Relações de trabalho no metaverso, interação digital possível ou universo sem lei?

Na coluna de hoje, Fernando Abdelaziz escreve sobre as relações de trabalho no metaverso. No texto, que tem como coautora a colega Suellem Ribeiro Alves, ele questiona se é possível a interação digital ou universo sem lei.

Fernando Abdelaziz é acharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás, especializando em Direito Digital pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, MBA Gestão de Projetos pela Universidade de São Paulo, Certificação PDPF (Privacy and Data Protection Foundation) EXIN. Já Suellem Ribeiro Alves é advogada, pós-graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil.

Leia a íntegra do texto:

Fernando Abdelaziz e Suellem Ribeiro Alves

O metaverso será um espaço virtual onde o mundo físico se encontra com o mundo digital. Neste novo mundo virtual, não mais teremos apenas experiências através de telas, estaremos de certo modo, dentro dela. Ele será um espaço em que as pessoas possuirão representações digitais através de avatares ou hologramas que poderão não só interagir entre sí, mas principalmente sentir.

Não se trata de fazer uma videochamada ou jogar online, o metaverso será um mundo onde as pessoas poderão viver e ficarem próximas virtualmente. Nele, dentre inúmeras outras possibilidades, será possível comprar casas, interagir com a família e amigos, ir a shows, fazer compras, ir a festas e, principalmente, trabalhar.

Ainda que seja um assunto relativamente novo, mas com o objetivo de aqui contextualizar a força desta inovação tecnológica chamada metaverso, no início deste mês uma empresa de Nova Iorque, Republic Realm, anunciou um acordo de U$ 4,3 milhões para comprar terrenos digitais no The Sandbox, um dos vários sites de “mundo virtual” onde as pessoas podem se socializar, jogar ou ir a shows, isso significa que “terras digitais” adquiridas em plataformas de realidade virtual estão se tornando ativos imobiliários da vida real.

Essa possibilidade de criar versões totalmente digitais em várias frentes anteriormente vivenciadas apenas de forma presencial, pode ter sido parte do impulso e visibilidade do assunto metaverso.

Em que pese ainda não haver tantas experiências práticas e aprofundadas relacionadas ao metaverso, que sejam capazes de proporcionar apontamentos mais assertivos sobre as inúmeras consequências que essa transformação tecnológica trará, certo é que a revolução das relações de trabalho é uma das grandes promessas dessa transformação. Especificamente porque o metaverso promete proporcionar uma imersão através da facilidade de uma conexão diferente com o mundo e com as pessoas, em qualquer que seja o ambiente.

Esse é um futuro não tão distante de hoje, ainda mais se levarmos em consideração os altos investimentos realizados não só pelas grandes empresas de tecnologia, mas também por grandes empresas de outros ramos. Neste sentido, tem-se que o Direito não poderá ficar à margem dessa evolução, porquanto inúmeros serão os novos desafios jurídicos que deverão surgir dentro deste contexto.

Em relações de trabalho formadas ou vivenciadas no metaverso, desde já se questiona qual será a métrica de aplicação das normas e leis do nosso ordenamento jurídico utilizadas diante das problemáticas que intrinsicamente surgirão, afinal, estamos diante de uma nova modalidade que mescla o Direito Digital e outros ramos do Direito.

Para contextualizarmos parte da transformação que será trazida pelo metaverso, podemos lembrar das diversas mudanças vivenciadas durante a pandemia, que já foi capaz de potencializar condições e trazer novas possibilidades de trabalho, seja através de contratações de mão de obra para prestação de serviço à distância, trabalho híbrido, teletrabalho, reuniões telepresenciais, audiências e despachos virtuais, porém mesmo diante dessas mudanças, ainda há limitações de interação.

Tais limitações, de certo modo, serão eliminadas dentro do metaverso, justamente por existir a possibilidade de sair da condição de mero expectador atrás da tela e passar a fazer parte de um ambiente detalhado, senão convincente, criado com objetivos diferentes.

Estamos diante de uma nova realidade de trabalho que aproximará a todos, sendo completamente possível quebrar a barreira espaço-tempo, isso porque, mesmo podendo estar distantes fisicamente, empregados e empregadores estarão virtualmente em um mesmo “local”, com isso novos problemas, novas discussões e um mundo de adaptações deverá surgir. Uma nova sistemática de trabalho está por vir e com ela surgirá uma nova relação de trabalho.

Vislumbra-se para um futuro próximo, ambientes empresariais virtuais coletivos, o uso de óculos de realidade virtual fazendo parte do dia a dia, a rotina virtual vivida de uma forma completamente diferente da que estamos inseridos.

Se o futuro é o metaverso, seria possível enxergarmos uma interação digital juridicamente possível, ou seria precipitado tentarmos adiantar os possíveis desdobramentos que podem surgir com esta nova “modalidade de trabalho”?

O Meta, antigo Facebook, possui uma plataforma ainda em fase de testes, nesta plataforma que se chama Workrooms, funcionários vestem um óculos de realidade virtual e se veem transportados para uma sala de conferências também virtual, cada pessoa é representada por um avatar e pode interagir com computadores, projetores e uns com os outros.

Diante deste cenário virtual, não se sabe como seria a interação e as consequências diante de negócios entabulados em um mundo virtual, ou como seria a relação empregado e empregador que eventualmente vão passar a se relacionar apenas virtualmente. Outro ponto seria com relação a privacidade do empregado, até onde estariam dispostos a ter que abrir mão de parte da proteção dos seus dados e da sua privacidade para se manter em uma relação empregatícia predominantemente virtual?

As possibilidades a nossa frente são inúmeras, vislumbra-se o metaverso como um otimizador de tempo e produção com potencial de garantir, a depender do seguimento, uma considerável diminuição em acidentes de trabalho, uma possível diminuição em ações cujo objeto seja o assédio sexual, seria, ainda, o metaverso, uma possibilidade diferente de manter o controle da jornada de trabalho, com uma possível mitigação de problemas atualmente enfrentados, mais com a possibilidade de surgirem outros antes não vivenciados.

Certo é que nos próximos anos teremos uma grande transformação quanto a interação social das pessoas, passando a ser comum um ambiente onde virtualmente pessoas e empresas construirão serviços e se comunicarão, criando novos protocolos e formas de serem aplicados, consequentemente novas demandas judiciais e novas plataformas virtuais surgirão e, uma única certeza, o metaverso já está entre nós.