A justa causa decorrente do abandono de emprego

*Gabriel Passos

Uma situação totalmente inesperada para qualquer gestor, certamente é o caso do abandono do emprego por algum de seus colaboradores. Quando o funcionário não aparece para trabalhar, e segue ausente com o passar dos dias e não justifica tais ausências, começam a surgir questionamentos. O que é possível fazer? Quanto tempo devo esperar para tomar alguma atitude? O que diz a legislação? A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em seu artigo 482, i, aborda a questão bem superficialmente.

O abandono de emprego é falta considerada grave, uma vez que a prestação de serviço é elemento básico do contrato de trabalho. Portanto, a falta contínua e sem motivo justificado, é fator determinante de descumprimento da obrigação contratual.

Assim, a lei trabalhista informa que o gestor poderá dispensar o colaborador que abandona o emprego conforme dispõe o artigo 482 da CLT na modalidade de justa causa, que reduz sensivelmente as verbas rescisórias do empregado. Todavia, a legislação não trata de prazos e condições para que o abandono de emprego seja considerado válido.

Atualmente, a jurisprudência majoritária adota como regra geral a ausência do colaborador por mais de 30 dias consecutivos, em conformidade com a Súmula nº 32 TST:

ABANDONO DE EMPREGO (nova redação) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.

Destaca-se que tal regra não trata de número de faltas, mas sim de ausências consecutivas. Isto é, a título de exemplo, o abando de emprego não será aplicado se o funcionário faltar 30 (trinta) dias ao longo do ano, mas, sim, apenas se tais faltas forem consecutivas.

Teoricamente, o empregador poderá antecipar o prazo supracitado, desde que identifique circunstâncias muito claras quanto à motivação do funcionário em abandonar o emprego. Contudo, essa não é uma prática recomendada, especialmente porque caberá à empresa provar a intenção do funcionário de não mais retornar ao trabalho, como previsto no artigo 818 da CLT.

É bem verdade que a obrigação de provar a justa causa, mesmo após os 30 dias de ausência, ainda existirá. Todavia, dessa forma o empregador melhor se resguardará para evitar contestações.

A motivação do funcionário é especialmente importante, pois a sua ausência intencional, ainda que prolongada, pode vir a ser plenamente justificada posteriormente. Ele pode estar hospitalizado e sem contato no período, como também pode ter sido preso (sem que se entre no mérito da sua culpabilidade), apenas para citar dois exemplos.

Em tempo, conforme visto anteriormente, o entendimento majoritário é que o abandono de emprego depende de faltas contínuas por 30 dias com o propósito claro de não mais retomar as atividades. Assim, como a empresa deve proceder?

Antigamente as empresas faziam a publicação de um anúncio em jornal de boa circulação, solicitando que o funcionário se apresentasse, sob pena de caracterização do abandono de emprego e posterior rompimento do vínculo. Todavia, entendemos que essa não é a forma adequada de comunicação, uma vez que é impossível provar que ela tenha chegado ao conhecimento do empregado.

O ideal é que esta publicação seja utilizada nos casos em que o funcionário não foi localizado após três tentativas de praxe dos correios para entrega de carta registrada, que é a opção mais segura para a empresa. Nesse cenário, o anúncio é utilizado porque o colaborador se encontra em local incerto e não sabido.

Assim, para que o empregador consiga comprovar com exatidão a validade da justa causa mediante abandono de emprego, sugere-se os seguintes passos a seguir apresentados:

– Decorridos 15 dias de ausência não justificada, o empregado deve ser notificado a se apresentar em no máximo 48 horas. Caso o empregado não compareça à empresa, no 25º dia envie uma segunda notificação para que se apresente à empresa em no máximo 48 horas.

– Decorridos 30 dias de ausência, o empregado deve ser notificado a se apresentar à empresa, sob pena de ser dispensado com justa causa nos termos do artigo 482, “i” da CLT, na modalidade “abandono de emprego”.

As notificações supracitadas devem ser enviadas por carta registada com Aviso de Recebimento (AR), informando prazo para manifestação. Ato contínuo, o empregador deverá registrar o caso na ficha ou livro de registro de empregados.

Em tempo, com o avanço da tecnologia e com a facilidade do WhatsApp, abre-se a possibilidade de notificação pelo aplicativo de mensagens. Contudo, a função “Lido em” tem de estar habilitada, para se comprovar que o colaborador realmente leu a mensagem. De igual modo, é prudente que seja realizada Ata Notarial em cartório dos prints da notificação mediante WhatsApp.

Na hipótese de o empregado reaparecer antes ou depois da notificação, ao menos quatro situações serão possíveis.

– Se as faltas no período forem legalmente justificadas, a empresa não pode sequer descontar seu salário e não pode dispensá-lo por justa causa.

– Se o funcionário retornar e alegar circunstâncias excepcionais para a falta, ainda que não legalmente justificadas, também a empresa não pode se valer da justa causa

– Se o empregado retornar sem justificar faltas, pode o empregador, além dos devidos descontos, aplicar alguma medida disciplinar, como advertência e suspensão (por desídia – art. 482, “e”, da CLT), mas novamente não pode recorrer à justa causa

– Se ele retornar sem justificar faltas, mas manifestar seu interesse em não mais seguir na empresa e pedir demissão, terá como direitos rescisórios apenas o saldo de salário, décimo terceiro salário proporcional aos meses que trabalho, as férias vencidas, as proporcionais e 1/3 do valor das férias, calculado sobre as parcelas vencidas e/ou proporcionais (caso haja).

Contudo se cumprido o prazo concedido na notificação, e não havendo manifestação, deve se proceder com a rescisão do contrato de trabalho, sob as regras da dispensa por justa causa. Por fim, o gestor deverá enviar o aviso de rescisão ao funcionário, também por carta registrada com AR.

O que fica claro é que a justa causa depende da confirmação do abandono de emprego, o que não se materializa se o funcionário retornar ao trabalho, ainda que após ser notificado.

Na hipótese do abandono de emprego se confirmar e a rescisão do contrato de trabalho ser realizada, a empresa deverá realizar todos os procedimentos normais rescisórios.

Como trata-se de uma dispensa por justa causa, o empregado ausente não fará jus ao aviso prévio, décimo terceiro salário, ao valor relativo à multa de 40% do FGTS, não poderá ainda sacar o FGTS e não terá direito ao recebimento do seguro-desemprego.

Conforme visto acima, uma vez que não há aviso prévio neste tipo de rescisão de contrato, o empregador tem o prazo de 10 (dez) dias da data da notificação da dispensa  para o pagamento das verbas rescisórias.

O empregado não comparecendo no prazo, o empregador deverá propor uma ação de consignação em pagamento na Justiça do Trabalho, realizando o depósito judicial da rescisão do contrato de trabalho.

Tal procedimento se deve no sentido do empregador se resguardar da multa pelo atraso do pagamento das verbas rescisórias previstas no art. 477, § 8º da CLT.

Caso o empregado se apresente para receber as verbas rescisórias, em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS deverá apenas ser dado baixa, sem se fazer qualquer menção ao motivo do seu desligamento da empresa.

*Gabriel Passos é advogado especialista em Direito do Trabalho