É, e não é que a advocacia criminal começa a se reerguer exatamente pela boca dos que se desfizeram dela?

*Marcelo Bareato

É isso meu Caro leitor!

Durante um bom tempo, que teve seu apogeu na “salvadora” operação Lava-Jato, época em que não era raro encontrar quem postasse que a advocacia criminal era composta por “bandidos da mesma categoria que os contratantes”, que éramos “o lixo da advocacia” e, por mais que disséssemos ou fizéssemos postagens mostrando os erros dos juízes e promotores da área criminal, motivados pelos abusos e absurdos que “os de Curitiba” faziam, a população de uma modo geral, aplaudia e dizia que os fins justificavam os meios, numa total demonstração de desconhecimento da lei e de seus direitos.

Entretanto, como tudo tem começo, meio e fim, precisava que o atual Governo, esse que se diz acima de qualquer suspeita, ascender ao poder e levar consigo “o paladino da justiça”, o mesmo sobre o qual falávamos na época que era extremamente político e oportunista, o juiz de Curitiba, para, em pouco tempo ver quem de fato era o magistrado. Magistrado, diga-se de passagem, que tentou acabar com o judiciário expondo o que ele mesmo havia provocado e se beneficiado durante anos, dizendo, muitas vezes, que o modelo brasileiro não era viável e deveríamos copiar o que se fazia no direito estadunidense (incompatível com o Estado Democrático adotado no Brasil, o qual é muito festejado em todo o mundo).

Não demorou muito e, por óbvio, caiu, tendo uma participação curta no Ministério da Justiça, proporcionando ao país uma espécie de delação premiada, a qual, apesar da exposição do Governo, deu forças ao encolhido judiciário, várias vezes atacado por ele, no esforço, como já dissemos, de implantar o direito norte americano no território brasileiro, o mesmo judiciário que foi chamado pelo atual Senador, filho do Presidente da República, a decidir de acordo com a lei e não com os modismos que a política do juiz de Curitiba havia criado.

Ato contínuo, temos: 1) “fake news”, 2) os juízes e procuradores da afamada “operação Lava-Jato” começaram a experimentar do próprio veneno, com seus erros e descaso com a lei expostos, numa total demonstração de desdenho para com o Direito e, via de consequência, com o processo e julgamento dos que foram alvo das várias operações que, resumidamente, se traduzem na Lava-Jato.

Ironia do destino, ou não, aqueles que se desfaziam dos advogados, impedindo que tivessem acesso aos autos, que se pronunciassem nas audiências ou simplesmente fizessem o seu trabalho, chamando-os, vez em sempre nas coletivas de imprensa e nos bastidores, de bandidos, começaram a carecer desses profissionais e a render homenagens à aplicação correta e necessária do direito e suas garantias, tão debatidos e exigidos por aqueles que lhes eram alvo de chacotas.

Rememoremos então, as quatro notícias abaixo:

1 – Flávio Bolsonaro:

“Flávio Bolsonaro pede ao STF arquivamento de ação do MP-RJ contra foro privilegiado nas rachadinhas”. Por meio de seus advogados, senador alega questões de ordem processual e reforça tese de direito à prerrogativa.

Matéria veiculada no CORREIO DO POVO, Porto Alegre, em 31 de agosto de 2020 – endereço eletrônico:

https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADtica/fl%C3%A1vio-bolsonaro-pede-ao-stf-arquivamento-de-a%C3%A7%C3%A3o-do-mp-rj-contra-foro-privilegiado-nas-rachadinhas-1.449735

2 – Deltan Dallagnol:

“O procurador da República Deltan Dallagnol pediu, nesta segunda-feira (10/8), que o Supremo Tribunal Federal suspenda dois processos movidos contra ele no Conselho Nacional do Ministério Público. O relator será o ministro Celso de Mello

“Deltan Dallagnol vai ao STF para suspender processos contra ele no CNMP”
Fernando Frazão/Agência Brasil

Os procedimentos administrativos disciplinares contra o chefe da “lava jato” em Curitiba foram apresentados pelos senadores Renan Calheiros e Kátia Abreu. O pedido que mais pressiona o procurador é o da senadora Kátia, que pede que Deltan seja afastado da autointitulada “lava jato”. Alegando interesse público, a senadora diz que manutenção de procurador no comando da força-tarefa coloca em risco trabalhos da operação, apontando casos em que Deltan usou cargo para promoção pessoal — por exemplo, dando palestras remuneradas. A senadora também menciona o acordo firmado com a Petrobras para que R$ 2,5 bilhões da estatal em tese recuperados pela “lava jato” fossem destinados a fundação gerida por procuradores.

Segundo reportagem da Veja, o PAD movido por Calheiros busca reconhecer a quebra de decoro do procurador ao fazer campanha contra o senador na disputa pela presidência da casa, em 2019. Os pedidos estão pautados para a próxima sessão do CNMP, no próximo dia 18.

O procurador é representado pelo ministro aposentado do Supremo, Francisco Rezek e o advogado Alexandre Vitorino. De acordo com o site O Antagonista, as defesas alegam que os processos no CNMP contêm acusações que já foram rejeitadas pela Corregedoria do MPF.

PET 9.067 Pedido de providências (Kátia Abreu) 1.00723/2019-53
Pedido de providências (Renan Calheiros) 1.00982/2019-48

Extraído do site CONSULTOR JURÍDICO, endereço eletrônico: https://www.conjur.com.br/2020-ago-10/dallagnol-stf-suspenda-processos-ele-cnmp

3 – Sérgio Moro e Witzel:

O ex-juiz da “lava jato” e ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, teve duas de suas sentenças revogadas nesta semana. Na última quarta-feira (26/8), o ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira, condenado por lavagem de dinheiro e associação criminosa dentro da autodenominada força-tarefa de Curitiba, foi absolvido das acusações em julgamento de recurso pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4).

Por unanimidade, os três juízes federais da 8ª Turma do Tribunal — João Gebran Neto, relator da “lava jato” na corte, foi seguida pelos outros dois julgadores, Leandro Paulsen e Carlos Thompson Flores — consideraram que não havia provas suficientes para condenar Ferreira. Ele chegou a ficar preso por pouco mais de seis meses entre junho de 2016 e fevereiro de 2017, alvo de uma das fases das ações do consórcio de Curitiba.

Na terça-feira (25/8), a 2ª Turma do STF anulou a condenação de um doleiro considerado culpado de envolvimento em um suposto esquema de fraude do antigo Banestado (Banco do Estado do Paraná), em processo que havia sido julgado pelo ex-juiz.

O STF acatou um recurso da defesa do doleiro Paulo Roberto Krug, que havia questionado o fato de Moro ter permitido a tomada de depoimentos referentes à delação de Alberto Youssef depois das alegações finais da defesa.

Por meio de rede social, o ex-magistrado comentou a sentença do STF. “Com o empate de 2 a 2 no STF, fica anulada minha sentença que condenou um doleiro no caso Banestado — um marco do combate ao crime. Respeito o resultado. Antes, a condenação havia sido confirmada por três instâncias”, declarou.

Outro destaque desta semana foi a decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, que determinou o afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, por suspeita de irregularidades cometidas na saúde. Constitucionalistas ouvidos pela ConJur afirmaram que a medida é antidemocrática e inconstitucional. A Corte Especial do STJ, no entanto, vai decidir na próxima quarta-feira (2/9) sobre o afastamento de Witzel.

Extraído do site CONSULTOR JURÍDICO, endereço eletrônico: https://www.conjur.com.br/2020-ago-29/anulacoes-sentencas-sergio-moro-foram-destaque

Tais citações são exemplos claros do que pode acontecer quando ignoramos a lei e permitimos que as decisões sejam movidas por interesses outros, que não a fiel obediência ao devido processo legal.

Sobre o tema, o renomado autor italiano, Piero Calamandrei, na obra Eles, os juízes vistos por um advogado; cuja introdução se deve a Paolo Barile e a tradução a Eduardo Brandão, em sua 2ª ed., São Paulo, Editora Martins Fontes, no ano de 2015, já se manifestava nos idos de 1935, 1938, 1954 e 1959, quando, em várias passagens escrevia:

Só onde os advogados são independentes, os juízes podem ser imparciais (1938).

(…)

Contudo, o perigo, novo, que hoje paira sobre os magistrados é a politização, ou, pior, sua partidarização, porque o magistrado que confunde sua cadeira com um palanque de comício, deixa de ser magistrado (1950).

(…)

Ouvir os clientes é ofício indubitavelmente mais duro para o advogado, que deve superar as dificuldades de caráter e de compreensão para que o “caso” do cliente se torne “seu” caso: “Quando o cliente vai embora, o mundo do advogado fica povoado por uma nova experiência, ou seja, por mais um pesar, mas também por mais uma razão para sentir-se afeiçoado à vida” (1959).

De toda sorte, o que não se pode olvidar é que a experiência, ainda que movida pela dor e sofrimento daqueles que tinham direito a um julgamento justo ou que sofreram condenações injustas motivadas pela moral dos que recebiam seus auxílios indevidos, ou ainda, que nunca entenderam que para ser juiz ou promotor na área criminal você tem, por obrigação, que gostar de gente, entender de política pública e do que acontece com os menos favorecidos, é que vai gerar o futuro.  Sobre esse futuro, é importante definir o rumo a ser tomado já que numa sociedade de condenações ilegais e de cumprimento de pena em masmorras, o horizonte não tende a ser melhor, a não ser que comecemos a fazer a nossa parte.

E é por essas e outras, sem qualquer intenção de generalização, que chamamos a sua atenção para observar que, na maioria das vezes, os crimes no Brasil nascem das oportunidades criadas pela não aplicação correta da lei (aos poderosos) e pelas inquietudes da classe explorada (sem recursos), fatores que tem por origem a tradicional politicagem rasteira empenhada na exploração daqueles que, se soubessem seus direitos e como exigi-los, jamais se permitiriam passar por essas mazelas.

Como sempre, e aqui fazendo referência ao nosso título, “há males que vêm pra bem”!

Nossa esperança, meu Caro e muito Estimado leitor, é que aprendamos que somente o conhecimento dos direitos e garantias fundamentais podem nos trazer a condição de cidadão e que os dilemas (julgamentos morais), só importam àqueles que manipulam e destroem a expectativa de Democracia.

Nesse contexto, a Democracia, que nesse país conseguimos a duras penas, tem, no devido processo legal e nos fiscais da cidadania, exercida com afinco pelos indestrutíveis advogados criminalistas, que só existem para fazer valer os seus direitos, o esteio de um futuro melhor, punindo quem tem que ser punido, mas temente à lei que obriga a todos e não apenas aqueles a quem convém.

Como sempre fazemos questão de frisar, não é a Constituição Federal ou as Leis Ordinárias que precisam ser combatidas, mas sim, a malversação e o desconhecimento delas que gera a aplicação oportunista e favorável aos dilemas.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público pele Estácio de Sá/RJ, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal da PUC/GO, Advogado Criminalista, Membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).