A governança na nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021)

*Ariston Araújo

Muito tem se falado sobre a questão da governança na nova lei de licitações, a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Na realidade, trata-se de uma das inovações da norma que vai substituir a antiga Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que alguns autores já apelidaram de “The Walking Dead” pelo fato de ainda continuar em vigor, mas tem data prevista de morte em 31.03.2023, pois a nova lei permitiu que a Administração Pública pudesse optar por utilizar uma das duas leis por um período de dois anos.

Mas, o que é governança? Desde 2017, com a edição do Decreto Federal nº 9.203, de 22.11.2017, governança foi definida “como um conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade”. O Governo Federal chegou a editar, em 2018, o “Guia da Política de Governança Pública”1, visando aprofundar o tema no âmbito da Administração Pública Federal. E, em 19 de julho de 2021, foi aprovada a Portaria SEGES/ME nº 8.678, que dispôs sobre a governança nas contratações públicas no âmbito do Governo Federal, tendo como base a nova lei de licitações. Neste dispositivo, a definição de governança já sofreu algumas alterações vis-à-vis daquela contida no Decreto 9.203/2017, de acordo com inciso III do art. 2º:

“Art. 2º Para os efeitos do disposto nesta Portaria, considera-se:

(…)

III – governança das contratações públicas: conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das contratações públicas, visando a agregar valor ao negócio do órgão ou entidade, e contribuir para o alcance de seus objetivos, com riscos aceitáveis;”

Na Lei 14.133/2021, a questão da governança é tratada no parágrafo único do art. 11, desta forma:

“Art. 11 O processo licitatório tem por objetivos:

(…)

Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.” (grifei)

Observe-se que a implantação da governança nas contratações públicas não é uma faculdade da alta administração, pois a lei utilizou o verbo “dever” em vez de “poder”, conforme sublinhado acima. Essa é a opinião, inclusive, do ilustre professor Jacoby Fernandes, que, em live feita para a Consultoria Elo, defende com muita veemência seu ponto de vista2. (recomendo fortemente a todos que vejam o vídeo). Bom, se é cogente, não há outra opção aos gestores públicos senão implantarem o instituto da governança em suas administrações, inclusive como condição para a utilização da Lei 14.133 em suas contratações, que será obrigatória a partir de abril de 2023, com a revogação total da 8.666.

Mas, voltando ao parágrafo único do art. 11, tem-se que a alta administração deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, o que inclui a adoção da gestão por competências que trata o art. 7º da nova lei, cujo caput diz o seguinte:

“Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:”

Isto implica em dizer que a Administração Pública não poderá mais designar servidores para atuar nas áreas ligadas à contratação pública sem que estejam devidamente qualificados para o exercício das funções, consoante expressamente prevê o inciso II do art. 7º.

Como se vê, a lei não deixou outra opção ao gestor público senão implantar a governança em suas contratações públicas, daí a importância de se começar de imediato a regulamentação dos dispositivos que tratam da governança, como já fez o governo federal, até porque faltam apenas 5 meses para que todos tenham que, obrigatoriamente, utilizar a Lei 14.133 em toda sua plenitude.

A Portaria SEGES/ME nº 8.678/2021 assim definiu quais são os instrumentos de governança nas contratações públicas do governo federal:

“Art. 6º São instrumentos de governança nas contratações públicas, dentre outros:

I – Plano Diretor de Logística Sustentável – PLS;

II – Plano de Contratações Anual;

III –  Política de gestão de estoques;

IV – Política de compras compartilhadas;

V – Gestão por competências;

VI – Política de interação com o mercado;

VII – Gestão de riscos e controle preventivo;

VIII – Diretrizes para a gestão dos contratos; e

IX – Definição de estrutura da área de contratações públicas.

Parágrafo único. Os instrumentos de governança de que trata este artigo devem estar alinhados entre si.”

É claro que esta regulamentação vale somente para os órgãos da União, não se aplicando aos Estados e Municípios, que podem (e devem) aprovar seus próprios regulamentos, observando-se as peculiaridades e realidades de cada ente federado. No Estado de Goiás, em particular, ainda não houve tal regulamentação.

Há que se dizer, também, por fim, que a estrutura de governança faz parte da primeira linha de defesa visando o controle das contratações, de que trata o inciso I do art. 169 da Lei 14.133.

Como conclusão, pode se afirmar, sem medo de errar, que a governança pública veio para ficar no que tange às contratações públicas, juntamente com outras inovações contidas na Lei 14.133, e é dever da alta administração de cada órgão (ou Poder) cuidar para que ela seja efetivamente incorporada às novas práticas que devem permear a plena utilização da nova lei, a partir de abril do ano vidouro.

*Ariston Araújo é advogado especializado em Licitações e Contratações Públicas.

NOTAS:

  • Documento que pode ser acessado no seguinte link:

https://www.gov.br/casacivil/pt-br/centrais-de-conteudo/downloads/guia-da-politica-de-governanca-publica#:~:text=O%20Decreto%20n%C2%BA%209.203%2C%20de,de%20servi%C3%A7os%20de%20interesse%20da

  • Acessível no seguinte link no You Tube:

https://www.youtube.com/watch?v=qD-gMRkHHZY&t=1365s