Considerações processuais sobre a decisão do STJ que validou a cobrança da comissão de corretagem

advogados paulo sérgio e rayffInúmeras ações estavam com os seus andamentos suspensos pelo Superior Tribunal de Justiça até que esta Corte Superior decidisse, pelo rito dos recursos especiais repetitivos (art. 1.036, CPC), as seguintes matérias:

        -se seria válida a cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar comissão de corretagem e taxa de assessoria técnico-imobiliária (SATI). Os Recursos Especiais (REsp) selecionados a tanto foram os de n. 1.599.511-SP e n. 1.551.956-SP;

       -legitimidade passiva da incorporadora (promitente vendedora) para responder pela restituição da comissão de corretagem e da taxa de serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), sob o fundamento da abusividade da transferência desses encargos ao consumidor. REsp 1.551.951-SP e 1.551.968-SP;

    -da pretensão de restituição das parcelas pagas a título de comissão de corretagem e de assessoria imobiliária, sob o fundamento da abusividade da transferência desses encargos ao consumidor e validade da cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar comissão de corretagem e taxa de assessoria técnico-imobiliária (SATI). REsp 1.551.956-SP.

O julgamento ocorreu dia 24 de agosto de 2016, pela 2ª Seção do STJ, sob a relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, e pode ser dividido pelos temas julgados:

1. Legalidade da transferência ao consumidor da comissão de corretagem

Entendeu o Relator (Ministro Sanseverino) que “por se tratar de prática usual do mercado brasileiro” é válida a cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem de imóvel adquirido da incorporadora, o que “não causa prejuízo aos consumidores”, desde que seja informado da cobrança quando da assinatura do contrato.

Crítica à decisão

Causa estranheza o entendimento do STJ. Ora, é o incorporador (dono do negócio) que, com o interesse de vender os imóveis por ele construídos, contrata corretor para intermediação da venda. Ao ser repassado esse custo para o consumidor, acaba por ocorrer a denominada “venda casada”, eis que, além da venda do imóvel, é imposto ao adquirente a aquisição do serviço de terceiro (o corretor de imóveis) que o consumidor não contratou e não solicitou a intermediação, haja vista que normalmente a unidade do empreendimento é comprada no próprio local da obra, nos stands de venda instalados pela incorporadora.

Esse comportamento contraria o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que considera nula a obrigação que impõe ao consumidor os custos de obrigação do fornecedor (art. 51, XII) e proíbe a “venda casada” de um produto (imóvel) com outro (serviço de corretagem), conforme art. 39 do CDC.

      -Por sua vez, o contrato de corretagem é regulado pelo Código Civil, que estabelece, em seu art. 693, que “O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente.” (Grifamos). O comitente é aquele que contratou e incumbiu o corretor para a materialização da venda do empreendimento, isto é: o incorporador, o dono da obra, e não o consumidor!

Na sequência, o art. 727 do Código Civil atribui ao “dono do negócio” (no caso, o incorporador) a responsabilidade pelo pagamento da corretagem. Indevidamente paga pelo consumidor (que não era o dono do negócio), a este deveria ser devolvido o respectivo montante.

Não convence o entendimento do STJ em imputar aos consumidores a obrigação de pagar a comissão de terceira pessoa (corretor contratado pelo incorporador), especialmente sob a comparação que fez com o contrato de seguro.

Quando alguém deseja contratar seguro de um imóvel ou de um veículo, normalmente procura um corretor de sua confiança para indicar a seguradora que atenda a requisitos como melhor idoneidade ou melhor preço. Porém, se o consumidor se dirige diretamente à seguradora e ali mesmo realiza o seguro, não utiliza intermediário para a contratação. Logo, nada justifica a cobrança de comissão de corretagem apenas porque a seguradora teria deixado um corretor (por ela contratado) à sua porta para receber os interessados no seguro.

De igual forma deveria ter sido o entendimento do STJ: se o consumidor não contrata corretor para intermediar o negócio, jamais deveria ser ele o responsável pelo pagamento da comissão, mas sim quem contrata os serviços de corretagem, ou seja, o incorporador.

2. Ilegalidade da taxa de assessoria técnico-imobiliária

A inteligência que não foi adotada para a comissão de corretagem foi a aplicada à taxa de assessoria técnico-imobiliária (SATI), também cobrada pelo incorporador na venda de imóveis. Disse o Ministro Sanseverino que essa assessoria decorre de técnicos vinculados ao vendedor para a celebração do próprio contrato e que não é serviço autônomo como a corretagem, daí a sua ilegalidade e obrigação do incorporador devolver o valor da taxa SATI ao consumidor.

O fundamento para assim decidir é o mesmo do CDC, ou seja, ao consumidor não pode ser imposta obrigação de serviço que é da incumbência do vendedor. Se este contrata terceiro (grupo de pessoas para assessorá-lo na elaboração dos contratos), não pode imputar ao consumidor o respectivo ônus. Se contrata terceiro, o corretor de imóveis, para receber os consumidores em seus stands de vendas, de igual modo não poderia debitar do consumidor esse encargo!

3. Em relação à prescrição para reclamar a devolução da taxa SATI e da comissão

Finalmente, a última tese do recurso especial repetitivo analisada foi a da prescrição. Entendeu o STJ que a prescrição é a trienal, ou seja, o consumidor dispõe de três anos para propor ação para reclamar a devolução da taxa SATI, que eventualmente lhe tiver sido cobrada pelo incorporador.

O STJ aplicou o prazo prescricional de três anos previsto do Código Civil, sob o entendimento de que há enriquecimento sem causa do incorporador ao receber do consumidor valores para cobrir despesas de terceiros (contratados pelo incorporador) para a elaboração dos próprios contratos de venda de imóveis.

Aplicou, então, o Código Civil, cujo artigo 206, § 3º:

Art. 206. Prescreve: § 3º Em três anos: IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

A discussão teve sentido em ser levantada. É que o CDC estabelece o prazo prescricional de cinco anos, em seu artigo 27, para a pretensão de reparação de danos causados “por fato do produto ou do serviço”, iniciando o prazo do conhecimento do dano.

Como é conhecido no meio jurídico, o fato do produto decorre de dano que extrapola ao defeito do próprio bem, como quando ocorre um acidente (e danos) por falha de fabricação no sistema de freios de um veículo ou quando se consome um alimento contaminado, que vem a causar intoxicação alimentar.

    Fato do serviço, do mesmo modo, é aquele que também extravasa do serviço prestado e causa danos ao consumidor, como, por exemplo, a aplicação de tinta capilar com conteúdo que provoca a queda dos cabelos, o injusto atraso das companhias aéreas, impedindo que o consumidor embarque no horário programado e perca seus compromissos, em causação de danos materiais e até morais.

Como o pagamento indevido da taxa SATI não decorre de fato do produto e nem do serviço, o prazo prescricional adotado pelo STJ foi realmente o do Código Civil (três anos), e não do CDC (cinco anos).

Impacto da decisão do STJ

Exceto a ilegalidade reconhecida pela indevida cobrança da taxa SATI e o reconhecimento do prazo prescricional, não há coerência no julgado do STJ quanto ao repasse dos encargos do corretor de imóveis ao consumidor, já que esse profissional é contratado normalmente pelo incorporador e somente ele é quem deve arcar com os ônus, não o consumidor.

Todavia, como o entendimento do STJ foi firmado em recurso especial repetitivo representativo da controvérsia, as consequências serão, para casos em que forem discutidas judicialmente as mesmas questões:

   -a concessão liminar da tutela de evidência e independentemente de perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo (art. 311, II, CPC). Exemplo: se o consumidor pretender a condenação de um incorporador à devolução da taxa SATI, com a alegação de que a prescrição somente ocorre em três anos, deve o magistrado conceder-lhe a tutela de evidência e obrigar o incorporador, antes mesmo de ordenar a sua citação, a devolver-lhe a taxa indevidamente paga;

        -a improcedência liminar do pedido do consumidor, caso requeira a condenação do incorporador à devolução da comissão de corretagem, ainda que não a tenha contratado para adquirir o imóvel (art. 332, II, CPC), o que freará substancialmente as ações contra as incorporadoras com tal pedido;

       – a dispensa da caução para o cumprimento provisório de sentença que condenar o incorporador à restituição da taxa SATI (art. 521, IV, CPC). Interessante, pois, em havendo a concessão liminar da tutela de evidência, não poderá ser exigido do autor da ação qualquer bem móvel, imóvel ou caução fidejussória como garantia para o devedor, resguardado, em todo caso, o direito do incorporador à reparação de danos, em caso de reversão do julgado executado provisoriamente (art. 520, I e II, CPC);

-a obrigação de todos os juízes e tribunais adotarem o mesmo entendimento quanto: a) à obrigação do consumidor em arcar com a comissão de corretagem; b) ao prazo prescricional de três anos para reclamar o ressarcimento da taxa SATI; c) à obrigação do incorporador quanto à devolução da taxa SATI (art. 927, III, CPC), o que implica dizer que as ações que vierem a ser ajuizadas ou que estejam em andamento deverão ser todas julgadas em conformidade com o entendimento do STJ;

a obrigação do Relator de negar provimento, por decisão monocrática, a recurso que contrarie as teses já firmadas no mencionado recurso especial repetitivo, (art. 932, IV, “b”, CPC).

Encerradas, portanto, as discussões sobre os temas tratados. Consumidores que pagaram ou vierem a pagar pela comissão de corretagem na aquisição de imóveis, ainda que o corretor seja contratado pelo próprio incorporador (vendedor dos imóveis), não tem mais qualquer direito em ser ressarcido da referida comissão, ressalvado o direito de ressarcimento da taxa SATI, no prazo prescricional de três anos.

*Paulo Sérgio Pereira da Silva é professor na Escola Superior de Advocacia e advogado, sócio-proprietário da banca jurídica Machado & Pereira Advogados Associados S/S

*Rayff Machado de Freitas Matos é professora executiva na Fundação Getúlio Vargas e advogada, sócia-proprietária da banca jurídica Machado & Pereira Advogados Associados S/S