A possibilidade de suspensão da convivência familiar em tempos de Covid-19

*Josivânia R. Cavalcante de Paula

Em meados de março de 2020, a sociedade foi surpreendida pela pandemia da Covid-19 e a necessidade de se adequar a nova realidade vivenciada, principalmente no que tange à convivência familiar entre filhos e pais.

Sabe-se que é direito da criança e do genitor, que não possui a guarda, manter a convivência, conforme estabelece o artigo 1589 do Código Civil:

“Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.”

No entanto, com o advento da pandemia da Covid-19 e em razão do estado de alerta mundial, nos deparamos com inúmeros pedidos de guarda unilateral perpetrados no judiciário. Por essa razão, muito se questionou quanto ao risco de contaminação e disseminação do vírus bem como acerca das medidas protetivas a serem estabelecidas em prol da criança e do adolescente quanto ao convívio e interação entre pais e filhos.

Em que pese a necessidade de se verificar caso a caso, ainda que diante da pandemia, a recomendação é de que a convivência familiar permaneça da forma inicialmente estabelecida de comum acordo dos genitores ou judicialmente, desde que não prejudique a saúde dos filhos e da coletividade, a fim de garantir o melhor interesse da criança e do adolescente.

Nesse sentido, em 25 de março de 2020, o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) emitiu documento com “Recomendações para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia da Covid- 19”, dispondo de orientações acerca da convivência familiar:

“18. Recomenda-se que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência – previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente.”

Ou seja, apenas quando houver risco à criança e da coletividade que o cerca, é que se deve radicalizar e impedir o contato presencial, não havendo razão para estabelecer, como regra, a suspensão do período de convivência entre os pais.

Ainda, caso haja risco comprovado da contaminação por negligência de um dos genitores ou ainda em decorrência de sua profissão, caberá ao judiciário determinar a suspensão e/ou a modificação da convivência inicialmente fixada, a fim de manter a proteção à criança e familiares que com ela habitem.

Ora, a suspensão da convivência familiar entre a criança e seu genitor pode acarretar graves consequências emocionais a criança, devendo os vínculos parentais serem mantidos e alimentados de forma presencial e não apenas utilizando-se da tecnologia.

Ademais, tendo em vista que não há previsão para o término da pandemia e que a vivenciamos há mais de um ano, é impossível manter a criança afastada de seu genitor e sem o convívio por um longo período.

Logo, não há que se falar em suspensão automática da convivência familiar entre filhos e pais que não possuem a guarda em decorrência da Covid-19, pois entende-se que a manutenção da rotina da criança sempre será a melhor recomendação, para que não haja danos além daqueles já trazidos pela pandemia, salvo melhor juízo.

No mesmo sentido, ainda é possível a adoção de medidas intermediárias, de modo a impedir a privação do contato da criança com os pais, como por exemplo a adoção do regime de férias escolares, digo, prolongando os períodos de convivência e evitando os deslocamentos, visando minimizar o dano à criança ou adolescente e evitando a ocorrência de alienação parental.

Todavia, caso ocorra as circunstâncias excepcionais e seja decretada a suspensão temporária do contato físico, se faz necessário o contato virtual através de ligações telefônicas ou plataformas que permitam videochamadas tais como WhatsApp, Zoom, dentre outros, e ainda do bom-senso dos pais a fim de preservar o bem-estar da criança.

Conclui-se, portanto, que o judiciário deverá analisar cada caso concreto e buscar a melhor solução para assegurar o melhor interesse da criança e do adolescente, ainda que estejamos em momento pandêmico e com recomendação de isolamento social.

*Josivânia R. Cavalcante de Paula é advogada na DASA Advogados