O dano existencial face à jornada excessiva de trabalho

*Nivaldo Soares de Brito Júnior

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, V, garante o direito à indenização por eventual dano material, moral ou à imagem, institutos que todos conhecem, têm familiaridade com os termos ou, pelo menos, razoável noção quanto às de suas definições, hipóteses de ocorrência e implicações.

Na mesma senda, a legislação cível também prevê o direito ao recebimento de indenizações pecuniárias por danos materiais e/ou danos morais, bem como o conseguinte dever/obrigação do ofensor em pagá-las. Consubstanciando-se a indenização em meio eficaz de devolver ao ofendido seu status quo ante, bem como de compensá-lo por suas perdas ou danos experimentados.

Em sua essência, o dano material (emergente ou lucro cessante) está relacionado ao prejuízo financeiro ou patrimonial propriamente dito; ou seja, sua incidência exige comprovação efetiva para que haja uma equivalente reparação.

Doutro lado, o dano moral diz respeito, em sentido amplo, a ofensas extrapatrimoniais à dignidade personalíssima cuja natureza é, em regra, subjetiva. Entende-se que o dano extrapatrimonial engloba o próprio dano moral (honra), bem como o dano à imagem (prescrito na Constituição Federal), o dano estético e o dano existencial, dentre outras espécies congêneres.

Nesse contexto, inovação advinda com a reforma trabalhista, ainda relativamente recente, encontra-se estampada no artigo 223-B da CLT, que passou a instituir expressamente, como espécie do dano extrapatrimonial, o dano existencial.

Nas rotinas trabalhistas, esta espécie de dano pode ser constatada a partir de atos patronais manifestamente lesivos, que denotam a extrapolação do poder diretivo, prejudicando sobremaneira o empregado em sua intimidade, em sua vida particular cotidiana. Nessas situações, em razão da sobrecarga e excesso de obrigações impostas, o empregado permanece trabalhando, na empresa ou até mesmo em casa, além de sua regular jornada de trabalho; o trabalhador acaba renunciando ao repouso e às suas relações sociais, para seguir trabalhando para preservar sua renda.

Exemplo de fácil visualização é aquele em que há imposição contumaz de jornadas excessivas de trabalho, com o empregado passando a realizar rotineiramente horas extraordinárias além dos limites legais permitidos, o que pode ocorrer, inclusive, em sistema de sobreaviso, labor remoto ou até mesmo no home office; em que geralmente não são disponibilizados meios para que se faça o registro de ponto do real período trabalhado.

A situação é tão grave que o trabalhador se vê obrigado a abdicar de seu devido descanso e repouso, de seus estudos, da participação em eventos familiares, culturais, sociais ou recreativas, para seguir trabalhando e manter-se empregado, podendo, com o tempo, vir a desenvolver transtornos e síndromes decorrentes do esgotamento físico e mental. Inúmeros casos já foram apreciados pelo Judiciário Trabalhistas, e trabalhadores comprovadamente lesados têm sido indenizados por seus empregadores.

A propósito este tem sido nesse sentido o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região em recentíssimas decisões ali proferidas acerca do tema, inclusive revertendo decisões de primeira instância que não reconheciam a ocorrência do dano pleiteado.

Portanto, não basta demonstrar tão somente a realização de horas extras; o dano existencial indenizável poderá restar configurado naqueles casos em que haja continuidade e reiteração de tais práticas ao longo da contratualidade, sendo imprescindível evidenciar que aquelas jornadas de trabalho extenuantes, implicaram diretamente na supressão, limitação ou impedimento do trabalhador em realizar aquelas atividades de sua predileção ou livre escolha, fora do ambiente de da jornada de trabalho, naqueles que deveriam ser seus horários de folga, de descanso e lazer.

*Nivaldo Soares de Brito Júnior é sócio no escritório Nivaldo Brito Advocacia e Consultoria (https://www.instagram.com/nivaldobritoadvocacia/)