Direito indisponível?

Essa coluna trata rotineiramente de direitos. E direitos entendidos como posições jurídicas intersubjetivas relacionais.

Explica-se: se João tem assegurado direito à propriedade pela Constituição de seu país, isso não significa que o Estado garantirá a João ou a seus pares propriedades, ainda que ele não a tenha. Significa sim, que, tendo propriedade, há um direito cuja gênese incide sobre aquele bem.

Em outras palavras, a propriedade de João será garantida contra terceiros, inclusive contra o esbulho ou turbação do próprio Estado.

João, portanto, titular de um bem, tem um direito decorrente deste bem, mas incidente contra terceiros. Daí relacional e  intersubjetivo.

Seria um contrassenso impensável que o direito de propriedade de João protegesse sua propriedade inclusive contra atos de disposição do próprio titular do bem.

Não seria admissível que João, querendo alienar, doar ou dispor de seu bem não pudesse fazê-lo. Admitir isso seria aceitar que um direito gera um ônus para o próprio titular do direito.

Se, todavia, a indagação sobre a possibilidade de disposição de um direito for dirigida de outra maneira muito certamente a resposta seria outra: o direito a incolumidade física é disponível?

A maioria, todavia, dirá de pronto que não. Que a integridade física é direito indisponível. A resposta quase automatizada e massificada por ensinamentos doutrinários repetidos desafia, todavia, um olhar constitucional e racional, porque não.

Se estivermos tratando desta questão no Brasil de hoje, não há na Constituição da República nenhum, repito, nenhum direito indisponível.

Racionalmente posso garantir com exemplos que a integridade física, assim como a vida, são também disponíveis pelos seus titulares.

O que faz alguém quando ingressa em um studio de tatuagem senão dispor de sua integridade física em benefício do tatuador?

O que fa alguém quando não aceita se submeter a determinado tratamento médico que lhe garantiria a vida senão dispor ou, no mínimo, colocar em risco sua vida?

Isso demonstra que, em direito, os dogmas rotineiramente repetidos não passa de dogmas.

Que fundamental mesmo é pensar nas questões que a vida cotidiana nos apresenta sob a lente da Constituição e das leis.

E assim, teremos garantidos vários direitos, inclusive o direito geral à liberdade e a dignidade que nada mais é que a autonomia para fazer dos direitos o que bem entender.