A pesquisa de preços nas contratações públicas

*Ariston Araújo

Neste artigo quero falar um pouco sobre a pesquisa de preços nas contratações públicas, assunto que é de suma relevância para quem atua nesta área do Direito Administrativo (e também para a lisura das contratações).

Antigamente a pesquisa de preços era mais conhecida como “orçamento”, porque, em geral, o Mapa de Preços que estabelece o valor médio do bem ou do serviço para a licitação era composto basicamente por orçamentos fornecidos por empresas do ramo. Mas, como tudo na vida, as coisas evoluíram e pode-se até mesmo prescindir-se dos orçamentos fornecidos pelas empresas e hoje há até que quem designe “Cesta de Preços”.

Apesar de a questão não ser muito clara na Lei 8.666/1993, convencionou-se, à época, que os órgãos deveriam compor o Mapa com pelo menos 3 orçamentos válidos, conforme decisão do TCU neste sentido. Mas, com o tempo, esta fórmula se mostrou insuficiente para atender as necessidades da Administração, até porque, como os empresários faziam (a ainda fazem) um favor em fornecer um orçamento, às vezes cotam os preços bem acima dos valores de mercado, para, pura e simplesmente, elevar o valor médio estimado e, assim, ganhar a licitação, de preferência com valores que atendam melhor seus interesses comerciais.

Releva notar que o Governo Federal, por meio das famosas Instruções Normativas (IN), foi quem regulamentou melhor e atempadamente a questão da pesquisa de preços. Mas, como é óbvio, suas normas internas abrangem tão-somente os órgãos integrantes da Administração Pública Federal, não alcançando os demais entes federativos. Depois de muitas INs, atualmente encontram-se em vigor a IN nº 73, de 05 de agosto de 2020, que regulamentou a matéria para os casos de utilização da Lei nº 8.666/1993 nas contratações (o que somente será possível até 31.03.2023, em face do disposto no art. 191 da nova lei de licitações e contratos públicos, Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, já que o referido artigo permitiu à Administração optar entre as duas leis em suas contratações, até a efetiva revogação da antiga lei, após dois anos de vigência da nova lei). E, para quando se optar pela regência da lei 14.133, a União aprovou a Instrução Normativa SEGES/ME nº 65, de 07 de julho de 2021.

Esta última IN consolidou toda a experiência anterior e, definitivamente, acabou com a prevalência dos orçamentos na formação do valor médio estimado da licitação, pois, em seu art. 5º, estabeleceu os parâmetros que devem ser utilizados para a pesquisa de preços, podendo o gestor utilizar-se de Painel ou Banco de Preços, contratações similares feitas pela Administração Pública, dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência aprovada pelo Poder Executivo Federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, pesquisa direta com no mínimo três fornecedores e pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas. E estes parâmetros podem ser empregados de forma combinada ou não. Assim, é perfeitamente possível compor o Mapa de Preços sem que haja pesquisa direta com os fornecedores, o antigo e famigerado orçamento.

No que tange ao Estado de Goiás, até a data de 07.07.2021, a questão era regulada pelo art. 88-A da Lei Estadual nº 17.928, de 27 de dezembro de 2012, que dispõe sobre normas suplementares de licitações e contratos pertinentes a obras, compras e serviços, bem como convênios, outros ajustes e demais atos administrativos negociais no âmbito do Estado de Goiás. Dizia tal artigo, verbis:

  “Art. 88-A. A estimativa de preços no procedimento licitatório será realizada mediante a utilização dos seguintes parâmetros:

I – Portal de Compras Governamentais de Goiás; –

II – preço constante de banco de preços públicos, contratado pelo Estado de Goiás;

III – preço registrado no Estado;

IV – preços de Atas de Registro de Preços de outros entes;

V – preço de tabela de referência de órgãos públicos vigente; –

VI – contratações similares de outros entes públicos, em execução ou concluídos nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores à data da pesquisa de preços;

VII – pesquisa junto a fornecedores.

  • 1º No caso de utilização dos parâmetros estabelecidos nos incisos I, II e V deste artigo, fica dispensada a pesquisa quanto aos demais.
  • 2º No caso de utilização dos demais parâmetros, é recomendada a realização de pesquisa com vistas a 3 (três) preços ou fornecedores.
  • 3º O resultado da estimativa de preços será a média dos preços obtidos.
  • 4º Para obtenção do resultado da pesquisa de preços, não poderão ser considerados os inexequíveis ou excessivamente elevados.
  • 5º Excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, será admitida a pesquisa com menos de 3 (três) preços ou fornecedores.”

Trata-se de cópia mal feita de norma do governo federal, a começar por tratar a pesquisa de preços como “estimativa de preços”. Além disto, a redação é muito confusa (vide os §§ 1º e 2º), e não permitiu que se usasse a mediana para se chegar ao valor estimado (apenas a média aritmética simples, o que nem sempre é o mais adequado). No entanto, em 07.07.2021, a Lei Complementar nº 164 deu nova redação ao artigo 88-A, que ficou assim redigida:

“Art. 88-A. A estimativa de preços no procedimento licitatório deverá ser pautada em pesquisa de preços atuais de mercado e será realizada mediante a utilização de parâmetros a serem definidos em regulamento próprio a ser expedido pelo chefe do Poder ou Órgão autônomo, observando-se o quantitativo a ser adquirido e as peculiaridades do local de execução do objeto.”

Ou seja, remeteu a regulamentação para cada chefe de Poder, o que induz que os poderes Legislativo e Judiciário, além da Defensoria Pública, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, devem aprovar sua própria regulamentação da matéria. O Poder Executivo já baixou o Decreto nº 9.900, de 07 de julho de 2021, dispondo sobre o tema. Tal Decreto segue a mesma linha da IN 65/ 2021, do Governo Federal, podendo-se dizer sem medo de errar que representou um grande avanço em relação ao art. 88-A da Lei 17.928/2012, com a redação antiga, acima transcrita. Inclusive estabeleceu regras específicas para a pesquisa de preços nas dispensas e inexigibilidades, o que não acontecia na norma anterior, que se referia ao “procedimento licitatório”, o que, a meu juízo, excluía as contratações diretas.

 O art. 6º do Decreto 9.900/21 estabeleceu os parâmetros que a pesquisa de preços deve utilizar, repetindo praticamente os mesmos adotados pela IN 65, acima mencionados. Inclusive tratou (art. 7º), da pesquisa no processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia, o que não aconteceu na norma federal, porque tratam do assunto em outro dispositivo legal.

É importante dizer também que o Decreto 9.900 dedicou um capítulo (Capítulo IV, art. 11) a respeito do parâmetro de utilização das notas fiscais eletrônicas estaduais visando a obtenção de preços para a respectiva pesquisa. Penso tratar-se de uma inovação bastante interessante, pois a fonte, além de ser um documento oficial, espelha o valor final da contratação, aquele que já é praticado pela Administração Pública, o que, em tese, não contém sobrepreço.

            Falando em sobrepreço, citado Decreto, na esteira da Lei 14.133/2021, definiu expressamente o que é esta figura, no inciso III, do art. 3º, da seguinte forma:

                           “Art. 3º Para o disposto neste Decreto, considera-se:

                           (…)

III – sobrepreço: preço orçado para a licitação ou contratado em valor expressivamente superior aos preços referenciais de mercado, seja de apenas 1 (um) item, se a licitação ou a contratação for por preços unitários de serviço, seja do valor global do objeto, se a licitação ou a contratação for por tarefa, por empreitada por preço global ou por empreitada integral, semi-integrada ou integrada;”

Note-se que o Decreto adotou a mesma redação (na íntegra) da Lei 14.133 (art. 6º, LVI). No entanto, tal norma estadual quedou-se silente a respeito da figura do “superfaturamento”, ao contrário da lei federal que, em seu mesmo art. 6º, inciso LVII, o define como o dano provocado ao patrimônio da Administração, caracterizado, entre outras situações, por medições superiores às efetivamente executadas, deficiência na execução de obras e serviços de engenharia que resultem em diminuição de sua qualidade, alterações no orçamento de obras e de serviços de engenharia que causem desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor do contratado e outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual com custos adicionais para a Administração ou reajuste irregular de preços.

 Para resumir, dá-se o sobrepreço quando se tem um valor estimado da licitação e/ou contratado acima do valor de mercado e o superfaturamento ocorre quando este valor é efetivamente pago pela Administração Pública.

Achei importante falar do sobrepreço e do superfaturamento, pois o principal instrumento para evitá-los ou mitigá-los é a pesquisa de preços. Por isso que uma pesquisa de preços bem-feita, utilizando-se de vários parâmetros, é fundamental para a lisura da contratação, que, como se sabe, deve se balizar pelos preços praticados no mercado, regra esta já presente na longínqua lei 8.666, de 1993 (veja-se, a propósito, o § 6º do 15, que dá legitimidade a qualquer cidadão para impugnar sobrepreço).

Na minha avaliação, a primeira coisa que os setores responsáveis pela pesquisa de preços nos órgãos públicos devem fazer é verificar o valor de fato daquele bem ou serviço que é demandado para aquisição/contratação. Feita esta pequena ação, ter-se-á um parâmetro razoável para balizar o resultado final da pesquisa de preços, evitando-se assim o sobrepreço/superfaturamento e, de consequência, os problemas deles advindos, sobretudo no que tange às ações de improbidade administrativa e, também, na esfera penal.

Na Lei 14.133, a questão da pesquisa de preços é tratada nos artigos 23 e 24. No 23, caput, reforça que o valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de banco de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto. No § 1º, estabelece os parâmetros que devem ser adotados para se chegar ao valor estimado da licitação, mas refere-se à edição de regulamento para complementar o texto legal. Acho importante citar expressamente tais dispositivos:

“Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.

  • 1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não:

I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);

II – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;

III – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e hora de acesso;

IV – pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;

V – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.”

E, com relação aos municípios, que não são abrangidos pela Lei Estadual nº 17.928/2012 (e, claro, muito menos pelo Decreto Estadual nº 9.900/2021), como fica a situação? Bom, os municípios podem ter sua legislação própria sobre o assunto, desde que não modiquem ou firam as normas gerais estabelecidas na Lei 14.133, que são de competência exclusiva da União. Minha sugestão neste sentido é que os municípios procurem regulamentar não somente a questão da pesquisa de preços mas também tudo aquilo que lhes são permitidos, no contexto da lei federal, podendo editar leis ou decretos, conforme o caso. Isto é muito importante porque, a partir de abril de 2023, não será mais possível utilizar-se da Lei 8.666/1993 em suas contratações, devendo, de consequência, valerem-se da Lei 14.133, obrigatoriamente, e, como é sabido, esta lei necessita de mais de 50 pontos que merecem regulamentação. Não é despiciendo dizer que as modalidades de licitação “convite” e “tomada de preços” foram suprimidas da nova lei e, portanto, a partir de abril de 2023 não poderão ser mais utilizadas. Pelo menos aqui no Estado de Goiás sabe-se que os municípios utilizam bastante o convite em suas contratações.

Portanto, para concluir, resta dizer que a pesquisa de preços feita exclusivamente com orçamento de fornecedores está com seus dias contados e, de acordo com o inciso II, do art. 7º, da Lei 14.133/2021, a Administração Pública deverá qualificar os servidores que tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos, dentro da nova dinâmica da “gestão por competências” de que trata o caput do referido artigo. Assim, não há mais tempo a perder, deve o poder público preparar-se adequadamente para a efetiva implantação da nova lei de licitações e contratos públicos e, neste contexto, a figura da pesquisa de preços possui uma grande relevância.

PS: Sugiro que leiam os seguintes documentos relativos à pesquisa de preços:

  1. Manual de Orientação – Pesquisa de Preços – 4ª Edição – Agosto de 2021, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já atualizada com a Lei 14.133/2021, acessível no seguinte link:

https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/MOP/article/view/11587/11711

  1. Caderno de Orientação aos Agentes da Administração – Pesquisa de Preços – Junho de 2021, do Ministério da Defesa, acessível no seguinte link:

http://www.sef.eb.mil.br/images/cadernos_de_orientacao/Caderno_de_Orienta%C3%A7%C3%A3o_3-1_Pesquisa_de_Pre%C3%A7os.pdf

*Ariston Araújo é advogado especializado em licitações e contratações públicas