Como os consórcios públicos podem contribuir no drama da saúde nos pequenos municípios brasileiros?

*Brunna Frota Silva

A prestação de um serviço de saúde de qualidade é ponto sensível no Brasil, sendo quase impossível não se ter um dia de noticiário local sem que sejam apresentadas filas enormes nos postos de saúde, falta de medicamentos, equipe médica insuficiente, demora ou ausência de atendimento. Mas fato é que a pandemia da Covid-19 evidenciou drasticamente aquilo que já estava à beira de um colapso.

Neste cenário, pretende-se aqui abordar a problemática analisando a ótica da Administração, como gestora da coisa pública, e os efeitos de suas decisões (ou ausência delas) na prestação de serviços públicos essenciais, tal como a saúde.

O Brasil conta atualmente com 5.570 municípios[1], de modo que, por evidente, cada um vive sua própria realidade populacional, econômica e administrativa. Neste contexto, é de se ver que, conforme pesquisa divulgada pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro – Firjan, ao final do ano de 2019, uma em cada três cidades brasileiras não possuíam arrecadação para bancar sua própria estrutura administrativa[2].

Consectário disso, é o uso de recursos de transferências, que deveriam ser investidos para a qualidade de vida de sua população, direcionados unicamente para bancar os gastos da máquina pública (prefeitura, câmara de vereadores, salários de servidores…).

E os reflexos dessa situação são inúmeros. No âmbito da saúde se mostra na ausência de preparo e estrutura para procedimentos básicos, fazendo com que sua população se desloque para os grandes centros, o que em um efeito cascata, comprometerá e sobrecarregará a rotina de atendimentos desses locais.

Exemplo disso se vê em Campo Grande/MT, onde pacientes do interior representam 20% dos atendimentos em saúde da Capital. [3] Durante a pandemia, não foram raros os casos de infectados que se deslocaram para diferentes regiões metropolitanas em busca de hospitais com, no mínimo, respiradores hábeis. Dados da imprensa local, apontam que no Ceará cerca de 1,9 mil pacientes com Covid foram transferidos de seus municípios para buscar assistência na Capital do Estado.[4]

Diante disso, a alternativa mais racional é que se estruture os municípios para que consigam atender a demanda de saúde de seus moradores. Todavia, essa necessária estruturação se esbarra na escassez de recursos mínimos de subsistência dessas regiões.

Neste cenário, destaca-se o outro viés da problemática.

Em meados de agosto de 2020, dezenove municípios do Estado de Goiás receberam respiradores para tratamento de pessoas com coronavírus, no entanto, alguns desses equipamentos sequer foram instalados, seja por falta de demanda de pacientes, seja por falta de estrutura necessária para o funcionamento. Isso porque o respirador, apesar de fundamental, também necessita de outros complementos, tais como monitores, bombas de infusão, paramédicos, tornando-se inviáveis para determinadas localidades.

Em contraponto, ainda no Estado de Goiás, houve situação em que determinado Município arcou com aluguéis de respiradores, por ao menos seis meses, ao custo total de R$ 145 mil, haja vista a alta procura de sua população[5].

Percebe-se, portanto, que cabe ao gestor público, a todo momento, equilibrar e racionalizar os custos compatíveis com a demanda de sua população. De modo a evitar o prejuízo pelo excesso desarrazoado como também a penalização pela falta do mínimo.

E justamente neste cenário é que a formação de consórcios públicos intermunicipais se mostra como uma importante ferramenta de implementação das mais variadas políticas públicas.

Apenas rememorando, os consórcios públicos visam a colaboração de entes federativos, a fim de que, juntos, consigam atingir interesses públicos em comum. Assim, muitas vezes, o serviço que uma pessoa jurídica pública não pode ou tem dificuldades para executar sozinha, torna-se possível ou mais eficiente mediante a conjugação de esforços.[6] É o caso, por exemplo, de municípios que se unem para a construção de um hospital que irá beneficiar a população de ambas localidades.

Aliás, neste aspecto, a legislação correlata, quais sejam, a Lei nº8.142/90 que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS); e, a Lei nº 8.080 que dispõe sobre a promoção da saúde, estabelecem a possibilidade de os Municípios constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam.

Desse modo, pode se notar como uma das vantagens desta cooperação, o compartilhamento de custos entre os municípios e uma prestação regionalizada e hierarquizada de serviços.

Como abordagem prática, além das já vislumbradas neste texto, veja-se que um aparelho de ressonância magnética, por exemplo, pode atender dezenas de pacientes. No entanto, certamente, um município pequeno possui baixa procura desse procedimento, o que fará com que seu gestor opte por não o adquirir.

Neste aspecto, além de proporcionar o acesso a equipamentos de ponta, a cooperação intermunicipal pode ainda negociar melhores preços, possibilitando a compra compartilhada de medicamentos e investir em tecnologia avançada, o que seria inviável na realidade de um único município.

No Brasil existem inúmeros casos bem-sucedidos de gestão compartilhada de serviços de saúde. A Fundação Estatal da Saúde da Família (FESF-SUS), instituída em 2009 conta com a participação de 69 municípios do Estado da Bahia. O Consórcio Intermunicipal de Saúde da Baixada Fluminense – CISBAF, formado em fevereiro de 2000, representa a união de 11 municípios da região e abrange uma população de 3,7 milhões de habitantes.

Nada obstante, por mais benéfico que possa evidenciar, o consórcio público pressupõe a autonomia de vontade dos partícipes, implicando a sua participação espontânea no ajuste, sendo, portanto, ilegal qualquer imposição ao gestor neste sentido. Assim, por vezes, sua implementação se esbarrará em entraves político-partidários que dificultam a aproximação e o acordo entre municípios vizinhos, aliada à despreocupação dos gestores em adotar planos continuados de longo prazo, (leia-se, que ultrapassem os seus respectivos mandatos). Um eterno jogo de interesses que precisa constantemente ser dosado para atingir o verdadeiro interesse social.

*Brunna Frota Silva é advogada; Especialista em Direito Público; Membro da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB/GO; Assessora jurídica no Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Goiás – Detran/GO.

[1] IBGE. Diário Oficial da União nº 94, de 19 de maio de 2020

[2] Pesquisa disponível em:< https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/10/um-em-cada-tres-municipios-nao-gera-riqueza-para-bancar-gasto-da-maquina.shtml.> .

[3] Disponível em :< https://correiodoestado.com.br/cidades/pacientes-do-interior-sao-20-dos-atendimentos-em-saude-da-capital/334167>.

[4] Disponível em:< https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/metro/19-mil-pacientes-com-covid-foram-transferidos-do-interior-a-capital-1.3008898>.

[5] Disponível em: < https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2020/08/05/goias-tem-cidades-com-respiradores-ociosos-e-outras-em-que-aparelho-esta-em-falta.ghtml>.

[6] DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Parcerias da Administração Pública. 12ª ed. Forense.