Origem e evolução histórica do processo judicial

*Edson de Brito Leite

INTRODUÇÃO

É cediço que os trabalhos científicos e/ou de cunho informativo que atribua a origem ou historicidade de algum instituto a registros seguidos por alguma fé, sobretudo, a cristã, é passível de críticas sob o raso argumento de que ciência e religião não se misturam.

Contudo, a obviedade de algumas coisas não pode ser refutada sob a ótica da realidade a não ser lançando mão de esdrúxulas teorias. Sendo assim, a origem e evolução da teoria geral do processo tem firme e sólida consistência histórica baseada nos relatos da Bíblia Sagrada Cristã.

A seguir passaremos por essa origem derivada do poder eclesiástico e chegaremos aos dias contemporâneos e no Brasil.

DA ORIGEM DO PROCESSO

Direito Eclesiástico

Os escritos antigos mais acessíveis que possuímos são a coletânea bíblica sagrada, ou seja, não é um livro somente de dogmas estruturantes de uma religião ou fé, mas também é uma riquíssima fonte histórica da existência da humanidade.

Logo, não se pode refutar que um registro confiável e fidedigno da origem do instituto do processo é o registrado no livro bíblico de Juízes – livro esse que consta da Bíblia Sagrada Cristã tanto de linha Católica como Evangélica.

Os Juízes eram sacerdotes escolhidos pelo povo ou por Deus na época do antigo testamento, ou seja, anteriormente ao nascimento de Cristo.

Dentre os mais destacados podemos citar: Gideão, Sansão e Débora, cujas histórias constam do livro Juízes, sétimo livro da Bíblia (Shofetim em Hebraico).

Nessa época a judicatura era exercida por esses líderes que recebiam as celeumas do povo, ouvindo as partes e dando uma sentença para cada caso, levando-se em consideração a Lei Mosaica.

DA EVOLUÇÃO

Processo Romano

Concomitante a época dos Juízes Bíblicos têm-se registro de que em Roma havia também uma espécie de Tribunal onde o ofendido convidada o réu para uma audiência perante o magistrado, onde todo o procedimento era oral, ou seja, todas as provas eram levadas e produzidas ali mesmo perante também um corpo de jurados que auxiliava o Juiz chamado pretor ou arbiter.

Após a época de 149 a.C fora instituído em Roma o sistema por fórmulas, que nada mais era do que um registro escrito do que se tratava o litígio – o que hoje consta nas decisões atuais como relatório.

Esse resumo do litígio era entregue as partes que com auxílio de um escriba, ou seja, pessoa que sabia ler e escrever, se inteirava do processo e compareciam perante o juiz pretor para fazer sua defesa ou acusação.

Contudo, mister consignar que até então não se falava em Direito, mas tão somente em pretensão. Ou seja, era o pedido de alguém baseado em uma determinada Lei, moral ou escrita.

Processo Germânico

No contexto germânico o poder de decidir era exercido por uma assembleia de populares, denominados homens livres. Ainda não existia o conceito de cidadão como temos hoje, posto que, cidadão advém da preexistência de uma cidade – pólis.

Em Portugal

Um dos cinco livros das Ordenações Afonsinas datadas de 1446, era referente a Processo Civil, mais precisamente o terceiro livro. As formatações eram fortemente influenciadas pelo Direito Romano e canônico, fazendo-se uma fusão dos mesmos.

As ordenações Manuelinas e Filipinas também possuíam um livro dedicado ao Processo Civil. Uma curiosidade dessa época era que as testemunhas eram ouvidas de forma secreta, sendo que, em suma era pedido, réplica, tréplica, produção de provas e depois decisão e execução.

Nas ordenações Filipinas datadas de 1603 já se tinha mais clara a questão de fase decisória e executória, que inclusive ao influenciar o antigo Código de Processo Civil Brasileiro (1940) deixava a fase de execução uma situação bem confusa, com inserção de exceções as regras.

Fato importante é que também nas ordenações Filipinas constava um livro para regular o processo criminal, que à época admitia tortura, marcas de fogo, açoites, mutilações e degredo.

Na França

Na França houve o registro do que seria o primeiro código de regras processuais. Não seria exatamente um código como nos moldes de hoje, mas as Ordenança Civil de Luiz XIV, em 1667, deu os fundamentos para o Código de Processo Civil Francês que viria a ser constituído em 1806.

Esse código ficou famoso, pois, como prevento de um novo sistema serviu de modelo para a criação e desenvolvimento dos Códigos da Bélgica, Grécia, Holanda, Rússia dentre outros.

No Brasil

Chegando finalmente ao nosso país, a Constituição de 1824 por óbvio era híbrida e também versava sobre normas de cunho processual. Foi na mesma que constava a tão máxime do direito penal – in dubio pro reo da presunção de inocência – pois, ninguém poderia ser preso sem provas robustas da culpa.

Quando da Constituição de 1824 também foram abolidas as práticas de açoites, marca de ferro, tortura e demais penas cruéis, contudo, permaneceu-se a pena de exílio.

A Constituição de 1934 inovou ao instituir a forma federativa de estados e assim deu poderes aos entes federados que se consubstanciava em independentes na dualidade União x Estados Federados.

Por isso, uma curiosidade é que não havia um código processual brasileiro, nem civil, nem criminal, contudo, com a independência dos entes federados o Estado da Bahia foi o primeiro a instituir um Código Processual em 1915.

A Bahia detinha um grande conhecimento no cultivo de cacau e por isso muitos litígios se formavam ao redor das disputas por terras, plantações, etc. Isso demandou o impulso inovador no Estado da Bahia que é reconhecido por ter sido um grande celeiro de pensadores e intelectuais, sobretudo, na literatura e no direito.

Seguido da Bahia, Minas Gerais no ano seguinte, 1916, institui o Código Processual de Minas Gerais.

Contudo, se prosseguisse dessa maneira, ou seja, cada estado da federação instituindo regras processuais, o país não seria uma federação, colocando em risco o poder inclusive da união.

Então, quando da Constituição Federal de 1934 ficou estabelecido que somente a União poderia instituir regras de cunho processual, sendo sua competência privativa.

Foi então, que se procedeu a elaboração do Código de Processo Civil Brasileiro em 1939. Código altamente influenciado pelos Códigos da Alemanha, Portugal e Áustria.

Os prazos eram bem curtos, e dava preferência para a oralidade, sendo assim, os processos eram bem céleres, coisa que falta nos dias de hoje, diga-se de passagem.

Os penalistas devem estar perguntando e a parte criminal? Pois bem, dois anos após, em 1941 foi instituído o Decreto-Lei 3.689, vastamente conhecido pelos estudiosos do direito penal como Código de Processo Penal.

Após isso veio o CPC de 1973 chegando até o atual. E, o Código de Processo Penal com inúmeras emendas – mas carrega a nomenclatura desde 1941 até hoje!

A Lei 7.244/1984 instituiu pela primeira vez o rito das pequenas causa, que hoje é regulado pela Lei 9099/95.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo não tem o condão de esgotar o tema, mas apenas de dar uma amplitude básica, situando o estudioso sobre as origens e evolução do direito processual, para que identifique na linha temporal o quanto podemos desenvolver a respeito da teoria geral do processo e aguçando o despertar da curiosidade científica e evolutiva.

*Edson de Brito Leite, Bacharel em Direito, Advogado, Especialista em Direito do Consumidor e em Processo Civil, Mestrando em Direito Eclesiástico, Escritor e Compositor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BETTI, Emílio. Ragione e azione. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1932; MARTINS, Sérgio Pinto. Teoria Geral do Processo, Saraiva, 2019;