Estado democrático de direito e estado policialesco: reflexões e desafios

Marcelo Bareato*

No Brasil, como em muitos Estados que se dizem democráticos, vivemos situações que fogem a perspectiva de estabilidade que se espera para uma sociedade em pleno desenvolvimento.

Desenvolvimento sim, porque seja como for, o passar de uma geração a outra, quebra determinados tabus, rompe barreiras e faz com que a mentalidade de outrora experimente realidades distintas. O que não se pode permitir, é que o sangue derramado entre as gerações para alcançar um mundo melhor, os estudos, as batalhas, sejam aniquiladas por ausência de conhecimento politico e descaso de alguns governantes para com seus súditos.

Assim, tratar do modelo de Estado escolhido em nossa Constituição e do que vem acontecendo na prática é, antes de mais nada, possibilitar àqueles que se colocam avessos a política, uma oportunidade de entender problemas recorrentes, para que não recebam tratamento de coisa comum em nossos dias.

Entender, por exemplo, como uma das principais vias de acesso ao Rio de Janeiro pode ser invadida por tiros de metralhadora, fazendo com que os cidadãos fiquem entrincheirados na coluna de concreto que separa as pistas é, ao mesmo tempo, falar das falhas do modelo de governo, mas indicar que, quando os governados não tem segurança jurídica para saber quais são os seus direitos e como será processado, julgado e condenado, caso descumpra com suas obrigações, propiciar que subgrupos assumam um poder paralelo.

Os fundamentos teóricos do Estado Democrático de Direito têm raízes que remontam à Grécia Antiga e ao pensamento de filósofos como Aristóteles e Platão. O conceito evoluiu ao longo da história, ganhando força principalmente na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial. Seus pilares fundamentais são a proteção dos direitos individuais, o respeito à legalidade e a divisão de poderes para a garantia da democracia.

As origens do conceito desse modelo de Estado remontam à Antiguidade, mas sua evolução ganhou destaque com o desenvolvimento do pensamento iluminista e as revoluções liberais. Destarte, a ideia de um Estado onde o poder emana do povo e é exercido de acordo com a lei submete-se a um processo de evolução constante, influenciado por acontecimentos históricos e transformações sociais ao longo dos séculos.

Não por menos, os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito incluem a soberania popular, a legalidade, a igualdade perante a lei, a separação de poderes, a proteção dos direitos humanos e o respeito à Constituição. A garantia da liberdade e da justiça para todos os cidadãos é a base sobre a qual o Estado Democrático se sustenta, assegurando a prevalência dos valores necessários a sobrevivência desse modelo de sociedade.

Assim, o Estado Democrático se caracteriza pela garantia dos direitos fundamentais, pela supremacia da Constituição e pela divisão e limitação dos poderes estatais. Além disso, é marcado pela participação popular na tomada de decisões políticas e pelo respeito à legalidade e à soberania popular.

Dentre as principais características apresentadas, especial destaque reside na separação de poderes e visa garantir o equilíbrio entre o Executivo, Legislativo e Judiciário. Essa separação existe para evitar a concentração excessiva de poder e assegurar a independência e autonomia de cada poder, evitando abusos e garantindo a proteção dos direitos individuais.

Dito de outra forma, no Estado Democrático de Direito, a legalidade e constitucionalidade são fundamentais para garantir a segurança jurídica e a proteção dos direitos dos cidadãos. Todas as ações estatais devem estar em conformidade com a Constituição e com a legislação vigente, garantindo assim a proteção dos direitos individuais e coletivos, o que se contrapõe ao Estado Policialesco.

A seu turno, o Estado Policialesco é caracterizado pela concentração excessiva de poder nas mãos do Estado, em detrimento dos direitos individuais e das garantias democráticas. Suas principais características incluem a supressão de liberdades civis, a censura à imprensa, a militarização das forças de segurança e a instauração de um clima de medo e repressão. Além disso, esse modelo de Estado tende a centralizar todas as atribuições e decisões no poder executivo, minando a autonomia do judiciário e do legislativo, e ignorando a legalidade e a constitucionalidade. É importante destacar que o controle da população é uma preocupação central para esse tipo de estado, que muitas vezes utiliza a força e a violência para impor suas vontades.

Assim, a contraposição entre o Estado Democrático de Direito e o Estado Policialesco é fundamental para compreender as diferenças essenciais entre esses modelos de Estado. Enquanto o Estado Democrático de Direito se baseia na garantia dos direitos fundamentais, na separação de poderes e na legalidade, o Estado Policialesco se caracteriza pelo autoritarismo, pela falta de respeito aos direitos individuais e pela concentração de poder nas mãos de poucos.

Nesta senda, a democracia e o Estado Democrático de Direito promovem a participação cidadã e a igualdade perante a lei, ao passo que o Estado Policialesco busca a subjugação da sociedade e a manutenção do poder de forma opressiva. Nesse sentido, a contraposição destes modelos evidencia a importância de proteger e fortalecer as instituições democráticas em prol da justiça e da liberdade.

Ao longo da história, vários exemplos de Estados Policialescos podem ser citados, como a Alemanha Nazista, a Rússia Soviética e o regime de ditadura militar no Brasil. No contexto contemporâneo, países como Coreia do Norte, Venezuela e China são frequentemente apontados como casos atuais de Estados Policialescos, devido à forte repressão estatal, ausência de liberdades individuais e perseguição de opositores políticos. Esses exemplos servem como alerta para os desafios e ameaças que um Estado Policialesco representa para a democracia e para os direitos fundamentais dos cidadãos.

Os impactos de um Estado Ditatorial na sociedade são significativos e alarmantes. A presença de um Estado voltado para a repressão e o controle social gera um clima de medo e desconfiança, minando a liberdade e a autonomia dos cidadãos. Além disso, a violação dos direitos individuais se torna uma realidade cotidiana, com a prática constante de abusos por parte das forças policiais e do próprio Estado.

A população sofre com a falta de garantias básicas, vendo-se subjugada a um poder opressor que atua de forma indiscriminada. As consequências psicológicas, sociais e econômicas desse cenário são devastadoras, afetando negativamente a qualidade de vida e o desenvolvimento da comunidade em diversos aspectos.

O contraponto entre os modelos expostos neste artigo indica que um dos desafios para a consolidação do Estado Democrático de Direito é a garantia da independência e imparcialidade do sistema judiciário, assegurando que as decisões sejam tomadas com base na legislação vigente e não influenciadas por interesses políticos ou econômicos. Além disso, a efetivação dos direitos fundamentais, como acesso à justiça, educação e saúde para toda a população, representa um desafio constante, exigindo políticas públicas e investimentos adequados.

A transparência e responsabilidade dos órgãos estatais, bem como a participação popular na tomada de decisões também se apresentam como desafios para a consolidação do Estado Democrático de Direito. Não por menos, a promoção de uma cultura de respeito aos direitos humanos e combate à corrupção são fundamentais para seu fortalecimento.

Diante dessa breve análise, é possível concluir que a construção e preservação do Estado Democrático de Direito é fundamental para garantir a proteção dos direitos individuais e a plena vigência da Constituição. No entanto, os desafios para a consolidação desse modelo de Estado são inúmeros, exigindo o comprometimento de toda a sociedade. É preciso reforçar a educação para a cidadania, fortalecer as instituições democráticas e promover o respeito às leis e à ordem constitucional. Além disso, as perspectivas futuras apontam para a necessidade de um constante exercício de vigilância e defesa dos princípios democráticos, diante do recrudescimento de movimentos autoritários em diversas partes do mundo. A criminalidade organizada, como sempre falamos, só entra onde o Estado não põe a mão. Mas, para que o Estado possa por a mão e ser respeitado, precisa, antes, garantir a dignidade da pessoas humana e seguir o ordenamento sem o uso de dilemas.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial, Direito Internacional Público, Relações Humanas, Criminologia e Execução Penal na PUC/GO e na EBPÓS – Escola Brasileira de Pós Graduação, Conferencista, Parecerista, Advogado Criminalista, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Vice Presidente da ABRACRIM/GO – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Seccional Goiás, Membro da Comissão de Direitos Humanos da Seccional OAB/GO, Membro da Coordenação de Política Penitenciária da OAB/Nacional, Membro do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura/GO, Coordenador da Comissão Intersetorial de Acompanhamento da Saúde no Sistema Prisional/GO, Membro do FOCCO – Fórum Permanente de Combate à Corrupção do Estado de Goiás, Membro da ABA – Associação Brasileira dos Advogados, Membro da AASP – Associação dos Advogados do Estado de São Paulo/SP, Membro do IBCcrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).