Hierarquia das normas

*Euripedes Clementino Ribeiro Junior

Hans Kelsen, jurista e filósofo austríaco, considerado no ocidente, especialmente nos países europeus e latino-americanos, como um dos mais influentes estudiosos do Direito. Ele desenvolveu a teoria pura do direito, observando que uma norma está fundamentada na outra hierarquicamente superior, retratada nos manuais de direito com uma pirâmide, que apoiada em seu vértice, têm-se a Constituição Federal, depois a Lei, a sentença e atos de execução.

A referida pirâmide contextualiza que existem normas jurídicas fundadas (inferiores) que devem respeitar o que está disposto nas normas jurídicas fundantes (superiores). Obviamente, com a evolução dos tempos, alguns estudiosos arriscam uma inserção ou outra na representação piramidal de Kelsen, só não se arriscam a inverter a ordem de importância hierárquica entre as normas, pois vai de encontro com a estrutura da sistemática de todo o sistema jurídico processual.

Todos que iniciam a graduação no curso de Direito, logo no primeiro semestre, estudam uma matéria basilar denominada Introdução ao Estudo do Direito (IED), oportunidade em que devem aprender que a hierarquia das normas em um Estado Democrático de Direito deve ser respeitada, não cabendo nenhum tipo de relativização nesse sentido.

Sabe-se que a Lei 7.210/1994 (Lei de Execução Penal), in casu, é um ato eminentemente legislativo, enquanto que as portarias publicadas pela DGAP (Diretoria Geral de Administração Penitenciária) nada mais são do que um ato emanado pelo poder administrativo, razão pela qual não deve se sobrepor à norma Lei de Execução Penal.

Há muito, a advocacia especialmente na seara criminal, tem sido assolada com a publicação de Portarias que atropelam leis ordinárias, principalmente a Lei de Execução Penal, de caráter federativo, diga-se de passagem. No tocante a hierarquia das normas, as leis federais não podem ser contrariadas por nenhuma portaria, posto que esta tem valor inferior às leis e até mesmo aos Decretos-lei.

Flagrantes excessos emanados de Portarias da Administração Penitenciária têm prejudicado sobremaneira direitos assegurados aos presos, às famílias e até mesmo aos advogados. O rol previsto no artigo 50 da Lei de Execução Penal, por exemplo, que trata das faltas graves no campo da pena privativa de liberdade, deve ser considerado como taxativo, ou seja, qualquer Portaria ou Resolução que criam novas faltas graves por certo afrontam o princípio constitucional da legalidade, corolário da essência do Estado Democrático de Direito.

Nessa linha de raciocínio decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “As faltas leves e médias poderão ser especificadas pela legislação local, a elas se aplica a exigência de anterior regulamento administrativo, já quanto à criação de hipótese de cometimento de falta grave, imprescindível seja precedida de lei, e não de mera resolução, como ocorre no caso em apreço, mormente em razão dos graves reflexos que surtirá na expiação da pena corporal” (HC476.596-3/7, 1ª C. rel. Péricles Piza, 13/06/2005, v.u.JUBI109/05).

Algumas autoridades administrativas que gerenciam o sistema prisional têm publicado Portarias no sentido de vedar por prazo superior a 30 dias o direito de visita. Ora, um dos direitos entregues aos sentenciados previstos taxativamente na Lei de Execução Penal é o de visita em dias específicos (art. 41, X, LEP). Por certo, o referido direito pode ser restringido quando se tratar de ato motivado pelo diretor do presídio, porém a suspensão ou restrição não pode superar 30 dias (art. 58,LEP).

Não é raro nos depararmos com excrecências enxertadas em Portarias por meio de diretores de estabelecimentos prisionais suspendendo o direito de visita ao preso por prazo indeterminado sob a justificativa de que o mesmo incorreu em falta grave. Não há dúvidas que a falta grave (ingressar no presidio com aparelho celular, drogas, por exemplo) praticada pelo preso mostra-se uma ocorrência muito séria, fazendo jus à punição; ocorre que nenhuma pena pode ter caráter de perpetuidade (art.75, CP), razão pela qual mostra-se ilógico o fato de uma sanção disciplinar ter caráter perpétuo ou definitivo.

Os ocupantes de cargos da administração pública, em especial da administração penitenciária, devem se acautelar no sentido de a todo tempo evitar a publicação de atos que afrontem a hierarquia das normas no ordenamento jurídico, para que direitos fundamentais da pessoa não sejam violados.

*Euripedes Clementino Ribeiro Junior é advogado; mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento (PUC-GO); especialista em Direito Penal (UFG-GO); docente efetivo na PUC-GO.