Coronavírus e seus impactos nos contratos entre empresas e o consumidor

*Mariana Lima Gonçalves e Ludymilla Damatta

A confirmação da pandemia do Coronavírus (Covid-19) pela OMS (Organização Mundial da Saúde), e a consequente emissão de decretos que visam a contenção da transmissão da doença pelo isolamento social, afetou substancialmente os comerciantes e prestadores de serviço.

É inconteste que a situação eleva a preocupação de todos, consumidores e empresários, tendo em vista que a expectativa para oferta de empregos é cada vez menor, e já se concebe uma piora considerável na situação financeira da população.

Diante da crise, muitos consumidores decidiram rescindir contratos referentes a compra de produtos e prestação de serviços anteriormente celebrados, cita-se como exemplo os cancelamentos de viagens, eventos, planos de academia, tratamentos em clínicas, salões de beleza, cursos livres, dentre tantos outros, o que com certeza traz grande insegurança as empresas.

Vale lembrar que, no que tange as rescisões relacionadas ao direito consumerista, o CDC estabelece vários benefícios ao consumidor, como a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, assim como sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (Art. 6º, V, CDC).

Até o presente momento, não houve a publicação de qualquer norma relativizando as obrigações dos fornecedores de produtos e serviços advindas da legislação que regula a matéria, mas é de extrema importância que as empresas prestem o devido atendimento aos princípios norteadores da relação de consumo, principalmente o princípio da informação.

Importante salientar que, nas eventuais rescisões contratuais solicitadas pelo consumidor, em consequências das normatizações relacionadas a contenção do COVID-19, o fornecedor deverá avaliar com cautela cada situação, sempre com o intuito de resolver a questão amigavelmente, com base no princípio de boa-fé objetiva e com vistas a minimizar as contingências decorrentes de tais cancelamentos.  Neste contexto, os Órgãos de Proteção ao Direito do Consumidor têm repassado várias orientações para a realização das referidas rescisões.

As escolas, cursos e faculdades devem seguir as regras do órgão competente (Ministério da Educação) e estão obrigadas a ministrar todo o conteúdo pedagógico definido pela legislação. Assim, o conteúdo e as aulas devem ser repostos ou ministrados por outro meio (online, por exemplo), sem que haja perda de qualidade.

Para os empresários que trabalham com festas e shows, a orientação é para que não haja aglomeração de pessoas, consequentemente, os eventos deverão ser cancelados durante a vigência dos decretos. Assim, a empresa tem o condão de ofertar sua prorrogação para uma data em que a situação já esteja normalizada. Caso essa não seja uma opção viável para o consumidor, ele pode pedir o reembolso dos valores, e a forma desse reembolso, poderá ser acordado entre as partes.

No que tange as academias de ginástica, as empresas podem suspender contratos por um prazo determinado e compensar o período quando a situação for normalizada, sem a imposição de nenhum custo (multa, por exemplo). Caso o consumidor não possa usufruir do serviço posteriormente, poderá pedir o cancelamento do contrato.

A mesma orientação serve para clínicas de estética que trabalham com pacotes fechados para tratamentos. Salienta-se que, mesmo que haja expressa previsão de cláusula rescisória, por se tratar de situação excepcional, cliente e empresa deverão compor acordo para cancelamento sem multas.

É de extrema importância que o empresário formalize todo e qualquer acordo realizado por escrito, ou pelo menos, guarde e-mails, mensagens, informações e orientações que repassar, confirmando a anuência do consumidor.

Dada a gravidade do momento, os institutos de caso fortuito ou força maior podem ser utilizados pelos fornecedores na exclusão de responsabilidade, em caso de inadimplemento de obrigações legais. Todavia, a situação também deverá ser analisada individualmente para que reste configurado, de forma inequívoca, que a ausência do pagamento se deu em decorrência das medidas de contenção do COVID-19, e que, cabe ao fornecedor, adotar medidas mitigadoras com vistas a minimizar os prejuízos do consumidor.

Cumpre informar que o vice-presidente do Senado, Antônio Anastasia (PSD-MG), protocolou em 30/03/2020 o PL 1.179, encabeçado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que suspende regras contratuais de direito privado durante a pandemia, de forma temporária.

No referido PL, foram abordados temas específicos ao direito consumerista, como a restrição de devolução de mercadorias compradas fora do estabelecimento comercial, após o prazo de 07 dias, em razão das dificuldades logísticas para a entrega. Ratifica-se que a regra é em caráter transitório, vigorando até dia 30/03/2020.

Ainda sobre o tema, o PL impede também alegações relacionadas ao COVID-19 para postergação de dívidas antigas, assim como restringe peremptoriamente o uso do Código de Defesa do Consumidor para relação entre empresas.

Fato é que, além de todas as demais preocupações que pairam no setor empresarial, ante a uma das maiores e mais imprevisíveis crises da história, seja com relação a folha de pagamento de funcionários, interferência no volume de vendas, estrutura do negócio, pagamento de tributos e encargos, o empresário se vê ainda, atingido pelas rescisões com seus clientes.

Questiona-se até quando os empresários irão conseguir arcar com todos estes custos sem exercer sua atividade empresarial?

“Em meio aos temores e incertezas da crise, é muito importante que o empresário utilize o momento para se atualizar, buscar ampla informação e planejamento. A criatividade do empresário também é de suma relevância para salvar o negócio, seja através de promoções, redes sociais para divulgação, assim como utilizando o serviço delivery. É a hora também em que a renegociação de tempo, produção, entrega, termo, pagamento, multa e juros deverá ocorrer, e com ela, o compartilhamento de prejuízos entre todas as partes. A Rede Goiana da Mulher Empreendedora tem a missão de ajudar o micro e pequeno empresário, especialmente a mulher empreendedora do Estado de Goiás, e neste momento, estamos trabalhando muito para uma integração entre a classe, com apoio mútuo!” ressalta a Fundadora e Presidente da Rede Goiana da Mulher Empreendedora, Ludmilla Damatta.

Com base nos princípios da Política Nacional das relações de Consumo, dada a excepcionalidade da situação e a proporção de sua abrangência, com o consequente desequilíbrio natural entre fornecedor e consumidor, o PROCON têm ressaltado que, neste momento de crise, a postura radical não é a recomendada!

A atuação de todos deverá ser em prol da compatibilização da proteção de consumidor, entretanto, tendo a ciência da necessidade da continuidade do desenvolvimento econômico, sempre com base na boa-fé objetiva, buscando harmonizar e equilibrar os interesses dos participantes das relações de consumo.

*Mariana Lima Gonçalves é advogada, sócia do Escritório Alencastro, Ferreira & Lima Advogados Associados; especialista em Direito Público e Empresarial, Secretária Geral da Comissão de Direito Empresarial da OAB/GO.

*Ludymilla Damatta é fundadora da Rede Goiana da Mulher Empreendedora.