O Ativismo Judicial frente à pandemia da COVID-19

*Vicente Lopes da Rocha Júnior, Caroline Rosendo Correia e Cleber Lacerda Botelho Júnior

RESUMO: O estudo proposto tem como intento analisar o instituto do ativismo judicial no cenário brasileiro da crise de pandemia inaugurado pela Covid-19 e seus reflexos. No decorrer da exposição, será demonstrado, mediante análise de decisões judiciais proferidas, o desacerto desse protagonismo judicial, que invade a seara de competência de outras esferas de poder, atuando indevidamente como legislador e pautando a gestão das políticas públicas que entende como necessárias para conter a crise econômica e sanitária, adentrando em critérios de conveniência e oportunidade dos atos da Administração Pública. Por fim, restará demonstrado como o ativismo judicial, independente das boas intenções subjacentes, repercute de forma negativa no ordenamento jurídico, comprometendo o exercício regular e democrático da jurisdição, culminando no enfraquecimento do próprio direito como ciência.

PALAVRAS-CHAVE: Ativismo judicial. Coronavírus. Lockdown. Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Moratória tributária. Jurisprudência de crise.

SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 – Breve Considerações sobre Ativismo Judicial; 3 – Análise de decisões em tempos de COVID-19. Intervenção Judicial no espaço de atuação dos demais Poderes; 3.1 – Concessão de Liminar em Ação Civil Pública (ACP) para obrigar o Estado do Maranhão a determinar lockdown; 3.2 – Deferimento de liminar quanto à destinação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para enfrentamento do COVID -19; 3.3 – Diferimento do pagamento de tributos durante a pandemia de COVID -19; 4 – Considerações Finais; 5 – Referências.

1 – INTRODUÇÃO

O mundo se depara com uma das maiores crises sanitárias de sua história, a COVID-19, que foi reconhecida como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março 2020. A doença causa síndrome respiratória aguda e se espalha rapidamente, tendo saído de 4.291 mortes, no dia em que foi reconhecida como pandemia, para 327.738[1] vítimas, em pouco mais de 60 dias, correspondendo a aproximadamente a 5.400 mortes por dia ao redor do mundo.

Vários são os cuidados recomendados pela OMS – Organização Mundial de Saúde para diminuir a propagação da doença, sendo o distanciamento social o principal deles.

Uma pandemia sempre possui reflexos para além da questão de saúde, alcançando questões econômicas, políticas, sociais e jurídicas, quanto mais no caso do COVID-19 que impôs ao mundo quase a total paralisação de suas atividades econômicas e sociais.

No Brasil não foi diferente, atualmente com mais de 1.700.000 (um milhão e setecentos mil) casos confirmados e aproximadamente 68 mil mortos, segundo a Organização Mundial de Saúde, o distanciamento social é medida que se impõe, porém, não sem polêmica.

O isolamento social visando a menor disseminação do coronavirus impõe o fechamento de empresas, escolas e indústrias. As atividades que ainda podem funcionar experimentam uma forte queda de demanda. À medida que o prazo de distanciamento se alonga aumentam as correntes contrarias a tal medida, pressionada principalmente pela questão econômica.

O descompasso entre os governos federal e estaduais acirram o debate quanto a manutenção ou não do isolamento e, pressionados, governantes acabam por ceder e tendem a flexibiliza-lo.

Nesse contexto, é o Judiciário instado a se manifestar em várias ações que ora buscam o afrouxamento das restrições, ora o seu aumento. Assim, vemos espalhar pelo país decisões determinando o total fechamento das atividades econômicas e a impor a proibição de circulação, o chamado lockdown. Ainda, diante das mazelas econômicas, medidas judiciais são requeridas visando a moratória, o parcelamento ou mesmo a isenção de tributos.

A redução das atividades econômicas gera também a diminuição de receitas aos entes estatais, que já combalidos em suas finanças se veem obrigados a realizar altos investimentos no combate direto à pandemia e nos seus reflexos, como a falta de emprego e a ausência de atendimento às necessidades básicas, como alimentação.

Diante deste cenário catastrófico para o orçamento público surgem proposições como a de destinar, ao enfrentamento da crise, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, criado para o financiamento de campanhas eleitorais, questão que também fora objeto de decisões judiciais.

Todo esse cenário pandêmico destacou o viés ativista do Judiciário brasileiro, demonstrando seu indevido avanço sobre questões relevantes do ponto de vista politico, social e moral, transferindo poderes à atividade judicante que deveriam ser exercidos pelo Legislativo ou Executivo, o que representa afronta ao princípio democrático.

Esta incursão do Judiciário em esferas de poderes típicos do Legislativo e do Executivo não é uma realidade apenas no Brasil. O mundo discute os novos limites do poder judicante diante da derrocada do formalismo jurídico e ascensão do pós-positivismo ao longo do século XX, em que se desenvolveu a convicção de que o Direito não é uma expressão da Justiça como valor, mas de interesses que se tornam dominantes em dado momento e lugar, e de que várias situações não podem ser resolvidas pelo ordenamento jurídico apenas com a subsunção do fato à norma, sendo preciso o desenvolvimento da argumentação jurídica para se chegar a uma interpretação capaz de dar solução às controvérsias[2].

O presente artigo pretende expor a forma como o ativismo judicial, tão arraigado em nossos juízes, se apresentou neste cenário de crise, demonstrando que há uma cultura no Judiciário brasileiro de se fazer politicas públicas via decisões judiciais, contrariando o direito posto na sua acepção não positivista e deslegitimando os demais poderes estatais.

Para tanto, foram selecionadas algumas decisões prolatadas neste período de pandemia, que trataram do lockdown, das isenções tributárias e da destinação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, visando através destas demonstrar a pratica de ativismo judicial.

Longe de se defender neste artigo a volta do juiz “boca da lei” do positivismo jurídico, mas sim, aquele que, sujeito histórico que conta com estruturas prévias de pré-compreensão, vai buscar a superação do direito enquanto mero sistema de regras, tendo como norte a concretização dos princípios introduzidos no discurso constitucional[3].

2 – BREVE CONSIDERAÇÕES SOBRE ATIVISMO JUDICIAL

Antes de adentrar na análise das decisões proferidas durante esse período pandêmico, importante se faz destacar que será sopesado o uso de premissas defendidas pela teoria neoconstitucionalista em comandos judiciais, bem como seus efeitos na atuação jurisdicional das Cortes em que se identificam essas situações.

O neoconstitucionalismo nasce com o intento de refundar o direito constitucional com base em novas premissas, cujo objetivo primordial é a transformação de um estado legal em estado constitucional. Ele possui a sensibilidade de reconhecer que a separação de poderes atualmente perpassa por uma nova readequação e tem uma constitucionalidade essencialmente presa à moral.

A sequela do alastramento dos princípios sobre o ordenamento jurídico extingue as lacunas de discricionariedade e expande a aplicabilidade do sistema jurídico.

A teoria dos princípios está ligada a uma teoria da argumentação jurídica prática. Assim, consegue-se perceber um deslocamento do protagonismo, sempre existente por parte de um dos poderes, para o Judiciário.

Entretanto, isso não denota a possibilidade de o magistrado está içado a prolação de decisão arbitrária. De forma completamente diversa, sua decisão necessariamente deverá ser resguardada pelos marcos éticos e políticos que corroboram com Estado Constitucional e Democrático de Direito.

Os princípios excitam novos formatos de racionalidade jurídica e causam uma lógica prática para aplicação na materialização dos direitos fundamentais, o que é tarefa e obrigação do Poder Judiciário enquanto Guardião da Constituição e, por conseguinte, dos direitos fundamentais.

Vários dos conceitos de neoconstitucionalismo decorreram de uma ideia trêmula da lei, superando o positivismo, tendo assim, um grande ponto em comum na teoria positivista de Hart, que muito se assemelham à ponderação e à argumentação jurídica, que são “armas” do neoconstitucionalismo, mas que, como afirmou o admirável doutrinador Lenio Streck[4], é um perigo ao Estado Democrático de Direito.

De acordo com Streck, se verifica no neoconstitucionalismo um apoio ao ativismo judicial, avaliado como a intervenção do Poder Judiciário nas competências do Poder Legislativo e/ou Executivo, afrontando de tal modo, o estado democrático de direito.

Para o Ministro Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial é em uma forma peculiar de interpretar a Constituição Federal, buscando sua aplicação direta, mas estendendo o seu sentido e alcance[5].

Nesse contexto, derivaria, de uma ineficiência dos demais Poderes no que tange à solução de conflitos, dando abertura para atuação do Judiciário em situações dessa natureza.

O Ministro Luís Roberto Barroso entende que o ativismo, de origem norte-americana, despontou, a priori, de maneira conservadora, sendo utilizado pela Suprema Corte para atender interesses reacionários.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, em virtude dos Direitos Fundamentais ali elencados, a discussão sobre a temática se encorpou no Brasil.

A própria condição de ser do Poder Judiciário pode dar causa ao progresso ativista camuflado que se empreendeu nos últimos anos no Brasil, justificado sob o argumento da efetividade dos direitos do cidadão.

Streck complementa, afirmando, ainda, que o ativismo judicial fora trazido de modo inadequado dos Estados Unidos, onde foram realizadas sérias discussões doutrinárias no que tange ao governo dos juízes e do ativismo judicial, só́ que há mais de 200 anos. Entretanto, uma Constituição mais atual brada por novos padrões de observação. “No mínimo, uma nova teoria das fontes, uma nova teoria da norma, uma nova teoria hermenêutica […] uma nova teoria da decisão”.

Nesse diapasão, quase tudo no Brasil é judicializado e, constantemente, o termo ativismo judicial vem sendo utilizado de maneira rasteira. Verifica-se que por vezes o Judiciário se destaca como protagonista de decisões envolvendo questões de vasto alcance político, implementação de políticas públicas ou escolhas morais em temas controvertidos na sociedade.

Barroso assegura que “a centralidade da Corte – e, de certa forma, do Judiciário como um todo – na tomada de decisões sobre algumas das grandes questões nacionais tem gerado aplauso e critica, e exige uma reflexão cuidadosa”[6]. Hoje temos Tribunal com poderes permanentes de alterar a Carta Magna e criar normas ao alvedrio da própria Carta. Todavia, o risco está justamente por existirem demandas que não poderão ser abarcadas pelo ativismo judicial, vez que o Poder Judiciário não poderá substituir o Legislativo nem o Executivo.

Assim, percebe-se que o ativismo judicial brasileiro tem o intento de concretizar direitos e resolver o imbróglio da vontade dos julgadores, restando inadmissível se descontextualizar a Constituição somente para buscar sentido em uma norma, com o objetivo de justificar uma decisão judicial. Corroborando com este entendimento, Streck afirma que “em defesa da Constituição e do direito democraticamente produzido, apresenta (é necessário) uma postura crítica em relação à atuação ativista do Judiciário no país”.

Portanto, é possível concluir que o ativismo judicial é um problema que mexe com o corpo da democracia constitucional, vez que está ligado a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na materialização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência nas esferas de competência dos demais poderes, por isso há necessidade de se questionar decisões que afastam o texto constitucional e buscam fundamentos fora da esfera jurídica.

3 – ANALISE DE DECISÕES EM TEMPOS DE COVID-19. INTERVENÇÃO JUDICIAL NO ESPAÇO DE ATUAÇÃO DOS DEMAIS PODERES

Quando uma matéria de repercussão política ou social é decidida pelo Poder Judiciário, ao invés das instâncias políticas tradicionais, ou seja, Poder Legislativo (Congresso Nacional) e Poder Executivo, tem-se o que se denomina judicialização, que nada mais é do que essa “transferência de poderes” para magistrados e tribunais decidirem.

Já o ativismo judicial, conforme explanado anteriormente, em que pese se assemelhar à judicialização, tem conexão com uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na efetivação dos valores e fins constantes no texto constitucional, permitindo maior intromissão do Judiciário no espaço de atuação dos demais Poderes.

Corroborando com este entendimento, Ministro Barroso bem pondera[7]:

A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, freqüentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. (…) Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.

Feita esta distinção, serão sopesadas três decisões proferidas durante a pandemia do COVID-19, as quais versam sobre diferentes matérias.

3.1 – Concessão de liminar em Ação Civil Pública (ACP) para obrigar o Estado do Maranhão a determinar lockdown

Analisar-se-á́ o julgamento da Ação Civil Púbica cujo objeto era obrigar o Estado do Maranhão e os municípios de São Luís, Raposa, Paço do Lumiar e São José de Ribamar, a cumprirem regras mais rígidas de confinamento durante o período pandêmico.

Na inicial, o Ministério Público estadual afirma que o lockdown torna-se necessário para superar o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) na capital maranhense, diante da lotação dos leitos de UTI nos hospitais particulares:

Como a ocupação dos leitos de UTI dedicados ao tratamento de Covid-19 na rede estadual já ultrapassou o marco de 80% estipulado pelo Poder Executivo estadual, sem que tenha sido decretado o confinamento (lockdown), ante a urgência da questão, resta buscar a prestação jurisdicional para que seja determinado liminarmente ao Estado do Maranhão estender a suspensão expressa a todas as atividades não essenciais à manutenção da vida e da saúde.

Na decisão o magistrado determina que o Estado do Maranhão suspenda todas as atividades não essenciais à manutenção da vida e da saúde, com exceção de serviços de alimentação, medicamentos e os obrigatoriamente ininterruptos, como portos e indústrias que trabalhem 24 horas.

Também ficaram limitadas as reuniões de pessoas em espaços públicos ou abertos ao público. As agências e correspondentes bancários foram compelidas a funcionar apenas para o pagamento de salários e benefícios assistenciais.

Da mesma forma, dentre outras restrições, a decisão ora analisada proibiu a circulação de veículos particulares, salvo para a compra de alimentos ou medicamentos, para transporte de pessoas para atendimento de saúde, atividades de segurança ou no itinerário dos trabalhadores de serviços considerados essenciais. A entrada e saída de veículos também fora proibida por dez dias, salvo caminhões, ambulâncias, veículos transportando pessoas para atendimento de saúde, que estivessem desempenhando de atividades de segurança ou no itinerário de serviços considerados essenciais.

Entretanto, há divergência quanto à competência da decisão.

A judicialização da política significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário, o que acaba ocasionado uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas (Legislativo e Executivo)[8].

No exercício da judicialização da política, pode o julgador praticar o ativismo judicial, que é uma “ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional”, o que faz seja a atuação descaracterizada da função típica do Judiciário[9].

Conforme mencionado no tópico anterior, ao longo da história, a afirmação do Judiciário com o judicial review e o reforço de sua legitimidade institucional permitem prolações de decisões ativistas em matérias onerosas à sociedade. O ativismo judicial amarga intensos debates por envolver alegação de ditadura judicial das cortes, discurso de supremacia judicial, ofensa à separação de poderes.

Resta latente que no caso ora analisado houve a judicialização de matéria inerente à política pública ou à atividade legislativa, o que deu causa ao famoso ativismo judicial.

A decretação de lockdown é assentada ao nível de política pública, motivo pelo qual o Parquet, ao ingressar com a ACP, desvirtua ao magistrado a postura ativista, ao introduzir em seara do Executivo, cuja carga argumentativa da decisão deduzirá sua aceitabilidade.

A matéria em análise cabe à autoridade estatal que, no limite de sua responsabilidade constitucional, deve estabelecer as prioridades eleitas, obviamente norteados pelo bem comum e tutelados pela legalidade.

Caso o Executivo decida por bem decretar o lockdown, deve fazer após analisar o conjunto de recurso disponíveis, nos diversos planos (orçamentário, materiais, humanos e tecnológicos), diante da notória escassez e limitações impostas ao Estado, impulsionada por Pandemia de proporções ainda não suficientemente dimensionada. Deve ser analisada pormenorizadamente a realidade nacional e, especialmente, regional (além da local). Todavia, salvo exceções estatisticamente dotadas de reduzida relevância, demonstram um déficit longínquo entre o fato concreto e a expectativa gerada.

No contexto acima, o domínio das informações que envolvem as necessidades que deverão servir de base à tomada de decisões, encontra-se indiscutivelmente centralizado nos órgãos estatais, que a partir dos dados oficiais devem ser capazes de dimensionar, no âmbito de suas possibilidades materiais e formais (incluindo os aspecto legal e orçamentário), os limites para as próprias ações, que indiscutivelmente revolvem as possibilidades politicas.

Dentre os fatores fixados num panorama de hipercomplexidade que caracteriza o problema sob exame, resta claro que a existência de infraestrutura urbana adequada, rede hospitalar suficientemente instalada, segurança alimentar, securitária e social, são fatores primordiais para a fixação de uma taxa adequada de sucesso no enfrentamento da pandemia.

As instituições republicanas devem agir em consonância, conforme determina a constituição Federal, devendo ser respeitadas as suas independências e competências.

Portanto, por ser evidente, deve ser respeitada a independência funcional de cada poder. A proposito, na decisão colegiada proferida no julgamento da ADI 6341, em 15/04/2020, o Supremo Tribunal Federal por maioria dos membros da corte, aderiu à proposta do Ministro Edson Fachin, acolhendo a necessidade de que o artigo 3º da Lei 13.979/2020 seja interpretado de acordo com o texto constitucional, de modo a reafirmar observância da autonomia dos entes locais.

Nos termos da referida decisão, a mitigação das faculdades, poderes e ônus exercidos nas raias da atribuição constitucional, relativamente à questão sanitária tratada, afrontaria o princípio federativo e da separação dos poderes.

De tal modo, a invasão de competência não se justifica, por diverso poder, no espectro da repartição constitucionalmente estabelecida no art. 64, § 4º, III da CF.

Compete esclarecer, ainda, que não cabe ao poder judiciário a definição das prioridades a serem adotadas de acordo com critérios pretensamente técnicos, pelos poderes constituídos para o desempenho de tais funções.

Portanto, cabe ao representante do Executivo tomar as decisões à vista dos fatos e com base nos elementos científicos presentes nas informações de que dispõe.

Em que pese de todo exposto, não há dúvidas de que existe o “ativismo saudável”, no qual por vezes a lógica eleitoral coloca direitos em risco, bem como há o incentivo a compromissos incompatíveis com a racionalidade dos direitos fundamentais. Em determinados casos, a carga argumentativa ínsita à decisão demonstra a prevalência do foro de princípio sobre o foro da política, com representação deliberativa e argumentativa aptas à boa e adequada construção decisional, que reflete uma corte inserida e sensível ao sistema democrático[10].

Entretanto, não é o que ocorre no caso analisado, no qual claramente percebe-se que houve inversão de papéis no jogo democrático, no qual o “jogador” Judiciário ultrapassou seu campus, invadindo o dos demais. O Poder Judiciário não pode suprimir a política, o governo da maioria, tampouco o papel do Legislativo, devendo atuar, legitimamente, quando capaz de fundamentar racionalmente suas decisões, com embasamento na Constituição Federal.

3.2 – Deferimento de liminar quanto à destinação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para enfrentamento do COVID-19

Desde o início da atual crise sanitária passou-se a discutir a necessidade de destinação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para combate ao COVID-19.

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha esta previsto no art. 16-C da Lei nº. 9.504/97 e foi nela incluído pela Lei nº. 13.487 de 2017. Serve para o financiamento de campanhas eleitorais e seu montante é definido pelo percentual do total dos recursos da reserva específica a programações decorrentes de emendas de bancada estadual impositiva, definido no projeto de lei orçamentária anual. Para as eleições de 2020 o montante previsto para o Fundo é de cerca de 2 bilhões de reais.

A constituição do FEFC e sua finalidade sempre foi polêmica, e as correntes contrarias a tal despesa pública ganharam força durante a atual crise de saúde, refletindo em decisões judiciais que claramente extrapolaram os limites da atuação jurisdicional, revelando alto nível de ativismo em nosso Poder Judiciário.

Ao menos quatro decisões liminares foram deferidas em território nacional destinando de alguma forma os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para o combate ao COVID, dentre elas a da Justiça Federal do Distrito Federal.

Nesta decisão o juiz federal de primeira instância concedeu liminar determinando o bloqueio de valores do FEFC para enfrentamento do COVID, utilizando-se de discurso argumentativo altamente discricionário, e de conceitos como moralidade pública, dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e, ainda, ao propósito de construção de uma sociedade solidária.

Através desses argumentos o juiz suspendeu a eficácia do artigo 16-C, § 2º da Lei nº. 9.504/97, visando impedir o depósito de recursos no Banco do Brasil, pelo Tesouro Nacional, em conta especial à disposição do Tribunal Superior Eleitoral, que deve ocorrer até o primeiro dia útil do mês de junho do ano do pleito.

A decisão demonstra-se ativista na assepsia máxima da palavra, na medida em que contraria frontalmente opção legal escolhida pelo Legislativo. Tratou-se de decisão com alto nível de fundamentação política e em substituição ao que pretendia o congresso ao aprovar a criação do FEFC, o que não caberia ao Judiciário, mesmo em tempos de crise grave como a que se enfrenta.

O ativismo da decisão se destaca pelos argumentos de política em sobreposição aos argumentos de princípios que devem nortear as decisões judiciais na solução de casos difíceis[11]. Em sua decisão assim argumentou o juiz de primeiro grau:

Nesse contexto a manutenção de fundos partidários e eleitorais incólumes, à disposição de partidos políticos, ainda que no interesse da cidadania (Art. 1º, inciso II da Constituição), se afigura contrária à moralidade pública, aos princípios da dignidade da pessoa Humana (Art. 1º, inciso III da Constituição), dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Art. 1º, inciso IV da Constituição) e, ainda, ao propósito de construção de uma sociedade solidária (Art. 3º, inciso I da Constituição). (4ª Vara Federal Civel da Seção Judiciária do Distrito Federal – Ação Popular: Processo 1020364-92.2020.4.01.3400).

A utilização pelo julgador de argumentos como ofensa à moralidade pública e à dignidade da pessoa humana, traduz-se em ausência de fundamentação por empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso, conforme prevê o art. 489, § 1º, inciso I do Código de Processo Civil, além de grave incursão na esfera de competência do legislador, porque o Legislativo é o foro adequado para a tomada de discussões e deliberações pautas em argumentos de política.

A ausência de qualquer argumentação jurídica que dê concretude a aplicação dos princípios que evoca, fica ainda mais demonstrada no argumento do juiz singular de que “a inconstitucionalidade [do FEFC] decorre, no caso, de circunstâncias de fato, transitórias, é certo, mas que cobram atitudes imediatas – rebus sic stantibus.”

A decisão demonstrou-se extremamente ativista e ausente de qualquer argumento técnico jurídico, em afronta a direta a dispositivo legal, sem a utilização de qualquer argumento que não os de natureza político-ideológicos, em nítida atividade que extrapola a função jurisdicional, tendo sido cassada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

3.3 – Diferimento do pagamento de tributos durante a pandemia de Covid-19

Em tempos de COVID-19 e diante do desarranjo econômico latente no país, uma outra questão que se tornou recorrente no âmbito do Poder Judiciário é o ajuizamento exponencial de ações por diversos contribuintes, tendo por escopo o diferimento do pagamento de tributos federais, estaduais e municipais, uma espécie de moratória tributária.

Mais uma vez, o Judiciário foi instado a se manifestar de forma rápida acerca de tema deveras espinhoso, encontrando-se de um lado uma gama de contribuintes que sofre os percalços perversos de uma grave crise econômica e buscam na postergação do pagamento de tributos um fôlego financeiro para a sobrevivência dos seus negócios. De outro, o Estado, fortemente atingido pela perda de arrecadação, temeroso do colapso das contas públicas e, via de consequência, da impossibilidade de continuar implementando políticas públicas.

Diante desse contexto, sobreveio quantidade expressiva de decisões judiciais espalhadas por todo o país, com argumentos dos mais diversos, lançando dúvidas novamente acerca da postura adotada pelo poder judiciário, se a mesma redundaria num indevido ativismo judicial.

No Estado de São Paulo, por exemplo, por ocasião das medidas adotadas pelo Governo para conter a expansão do COVID-19, houve uma proliferação dessas decisões judiciais[12], determinando a suspensão da exigibilidade dos tributos estaduais, conferindo uma espécie de moratória tributária.

Basicamente, essas decisões liminares adotaram fundamento similar, qual seja, a redução da atividade econômica empresarial por ação governamental, culminado no comprometimento das receitas financeiras dessas empresas a ponto de não poderem mais arcar com o pagamento dos tributos atuais, bem como dos parcelamentos já realizados, sem que isso pudesse inviabilizar de vez o seu funcionamento e os empregos dos seus contratados.

Analisando-se essas decisões, percebe-se alguns descompassos, que revelam um certo protagonismo judicial, inovando na ordem jurídica. Vejamos:

É cediço que a prorrogação do prazo para pagamento dos tributos devidos trata-se de evidente concessão de moratória tributária que, na lição de Paulo de Barros Carvalho[13]:

Moratória é a dilação do intervalo de tempo, estipulado para o implemento de uma prestação, por convenção das partes, que podem fazê-lo tendo em vista uma execução unitária ou parcelada.

Entrando em jogo o interesse público, como no campo das imposições tributárias, vem à tona o fundamental princípio da indisponibilidade dos bens públicos, razão por que o assunto da moratória há de ser posto em regime de exclusiva legalidade. Sua concessão deve ser estabelecida em lei e pode assumir caráter geral e individual.

Por sua vez, o CTN determina em seu artigo 152[14] que a moratória apenas pode ser concedida em caráter geral por pessoa jurídica de direito público competente para instituir os tributos, ou em caráter individual, desde que autorizada por lei. Já o artigo 153[15] do CTN reafirma a necessidade de lei para a concessão da moratória, estabelecendo um rol de requisitos necessários para tanto.

Assim, a concessão de moratória tributária é ato privativo do Poder Legislativo que, por envolver bem público – o crédito tributário, sujeita-se aos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público e, no caso do Estado de São Paulo não há lei em vigor autorizando essa benesse tributária.

Como é cediço, a edição de lei concessiva de moratória tributária depende da política pública adotada pelo Poder Executivo, uma vez que provoca inegável impacto financeiro para o Estado, que deixará de arrecadar a receita prevista no prazo estipulado, ao passo que terá que manter o cumprimento de suas obrigações de gestão pública.

Por esse motivo, escapa da atribuição do Judiciário a concessão de novos prazos para o adimplemento da obrigação tributária, pois, do contrário, estaria o Judiciário atuando como legislador positivo, ofendendo, pois, o princípio da separação dos poderes.

O Supremo Tribunal Federal, há muito, preocupa-se em nortear a atuação do órgão julgador, orientando-lhe sobre as suas funções jurisdicionais e reforçando a distinção existente entre elas e a função executiva. Esclarecedor o julgamento proferido por aquela Corte, no julgamento da Representação 1417-7, cujo trecho se transcreve:

O princípio da interpretação conforme a Constituição (verfassungskonforme auslegung) é princípio que se situa no âmbito do controle de constitucionalidade, e não apenas simples regra de interpretação. A aplicação desse princípio sofre, porém, restrições, uma vez que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o STF – em sua função de corte constitucional – atua como legislador negativo, mas não – tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da instituída pelo Poder Legislativo. Por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a Constituição contrariar o sentido inequívoco que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o princípio da interpretação conforme a Constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo. (…) No caso, não se pode aplicar a interpretação conforme a constituição por não se coadunar essa com a finalidade inequivocamente colimada pelo legislador, expressa literalmente no dispositivo em causa, e que dele ressalta pelos elementos da interpretação lógica. (…).[16]

O respeito à separação dos poderes do Estado é uma preocupação, também, da doutrina, aqui representada pelo administrativista Hely Lopes Meirelles[17] quando afirma:

O que não se permite ao Judiciário é pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judicial. O mérito administrativo, relacionando-se com as conveniências do governo ou com elementos técnicos, refoge ao âmbito do Poder Judiciário, cuja missão é a de aferir a conformação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais do Direito.

Além do Judiciário não funcionar como legislador positivo, há que se observar ainda que essas decisões concessiva da moratória tributária a certos setores da economia representam verdadeira ruptura do princípio constitucional da igualdade, uma vez que essas empresas não são as únicas a sofrerem as consequências da suspensão temporária das atividades, e também desprezo pela a ideia de que o Estado precisa de recursos para implementar políticas públicas, o que reforça a necessidade de maior reflexão quando dessas intervenção do Judiciário.

De fato, não há segmento da sociedade que não sofrerá com o assolamento trazido pelo COVID-19 e o que se espera é o esforço e sacrifício de todos em prol do bem comum, do bem maior, do bem geral.

Nesse cenário, inegável reconhecer no Poder Público a legitimação para a adoção de políticas públicas capazes de retomar o bem estar da sociedade. Qualquer medida que, neste momento adverso, vise apenas atender aos direitos individuais em detrimento das medidas coletivas poderá incrementar o avanço da doença.

Em outros termos, a legitimação da inadimplência dos contribuintes poderá representar a inação dos diversos entes estatais, porque de suas arrecadações tributárias eles dependem para implementar todas as medidas que são essenciais ao enfrentamento da pandemia.

Atendendo à importância dos efeitos sistêmicos da função judicante, a LINDB[18] – Decreto Lei 4.657/1942 – condena decisões abstratas fundadas em princípios vagos e em desconsideração ao contexto fático determinante, tudo em prol da segurança jurídica.

Inegável, portanto, que quando o Poder Judiciário age de forma açodada, imediatista, assumindo um protagonismo questionável, a exemplo da concessão de moratória tributária a setores econômicos específicos, acaba gerando efeitos nefastos na arrecadação tributária dos entes estatais, comprometendo as políticas públicas.

A bem da verdade, como já dito alhures, esse protagonismo judicial tem como base a discricionariedade, o livre convencimento do juiz, que acaba transformando-o em legislador, que cria o próprio objeto de conhecimento, típica manifestação do positivismo, tudo isso atrelado à sua concepção particular de mundo[19].

Nessa trilha de raciocínio, na seara do direito, esse excesso de criatividade pode acarretar a substituição das opções conferidas pela Constituição por orientações de qualquer ordem, advinda de um ambiente externo ao sistema jurídico, corrompendo códigos do direito e, em ultima análise, utilizando de forma indevida meios de comunicação próprios de outros subsistemas que não estão aptos a resolver problemas do sistema jurídico[20].

Forçoso reconhecer, portanto, que há uma negação ao constitucionalismo sempre que o juiz submete a jurisdição à praça, à opinião pública ou à sua própria vontade, e não à lei, corrompendo a forma de operação e reprodução dos sistemas jurídicos e políticos da sociedade, privilegiando, por consectário lógico, o consequencialismo judicial em detrimento do próprio ideal de democracia.

Por fim, o STF, julgando a Suspensão de Segurança 5363/SP apresentada pelo Estado de São Paulo, reconheceu o indevido ativismo judicial que resulta na invasão da esfera de atuação de outro poder estatal, determinando a cassação de diversas liminares concedidas pelo Tribunal de Justiça daquele Estado, nos seguintes termos:

Não se ignora que a situação de pandemia, ora vivenciada, impôs drásticas alterações na rotina de todos, atingindo a normalidade do funcionamento de muitas empresas e do próprio estado, em suas diversas áreas de atuação.

Mas, exatamente em função da gravidade da situação, exige-se a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, não se podendo privilegiar determinado segmento da atividade econômica em detrimento de outro, ou mesmo do próprio Estado, a quem incumbe, precipuamente, combater os nefastos efeitos decorrentes dessa pandemia.

Assim, não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado, neste momento.

Apenas eventuais ilegalidades ou violações à ordem constitucional vigente devem merecer sanção judicial, para a necessária correção de rumos, mas jamais – repita-se – promover-se a mudança das políticas adotadas, por ordem de quem não foi eleito para tanto e não integra o Poder Executivo, responsável pelo planejamento e execução dessas medidas.

Não se mostra admissível que uma decisão judicial, por melhor que seja a intenção de seu prolator ao editá-la, venha a substituir o critério de conveniência e oportunidade que rege a edição dos atos da Administração Pública, notadamente em tempos de calamidade como o presente, porque ao Poder Judiciário não é dado dispor sobre os fundamentos técnicos que levam à tomada de uma decisão administrativa.

Ademais, a subversão, como aqui se deu, da ordem administrativa vigente no estado de São Paulo, em matéria tributária, não pode ser feita de forma isolada, sem análise de suas consequências para o orçamento estatal, que está sendo chamado a fazer frente a despesas imprevistas e que certamente têm demandado esforço criativo, para a manutenção das despesas correntes básicas do estado.

E nem mesmo a liminar obtida pelo requerente, em ação ajuizada originariamente perante esta Suprema Corte, pode servir de fundamento a justificar a medida cautelar ora em análise, na medida em que foi proferida com o escopo de permitir um melhor direcionamento dos recursos públicos ao combate aos efeitos da pandemia, sendo certo que as consequências advindas da decisão cuja suspensão aqui se postula, apontam exatamente em sentido contrário.

Além disso, a concessão dessa série de benesses de ordem fiscal a uma empresa denota quadro passível de repetir-se em inúmeros processos, pois todos os demais contribuintes daquele tributo poderão vir a querer desfrutar de benesses semelhantes.

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz de todas essas considerações, apesar do inesperado surgimento do estado de calamidade que atinge o Brasil e o mundo, em decorrência da Covid-19, e seus deletérios impactos sobre a vida política, econômica e social do país, o fato é que por mais que a situação seja adversa, não pode tal circunstância implicar na total inversão do ordenamento jurídico, em sua imprudente distorção, para de forma imediatista antecipar medidas que não foram adotadas pelo poder competente.

Estreme de dúvidas que as medidas devidas para aliviar a pressão econômica e demais mazelas sociais oriundas da Covid-19 não devem partir do Poder Judiciário, mas do próprio Governo, que é quem possui a competência para, de modo estruturado e centralizado, com uma visão ampla dos impactos sobre os diversos setores da economia, lastreado em estudos econômicos, técnicos e científicos, considerando todas as consequências, adotar as medidas que melhor se harmonizem aos anseios da coletividade, dentre elas as que visem atender a saúde financeira das grandes e pequenas empresas, minimizando seus prejuízos, quando não buscando preservar a sua própria existência.

Não se evidencia prudente, portanto, que em tempos de calamidade decorrente da Covid-19 uma decisão judicial venha a substituir o gestor, adentrando em análise de mérito dos atos da Administração Pública, ou seja, avaliando critérios de conveniência e oportunidade de competência de outros poderes, desprezando dados técnicos que embasam a tomada de decisão administrativa e malferindo, via de consequência, os princípios da legalidade e da separação dos poderes, dentre outros dispostos na Constituição Federal.

Os exemplos de ativismo aqui trazidos mostram quão cambiante podem ser sua qualificação, os efeitos de seu manejo e suas consequências. O fato é que não pode ser aprioristicamente rechaçado, porque em nível mundial vem conduzindo as sociedades a dias melhores, ainda que haja decisões dissonantes e que, na grande maioria dos casos, são prontamente repelidas no âmbito do próprio Poder Judiciário.

Enfim, diante da pandemia do Covid-19, o ativismo judicial é algo que deve ser evitado. Em momentos excepcionais como esse, as soluções devem ser encontradas dentro do próprio ordenamento jurídico e nunca fora dele, evitando-se, com isso, uma interpretação sem limites que tanto degenera o direito, o qual não merece ser capturado pela política.

5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ROSSI, Amélia Sampaio. Neoconstitucionalismo e direitos fundamentais. In: Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. [Anais eletrônicos] Disponível em: <http://conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/amelia_do_carmo_sampaio_rossi.pdf>. Acesso em: 24 maio 2020.

SILVA, Virgilio Afonso da. Ponderação e objetividade na interpretação constitucional. In: Ronaldo Porto Macedo Jr. & Catarina Helena Cortada Barbieri (orgs.), Direito e interpretação: racionalidades e instituições, São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

STRECK, Lenio Luiz. A Incompatibilidade Paradigmática entre Positivismo e Neoconstitucionalismo. In: QUARESMA, R.; OLIVEIRA, M. L. de P.; OLIVEIRA, F. M. R. de. (Orgs.). Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.

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[1]Dados disponíveis em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875#datas-noticificacoes . Acesso em 24/05/2020.

[2] BARROSO, Luís Roberto. Um Outro País. Belo Horizonte: Fórum, 2018. Disponível em: https://www.forumconhecimento.com.br/livro/1530. Pp. 27. Acesso em: 24 maio 2020.

[3] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e (m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016.

[4] STRECK, Lenio Luiz. Neoconstitucionalismo, positivismo e pós-positivismo. In: FERRAJOLI, Luigi; TRINDADE, André Karam (Orgs.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2012.

[5] BARROSO, Luís Roberto. Retrospectiva 2008: judicialização, ativismo e legitimidade democrática. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE): Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 18, abr./jun. 2009. Disponível em www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 24 maio 2020.

[6] BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro, número 13, 2009.

[7] BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro, número 13, 2009.

[8] BARROSO, Luís Roberto. Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, número 23, setembro/outubro/novembro 2010 – Salvador – Bahia – Brasil, IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Público, site: direitodoestado.com.br.

[9] CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia. ALCEU – v. 5 – n. 9 – p. 105 a 113 – jul./dez. 2004, p. 106.

[10] MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação, São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 80.

[11] DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio, tradução Luís Carlos Borges, 2ª edição, São Paulo, 2005, Ed. Martins Fontes, p. 6-12, e OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Hermenêutica e jurisprudência no Novo Código de Processo Civil: a abertura de novos horizontes interpretativos no marco da integridade do direito. In: STRECK, Lenio Luiz, ALVIM, Eduardo Arruda, LEITE, George Salomão (Coordenadores). Hermenêutica e Jurisprudência no Novo Código de Processo Civil. Coerência e Integridade, São Paulo, 2016, Ed. Saraiva, p. 58-59).

[12] Mandados de Seguranças nº 1016209-67.2020.8.26.0053; nº 1017981-65.2020.8.26.0053; nº 1018097-71.2020-8.26.0053; 1018234-53.2020.8.26.0053; nº 1005479-68.2020.8.26.0482; 1006496-79.2020.26.0405 e nº 1003325-54.2020.8.26.0037.

[13] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008 – 2ª ed., p. 452.

[14] Art. 152. A moratória somente pode ser concedida:

I – em caráter geral:

a) pela pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo a que se refira;

b) pela União, quanto a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, quando simultaneamente concedida quanto aos tributos de competência federal e às obrigações de direito privado;

II – em caráter individual, por despacho da autoridade administrativa, desde que autorizada por lei nas condições do inciso anterior.

Parágrafo único. A lei concessiva de moratória pode circunscrever expressamente a sua aplicabilidade à determinada região do território da pessoa jurídica de direito público que a expedir, ou a determinada classe ou categoria de sujeitos passivos.

[15] Art. 153. A lei que conceda moratória em caráter geral ou autorize sua concessão em caráter individual especificará, sem prejuízo de outros requisitos:

I – o prazo de duração do favor;

II – as condições da concessão do favor em caráter individual;

III – sendo caso:

a) os tributos a que se aplica;

b) o número de prestações e seus vencimentos, dentro do prazo a que se refere o inciso I, podendo atribuir a fixação de uns e de outros à autoridade administrativa, para cada caso de concessão em caráter individual;

c) as garantias que devem ser fornecidas pelo beneficiado no caso de concessão em caráter individual.

[16] STF, RP-1417/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 09/12/1987.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 19ª ed., pag. 607/608.

[18] Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

[19] STRECK, Lenio Luiz. Constituição, sistemas sociais e hermenêutica, Porto Alegre-RS: Livraria do advogado, 2010, p.160-161

[20] CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema jurídico e decisão judicial, São Paulo: Saraiva, 2011, 2a ed., p. 62-63.

*Caroline Rosendo Correia – advogada, mestranda em direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, especialista em Direito Civil e Empresarial pela UFPE, pesquisadora dos grupos de pesquisa Liderança Feminina na Política e Mulheres, Renda, Democracia e Justiça, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP e membro do Instituto de Juristas Brasileiras;

*Cleber Lacerda Botelho Júnior – mestrando em direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, especialista em Direito Eleitoral e Municipal pela UFBA, procurador do Município de Salvador/BA e advogado;

*Vicente Lopes da Rocha Júnior – juiz titular do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, advogado, especialista em Direito Administrativo Contemporâneo pelo Instituto de Direito Administrativo de Goiás, especialista em Direito Eleitoral e mestrando em direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.