O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória

*Gustavo Aureliano Firmo

Corriqueiramente, as pessoas buscam o Poder Judiciário para obtenção de reparos que porventura tenham suportado em determinadas situações. Em diversas oportunidades os postulantes são beneficiários da justiça gratuita que, nos moldes do disposto no artigo 98, §1º do Código de Processo Civil, como principais, os isentam de arcar com o pagamento das taxas ou custas judiciais e honorários de sucumbência. Assim, tem-se uma demanda com “risco zero” de prejuízo financeiro, o que viabiliza o ajuizamento de demandas massificadas com teor idêntico, além de outras tantas com fundamentos extremamente frágeis.

Urge ressaltar que em que pese a concessão da justiça gratuita não afaste a responsabilidade pelos ônus sucumbenciais, estarão em condição suspensiva e só poderão ser exigidos após 5 anos do trânsito em julgado da decisão que os arbitrou, salientando que, para tanto, haverá a necessidade de o credor comprovar que a situação de hipossuficiência do devedor deixou de existir (artigo 98, §§ 2º e 3º).

Logo, a obtenção da procedência e o direito ao recebimento de alguma indenização configurará um cenário perfeito, enquanto uma improcedência não imporá prejuízos, salvo se o Juízo concluir pela configuração da litigância de má-fé e fixar multa nos termos do previsto no artigo 81 do Código de Processo Civil, oportunidade em que as benesses da gratuita da justiça não encontrarão guarida (artigo 98, §4º). Nesse cenário é que diversas pessoas ingressam com demandas em desfavor de instituições financeiras alegando, em suma, o desconhecimento da celebração do negócio jurídico de que estão sendo cobradas.

Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um “enriquecimento” às custas das instituições financeiras.

Em muitos casos concretos as partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, “humildes” e sem qualquer formação acadêmica que são “seduzidas” por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa.

Ora, em dias tão complicados economicamente, quem não estaria disposto a apostar nada e “correr o risco” de ganhar uma indenização ou qualquer outro valor? Infelizmente, a índole e caráter de alguns cidadãos são facilmente negociáveis, pois, ainda que tenha plena convicção do que fez, inexistindo qualquer vício de consentimento, está disposto a sustentar o desconhecimento da relação ou de alguma informação para tentar receber sua “indenização” pelos prejuízos falsamente suportados. Repise-se, o risco zero é altamente atrativo!

Não se pretende criticar os benefícios obtidos pelas partes com a concessão da justiça gratuita, até porque a sua inexistência ceifaria o acesso à justiça de um número incontável de pessoas. Essa situação apenas viabilizaria que os “grandes” se aproveitassem da fragilidade do adverso ante a impossibilidade de acesso ao Poder Judiciário.

O que se pretende, na verdade, é destacar a necessidade do Poder Judiciário analisar o caso concreto com bastante atenção e se tornar um inibidor de demandas descabidas de quaisquer fundamentos fáticos ou jurídicos. A advocacia predatória fomenta essas ações massificadas. Há o pedido de concessão da justiça gratuita alicerçado em uma declaração de hipossuficiência que, corriqueiramente, têm sido aceito pelo Poder Judiciário como hábil a comprovação da impossibilidade de a parte arcar com o pagamento das custas e despesas processuais sem causar prejuízo ao seu sustento ou ao da sua família. Com esse aceite sem maiores indagações há uma enxurrada de demandas infundadas.

Porém, relevante destacar que recentemente tem se observado uma postura mais ativa do Poder Judiciário nesse tipo de demanda, uma vez que passou a observar a quantidade de ações distribuídas por um mesmo patrono, o período em que foi distribuída, a redação idêntica da petição inicial e até o impacto causado na própria Comarca com o altíssimo volume de ações até então inexistente. Tem-se observado que o Juízo além de julgar as demandas improcedentes ainda tem condenado parte e advogado ao pagamento de multa por litigância de má-fé, ou apenas a primeira, além de determinar expedição de ofício ao Ministério Público e OAB para que averiguem a atuação do advogado que patrocinou a causa.

Assim, não se está tecendo críticas aos benefícios da justiça gratuita, mas destacando e reforçando a necessidade de o Poder Judiciário analisar os casos de maneira um pouco mais pormenorizada, uma vez que tais demandas podem ter origem na advocacia predatória que se limita a abarrotar o Judiciário com milhares de ações idênticas, sobrecarregando ainda mais o Poder Judiciário, além de trazer certa insegurança nos negócios jurídicos.

*Gustavo Aureliano Firmo é advogado, gestor jurídico da Área Bancária no Vigna Advogados Assossiados, graduado pela PUC Campinas, pós-graduando em Direito Bancário.