” e suas vaidades.

Entender que os Cursos de Direito no Brasil precisam abandonar o estudo jurisprudencial e reconstruir, como muitos países sérios já fizeram para garantir que o Estado seja de fato Democrático, o estudo do direito e produzir verdadeiras escolas filosóficas desse direito, é reconhecer que são os professores verdadeiros maestros que conduzirão a sinfonia para alcançarmos o respeito à dignidade da pessoa humana e exterminar o “sujeito juiz”, que decide de acordo com a sua própria cabeça deturpando o termo “livre convencimento motivado” (que deveria ser estritamente na norma), para indicar o convencimento motivado nas paixões escolhidas ao sabor do vento é, para além do necessário, retirar os entraves da Democracia, ou como diz Lenio Streck, nunca foi tão necessário retirar os “obstáculos epistemológicos” se queremos entender o que é o direito e o que dá sentido a ele.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Advogado Criminalista, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).