*Luciano Almeida de Oliveira
Muito se fala hoje sobre o Poder Moderador. Uns dizem que o Poder Moderador é a própria Constituição, alguns afirmam que o Exército é o detentor do Poder Moderador e outros defendem que ao Poder Judiciário caberia moderar os demais Poderes.
As vozes que atualmente tratam do assunto levam a crer que o Poder Moderador permitiria controlar as instituições e mudar a sociedade em um passe de mágica ou com um murro na mesa. Nada mais equivocado.
Percebo um desconhecimento da história brasileira e das nossas constituições. Após a leitura de um discurso pronunciado no Senado pelo Barão de Cotegibe (disponível no site da Biblioteca do Senado Federal) encontrei a necessária inspiração para escrever estas despretensiosas linhas e lançar um pouco de luz sobre o Poder Moderador.
Constituição do Império
O Poder Moderador era um Poder Político reconhecido de forma objetiva na Constituição do Império de 1824, da qual transcrevo a redação original.
Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos.
Art. 99. Omissis.
Art. 100. Omissis.
Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador
- Nomeando os Senadores, na fórma do Art. 43.
- Convocando a Assembléa Geral extraordinariamente nos intervallos das Sessões, quando assim o pede o bem do Imperio.
III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62.
- Approvando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciaes: Arts. 86, e 87.
- Prorogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando immediatamente outra, que a substitua.
- Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de Estado.
VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154.
VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os Réos condemnados por Sentença.
- Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade,e bem do Estado.
Poder Político
O Poder Moderador, na condição de Poder Político, foi instituído e delegado privativamente à pessoa do Imperador, a quem cabia zelar e garantir a independência, equilíbrio e harmonia dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Interessante destacar que o Imperador só exerceu o Poder Moderador porque este poder lhe foi delegado expressamente pela Constituição de 1824. (Artigo 98).
Sem o Poder Moderador havia o risco de divisão, confronto e desgaste nas instituições do Brasil, que à época buscava a união e o consenso, visto enfrentar diversas revoltas e perigos de invasões a todo momento.
À época do Império algumas vozes, minoritárias, se levantaram contra a instituição do Poder Moderador, afirmando, equivocadamente, que com ele se havia estabelecido um absolutismo no nosso país.
É inegável a inovação da Constituição do Império que, separando-se da classificação adotada em outras constituições (tripartição dos Poderes) criou mais um, o Poder Moderador, considerado um poder neutro, utilizado na missão de manter o equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sem preferência por qualquer um deles. Essa era a essência da sua neutralidade.
Por exemplo, quando não havia acordo entre o Legislativo e o Executivo, o Poder Moderador permitia um “convite à concórdia”, quer pela possibilidade de se dissolver a Câmara dos Deputados ou de se despedir um Ministério.
Era prerrogativa do Poder Moderador suspender magistrados, mas a partir daí era o Poder Judiciário que examinava e definitivamente decidia a questão. Não era um poder absoluto.
O Poder Moderador só era superior pela sua função de manter ou restabelecer a harmonia que porventura tivesse desaparecido entre os demais poderes.
Momento Atual
No momento atual a quem compete o Poder Moderador?
A resposta é simples e direta: a ninguém e a nenhum Poder.
O Poder Moderador é um Poder Político, portanto incompatível com a missão do Exército, que pela sua própria natureza não é política. Destacando-se sempre o caráter civil da Democracia.
A Constituição Federal de 1988 foi fiel à tripartição do poder entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A nenhum deles foi outorgado um poder superior ao outro, ao contrário, foram conclamados a conviver com independência e harmonia, conforme o artigo 2º da CF.
Enfim, o Poder Moderador para ser reconhecido e exercido deve ser instituído e delegado objetivamente pela Constituição Federal. Fora dessa (remota) hipótese, que ninguém se atreva a exercer um poder que não lhe tenha sido atribuído constitucionalmente.
*Luciano Almeida de Oliveira é advogado e comentarista político das rádios RBC FM, Rádio Terra FM e Rádio