A importância do termo de consentimento informado nas relações médico-paciente

*Rotieh Machado Carvalho

A relação entre médico e paciente é pautada na confiança e tem como princípio fundamental o dever de informação, mais precisamente, na obrigação de o médico prestar ao enfermo, ou a quem o represente, todas as informações possíveis para que esse exerça o seu direito de escolha pelo tratamento ou até mesmo qualquer intervenção cirúrgica, decidindo assim o seu próprio destino.

O conjunto de normas brasileiro trata o dever de informação como um direito básico do cidadão. Está resguardado, inicialmente, pela Constituição Federal, no inciso XIV de seu artigo 5º, que diz: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.” Do ponto de vista infraconstitucional, a Lei nº 8.080/90, de 19 de setembro de 1990, ao tratar dos direitos relacionados à saúde, dispõe no inciso V de seu artigo 7º, que as pessoas assistidas têm o direito à informação sobre a sua saúde.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC),[1] diante da inexistência de legislação específica sobre o consentimento informado é, no ordenamento jurídico brasileiro, o instrumento que vem sendo utilizado para regulamentar o dever de informação. Isso porque, na condição de um conjunto de normas que visam a “proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social” (CDC, Art. 1º), oferece aparato suficiente. Além disso, é o CDC que disciplina as relações e as responsabilidades entre o fornecedor e o consumidor final, estabelecendo padrões de conduta, prazos e penalidades.

O capítulo dedicado aos direitos básicos do consumidor especifica os itens de direito de informação, aqui aplicáveis em virtude de a atividade disponibilizada pelo profissional de saúde, apesar de diferenciada e especial, ser legalmente classificada como um serviço. São direitos do consumidor: “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (CDC, Art. 6º, inciso III); a noção de riscos é complementada pelos artigos 8º e 9º. Em outras palavras, neste inciso o CDC está tratando do dever de informação da parte do prestador de serviços.

Ao falar em dever de informação, é quase automática a associação com a expressão consentimento informado, sinalizada no capítulo 5 do Código de Ética Médica (cf. Res. CFM nº 1931/2009) que trata da relação do médico com pacientes e familiares; e dessa compreensão surge o Termo de Consentimento Informado, ou seja, um documento de suma importância aos pacientes e médicos, pois ali estará transcrita toda a informação que foi repassada, compreendida e consentida pelo paciente para, inclusive, excluir sua antijuridicidade.

O Código de Ética Médica diz que o dever de informação é dispensável nos casos de urgência, onde o paciente precisa de intervenção imediata (Art. 31); nos demais casos, o enfermo deve ser informado de todos os riscos cirúrgicos ou de qualquer tratamento (Art. 27, § Único; Art. 31), pois cabe a ele decidir sobre a sua saúde e avaliar o risco (Art. 88).

A resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), nº 1.081/82, anterior ao Código de Ética Médica mencionado, já determinava, sobre o consentimento do paciente, que “O Médico deve solicitar a seu paciente o consentimento para as provas necessárias ao diagnóstico e terapêutica a que este será submetido.” (Art. 1º) Isso se faz, como já indicado, através do Termo de Consentimento Informado que deve ser redigido de forma clara, objetiva e precisa.

Exemplo da necessidade desse cuidado encontra-se em decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em desfavor de um médico por falta de clareza no Termo de Consentimento Informado, conforme pode ser observado no REsp de n. 1.540.580, abaixo:

Haverá efetivo cumprimento do dever de informação quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso do paciente, não se mostrando suficiente a informação genérica. Da mesma forma, para validar a informação prestada, não pode o consentimento do paciente ser genérico (blanket consent), necessitando ser claramente individualizado. O dever de informar é dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva e sua simples inobservância caracteriza inadimplemento contratual, fonte de responsabilidade civil per se. A indenização, nesses casos, é devida pela privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação, por lhe ter sido retirada a oportunidade de ponderar os riscos e vantagens de determinado tratamento, que, ao final, lhe causou danos, que poderiam não ter sido causados, caso não fosse realizado o procedimento, por opção do paciente. O ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de informar e obter o consentimento informado do paciente é do médico ou do hospital, orientado pelo princípio da colaboração processual, em que cada parte deve contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe possam ser exigidos. A responsabilidade subjetiva do médico (CDC, art. 14, §4º) não exclui a possibilidade de inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, devendo o profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações técnicas aplicáveis. Precedentes. Inexistente legislação específica para regulamentar o dever de informação, é o Código de Defesa do Consumidor o diploma que desempenha essa função, tornando bastante rigorosos os deveres de informar com clareza, lealdade e exatidão (art. 6º, III, art. 8º, art. 9º). Recurso especial provido, para reconhecer o dano extrapatrimonial causado pelo inadimplemento do dever de informação.

Como se vê, o Termo de Consentimento Informado é muito importante ao médico, assim como o é ao paciente, pois comprova que aquele passou todas as informações a este, para a sua necessária resposta. Contudo, não basta ao médico fornecer informações ao paciente; é preciso que sejam claras, objetivas e precisas. No dizer do Código de Ética Médica, é vedado ao médico não dar informações compreensíveis ao paciente, ou seja, “deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão” (Art. 88), princípio admitido anteriormente quando o Código afirma que o prontuário deve ser legível (Art. 87).

Sendo assim, o documento deve ser escrito em linguagem que o paciente entenda, pois uma linguagem acessível facilita sua compreensão ajudando-o na tomada de decisão; isso significa que não deve ser escrito em linguagem médica, inacessível ao seu paciente que, regra geral, não é da área. De fato, a informação clara, objetiva e precisa é fundamental para a saudável relação entre pacientes e a classe médica, seja no âmbito do tratamento ou das disputas judiciais, como visto acima.

Enfim em face das possíveis divergências entre as expectativas do paciente e a viabilidade técnica dos tratamentos e dos procedimentos médicos, bem como suas limitações, é de suma importância que o profissional esteja resguardado. Lidar com vidas exige muitos desafios e os médicos podem, e devem, se valer de instrumentos jurídicos de forma preventiva, garantindo ainda mais confiabilidade na relação com os pacientes.

*Rotieh Machado Carvalho é advogado inscrito na OAB/GO sob o nº 46.162 é sócio no escritório Jacó Coelho Advogados Associados com atuação nas áreas de direito securitário e médico. MBA em Seguro e Resseguro pela Escola Superior Nacional de Seguros e Pós-Graduando em Direito Médico pelo IPOG/Goiânia. E-mail: rotieh.machado@jacocoelho.com.br.

REFERÊNCIAS

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (ogs.). Responsabilidade civil: direito fundamental à saúde: atividades de prestação de serviços médicos e de saúde, serviços médicos, sérvios hospitalares, risco, meio ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. V. 5 (Doutrinas essenciais). p. 507-541.

BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor (1990). Código de proteção e defesa do consumidor e legislação correlata. 5a ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496457/000970346.pdf?sequence=1>. Acesso em: 11 out. 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo Resp nº 1540580/DF Ministro Relator Luis Felipe Salomão DJE 04/09/2018.  Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, 2019. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=87116219&num_registro=201501551749&data=20180904&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 29 out. 2019.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n. 1081, de 12 de março de 1982 Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1982/1081_1982.htm>. Acesso em: Acesso em: 29 out. 2019.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. [Código de Ética Médica]. Resolução n. 1931/2009. Aprova o Código de Ética Médica. Disponível no site do Conselho Federal de Medicina, em: <http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp>. Acesso em: 06 nov. 2019.

DANTAS, Eduardo. Direito Médico. 4. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2019. 416 p.

[1] O CDC foi criado em 11 de setembro de 1990 pela Lei n. 8.078/1990.