A premente necessidade de não abandonarmos a boa-fé objetiva em tempos de crise

*Felipe Guimarães Abrão

Já vou iniciar este texto dizendo o seguinte: o artigo 4º, III do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê o Princípio da Boa-Fé Objetiva para toda e qualquer situação do mercado de consumo, não fazendo qualquer distinção de tempo e/ou espaço.

É dizer, de forma bem simples, que não é porque o mundo está vivendo uma das piores e mais temidas pandemias (a do novo coronavírus, tecnicamente chamado de Covid-19) que o Princípio da Boa-Fé Objetiva tem ou deve ser esquecido. Muitíssimo pelo contrário, é agora que sua bandeira deve ser levantada e, sobretudo, ovacionada. É agora, mais do que nunca, que o mercado de consumo precisa se respaldar nos ditames da boa-fé.

Nos dizeres da doutrina, “a boa-fé objetiva constitui um conjunto de padrões éticos de comportamento, aferíveis objetivamente, que devem ser seguidos pelas partes contratantes em todas as fases da existência da relação contratual, desde a sua criação, durante o período de cumprimento e, até mesmo, após a sua extinção” (Leonardo de Medeiros Garcia).

Ainda complementando, “a boa-fé objetiva, que é a que está presente no CDC, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agirem conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo” (Rizzatto Nunes).

Em síntese, o escopo da previsão da boa-fé objetiva na Lei Consumerista é justamente trazer às relações de consumo os pilares de lealdade e confiança entre as partes. Em outras palavras, significa que tanto os consumidores quanto os fornecedores devem agir segundo estes pilares da boa-fé objetiva. Não basta apenas um ou outro seguir estes pilares, sob pena de se abrir portas para uma série de problemas na relação.

Além disso, a boa-fé objetiva não é atrelada a tão somente uma ou outra fase da relação de consumo, mas a todas. Isto é, desde o primeiro contato entre os consumidores e os fornecedores até a fase pós-contratual devem ser observados os pilares de confiança e lealdade.

Em outros termos, é neste momento que o Brasil está passando, de paralisação de diversos negócios em razão da pandemia do coronavírus, que é necessária a utilização da boa-fé objetiva nas relações mercadológicas. Antes de apontar para quem tem razão ou não (se é que existe alguém com a razão), é melhor que os protagonistas do mercado conversem, interajam, cheguem a consensos.

A crise que está instaurada no nosso país em virtude do Covid-19 não pertence a um ou a outro, mas a praticamente a todos. Ou seja, todos (consumidores e fornecedores) estão passando por momentos delicados. É o famoso “não está fácil para ninguém”.

Enfim, fragilizar os pilares da confiança e lealdade nas relações do mercado de consumo só vai trazer mais e mais prejuízos entre as partes, sobretudo em nosso atual cenário, e só vai tornar mais difícil de se alcançar o que mais desejamos: a solução. Necessário é, portanto, que consumidores e fornecedores cheguem a consensos, mesmo que não sejam os mais interessantes a longo prazo, pois só assim para o mercado sobreviver a esse lamentável cenário de pandemia.

*Felipe Guimarães Abrão é advogado e consultor jurídico especialista em Direito do Consumidor e em Direito Imobiliário e é membro da equipe Rogério Leal & Advogados Associados.