Michel Temer e Dilma Rousseff: Qual a relação deles com a recuperação judicial?

advogado renaldo limiroO exemplo da acuidade que precede os atos do Presidente da República, Michel Temer, defendendo os interesses do setor produtivo brasileiro no G-20, que se realiza em território chinês, deveria também ser observado por todos os operadores do direito quando se deparam com as questões intrincadas dentro das disposições comuns à recuperação judicial e à falência, especialmente nos quesitos da verificação e da habilitação de crédito, previstas na LFRE (Lei 11.101/05).

A questão ora sob estudos, ao contrário do denominado “estupro constitucional”, assim dito pelo site O Antagonista,  se referindo dessa forma à insatisfação da Associação Médica Brasileira explicitada via Mandado de Segurança sobre o fatiamento pelo Senado Federal, – leia-se também Supremo Tribunal Federal (ali estava o seu Presidente no comando da sessão)  -, do impeachment da ex-presidente Dilma Vana Rousseff, pode ter, sim, fatiada, a defesa de quem necessitar de apresentar ao administrador judicial a sua habilitação ou mesmo divergência quanto aos créditos relacionados num processo de recuperação judicial. Assim ocorre, se não acolhida pelo administrador judicial o pleito do requerente quanto à habilitação ou à divergência apresentada, surgindo,  por consequência, a possibilidade  de Impugnação a ser apresentada ao juiz da causa.

É que muitas dúvidas, não obstante a Lei de Falências e Recuperação de empresas  já estar vigorando há mais de 11 (onze anos), ainda persistem sobre como se proceder da forma correta, isto é, qual a forma determinada pela Lei para os corretos procedimentos para o que ela denomina de “Da Verificação e da Habilitação de créditos”. No meio jurídico encontram-se cotidianamente muitos equívocos dessa natureza, muitas vezes causando prejuízos à parte interessada, como a perda do prazo para a efetivação de tais medidas, ou mesmo o prejuízo pela sua não realização ou realização de forma diversa da prescrita na Lei. Daí, a falta da acuidade no exercício de tal mister, a exemplo de Michel Temer, no G-20.

Ora, protocolada a petição inicial da Recuperação Judicial, e, entendendo o juiz estar em termos a documentação que  a acompanha, defere o processamento da impetração e determina uma série de medidas, dentre as quais a nomeação do administrador judicial que tem a incumbência de publicar um resumo do pedido e da decisão que defere o processamento, bem como a relação nominal de todos os credores com a discriminação do valor atualizado e a classificação de cada crédito (esta fornecida pelo devedor/recuperando em sua inicial).

Nos próximos 15 dias, os credores deverão apresentar suas habilitações ou divergências junto ao administrador judicial, quanto aos créditos relacionados, que terá como parâmetros as documentações apresentadas pelo devedor e pelos credores, além dos documentos contábeis. É exatamente nessa fase que muitos equívocos ocorrem, pois muitas habilitações e mesmo divergências são apresentadas perante o juízo condutor do feito. Ele não é o órgão competente para conhecer e decidir, e normalmente manda desentranhar o requerimento e respectivos documentos, determinando seu envio ao Administador Judicial.  Quem tem o poder de dizer se uma habilitação ou mesmo divergência está correta ou não, é o  administrador judicial; é a chamada desjudicialização operada na Recuperação Judicial. Ora, no impeachment de Dilma Rousseff, o malsinado fatiamento ocasionou exatamente o contrário: a judicialização.

Procedida essa fase, o administrador judicial vai publicar o que se denomina de quadro geral de credores, cujos dados são extraídos dos mesmos elementos acima mencionados, oportunidade em que se abre aos legitimados (o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público),  o prazo de 10 dias para que façam, agora, junto ao juíz do feito, a Impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado. E tudo isso em autos apartados, com pagamento de custas processuais sobre o possível proveito econômico pretendido, com condenação em honorários advocatícios, pois, litigiosa a Impugnação.

Caso o credor não apresente o seu pleito ao administrador judicial nos 15 dias contados da primeira publicação, e, não atendido pelo mesmo, deixar de ajuizar a citada Impugnação no prazo dos 10 dias contados da segunda publicação, entende-se que precluiu o seu direito de discutir a ausência de qualquer crédito ou manifestar-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado. Muitos, todavia, tentam ainda discutir essa questão dentro dos próprios autos de recuperação judicial, não sendo, entretanto, o caminho correto, conforme reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça. No Recurso especial n. 1.163.143, de São Paulo, Terceira Turma, relator o ministro João Otávio de Noronha, j. em 11.2.2014, em brilhante voto, assim decidiu sobre a questão, conforme parte da Ementa abaixo transcrita:

“(…) Depreende-se, pois, dessas normas que são de natureza administrativa os atos procedimentais a cargo do administrador judicial que, compreendidos na elaboração da relação de credores e publicação de edital (art. 52, § 1º, ou 99, parágrafo único, da Lei n.11.101⁄2005), desenvolvem-se de acordo com as regras do art. 7º, §§ 1º e 2º, da referida lei e objetivam consolidar a verificação de créditos – apuração e classificação – a ser homologada pelo juízo da recuperação judicial ou falência. Vale destacar que o termo inicial do prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial habilitações ou divergências é a data de publicação do edital (art. 7º, § 1º, da Lei n. 11.101⁄2005). Com a publicação do edital prevista no art. 7º, § 2º, da lei em apreço, abrir-se-á o prazo de 10 (dez) dias para apresentação ao juiz de impugnação quanto ao crédito omitido, quanto à legitimidade do credores ou quanto aos créditos relacionados, quer sobre o valor, quer sobre a classificação atribuída.”

Os atos do Presidente Michel Temer junto ao G-20, ao que consta, obedecem a todos os princípios que regulam os acordos internacionais, cujos fins a serem alcançados se equiparam às normas da LFRE quanto à questão dos objetivos a serem alcançados quando da verificação e habilitação dos créditos. Mas, o fatiamento do impeachment da ex-presidente Dilma Vana Rousseff pelo Senado Federal sob o comando do Presidente do Supremo Tribunal Federal, também estaria em conformidade com as disposições da Constituição Federal e da Lei nº 1.079/1950?

*Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial de empresas. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. DelRey 2015; A Recuperação Judicial, a Nova Lei…AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD Academia Goiana de Direito. Mantém  o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br