Você sabe o que é crowdfunding eleitoral? Especialista tira dúvidas sobre esse tipo de financiamento coletivo

Desde o último dia 15 de maio, pré-candidatos a qualquer cargo nas eleições de outubro podem arrecadar recursos para suas campanhas via financiamento coletivo, o chamado crowdfunding, ou “vaquinha eleitoral”. A inovação, já comum em campanhas eleitorais americanas, chegou à legislação brasileira pela Lei n.º 13.488/2017, que incluiu dispositivos na Lei das Eleições 9.504/1997. Para saber como funciona esse tipo de financiamento e seus impactos nas campanhas, o Portal Rota Jurídica conversou com o advogado Lourival de Moraes Fonseca Júnior, do escritório Fonseca Mauro Monteiro e Advogados Associados. O especialista diz que, de forma similar ao que ocorre nos projetos culturais, científicos ou beneficentes, o crowdfunding eleitoral permitirá que o eleitor integre projetos políticos específicos, escolha determinado pré-candidato e aposte em sua campanha. Confira a entrevista:

RJ – No último dia 15 de maio, iniciou-se o período de arrecadação para financiar campanhas eleitorais por meio do crowdfunding. Como serão feitas as doações?
A norma estabelece que a arrecadação prévia de recursos para campanha eleitoral deve ser operacionalizada por empresas privadas autorizadas pela Justiça Eleitoral e ancoradas em ambientes eletrônicos. Poderá ser feita campanha de arrecadação prévia, desde que tomados os devidos cuidados para que não se pratique propaganda eleitoral antecipada.

Os valores arrecadados ficarão retidos e só serão disponibilizados para o candidato após o registro de candidatura, caso contrário serão devolvidos aos doadores. A administradora deverá dar ampla publicidade às taxas de administração e viabilizar o uso de cartões de débito e crédito. O candidato não responderá por fraudes ou erros cometidos exclusivamente pelo doador.

Pelo regramento, cada doador deverá ser minuciosamente identificado pela entidade arrecadadora (nome completo, CPF, valor, dados para devolução dos valores e para contato), que emitirá o recibo respectivo, manterá o pré-candidato e a Justiça Eleitoral informados, e ainda, disponibilizará na internet lista de doadores e valores atualizados a cada nova doação.

Só poderão doar as pessoas físicas, dentro das condições e limites permitidos em lei e ficarão mantidas todas as proibições previstas no artigo 24, da Lei 9.504/1997 e na ADI 4650-STF (pessoas jurídicas, entidades ou governos estrangeiros; órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional mantida com recursos públicos; concessionários ou permissionários de serviço públicos; entidades de direito privado beneficiárias de contribuição compulsória legal; entidades de utilidade pública; entidades de classe ou sindical; pessoas jurídica sem fins lucrativos que recebam recursos do exterior; entidades beneficentes e religiosas; entidades esportivas; organizações não-governamentais que recebam recursos públicos; organizações da sociedade civil de interesse público).

RJ – Em sua opinião, quais os benefícios crowdfunding eleitoral?
A inovação introduzida pela Lei n.13.488/2017, instituindo o crowdfunding eleitoral, tem o condão principal de ir de encontro ao anseio de flexibilização das formas legais de arrecadação eleitoral, além de constituir em uma ferramenta que permita o crescimento das doações de pessoas físicas após a vedação das doações de pessoas jurídicas.

Ao meu juízo, o crowdfunding eleitoral, aliado ao aprimoramento das estratégias de marketing digital, à redução da propaganda eleitoral de rua (modificações decorrentes principalmente da Lei n.13.165/2015), à redução e limitação dos tetos de gastos eleitorais (Lei n.13.165/2015 e Lei n.13.488/2017), ao uso intenso das redes sociais, à permissão para impulsionamento de campanha eleitoral na internet (Lei n.13.488/2017), à manutenção da proibição de doações por pessoas jurídicas, ao fundão eleitoral cuja distribuição aos candidatos está atrelada a critérios legais e partidários (Lei n.13.488/2017), em tese, cria melhores condições para que nomes consistentes, com conteúdo político, tenham chance de obter arrecadação para suas campanhas de modo mais rápido e direto.

Sou um entusiasta da ideia de que o eleitor pode assumir um novo papel no cenário das eleições. De forma similar ao que ocorre nos projetos culturais, científicos ou beneficentes, o crowdfunding eleitoral permitirá que o eleitor integre projetos políticos específicos, escolha determinado pré-candidato e aposte em sua campanha, de modo a obter como recompensa um mandato que venha a cumprir as propostas formuladas no momento da arrecadação de recursos. Este é um conceito novo que promove o compartilhamento de projetos políticos entre eleitores e candidatos, sem que estes últimos fiquem limitados pela decisão dos partidos quanto ao investimento em determinadas campanhas.

RJ – É necessária a ajuda de um advogado para esse procedimento?
Não há necessidade de amparo jurídico prévio para promover as doações. As responsabilidades trazidas pela lei, senão em sua totalidade, mas em quase toda ela, se destinam aos operadores do crowdfunding, que deverão adequar os seus sistemas às exigências legais, e não ao candidato.

Terão as empresas que se cadastrar junto ao Tribunal Superior Eleitoral e adaptar-se às regras de transparência características dos pleitos eleitorais, mantendo lista atualizada de doadores e valores, individualizada por candidato. Nesta linha, inclusive, uma situação que merece destaque é a inclusão, pela Lei 13.488/2017, do parágrafo 6º no artigo 23, a fim de isentar o candidato de responsabilidade em caso de fraude ou erro cometido pelo doador.

Diferentemente de como ocorre na doação feita pessoalmente, em que os comitês de campanha tendem a alertar o doador acerca do limite de 10% dos rendimentos auferidos no exercício anterior, as doações por meio digital estarão mais vulneráveis a infringir o teto, acarretando em responsabilização do doador, muitas vezes por desconhecimento da legislação eleitoral por parte do eleitorado brasileiro.

RJ – Existe risco de fraude nesse tipo de financiamento? Quais as penalidades?
Tentativa de fraude são sempre uma possibilidade, mas muitos são os meios para coibi-las. Para detectá-las, ainda que posteriormente. Os recursos às mãos do Ministério Público Eleitoral e da própria Justiça Eleitoral são também muito amplos. A título de exemplificação, em 2016, ainda que já impossibilitadas doações de empresas, foram percebidos vários casos de suspeita de fraudes em doações de pessoas físicas na modalidade doação direta para as campanhas, ainda sem o crowdfunding.

A possibilidade de que esse tipo de fraude seja transferido para o financiamento coletivo, por meio de doações feitas por laranjas, em tese é também analisada com atenção por empresas do setor que, em sua maioria, têm mais ferramentas para detectar possíveis irregularidades, como bancos de dados que detectam cadastramentos sequenciais de CPFs, sistemas que apontam se um mesmo computador está tentando cadastrar diferentes doadores e se um cartão de crédito pertence de fato ao doador.

RJ – Existe limite de valor a ser recebido pela modalidade de financiamento coletivo?
Sim. De acordo com o disposto na resolução-TSE 23.553, artigo 22, parágrafo 1º, as doações de valores iguais ou superiores a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só podem ser realizadas mediante transferência eletrônica, emitida diretamente da conta bancária do doador para a conta bancária do beneficiário, sem a intermediação de terceiros. Essa regra deve ser observada, inclusive, na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia (resolução-TSE 23.553, art. 22, § 2º)3.

O esclarecimento dado foi restritivo, no sentido de que não haveria nenhuma possibilidade de intermediação, o que incluiria a atuação das plataformas de crowdfunding, nas doações de valores iguais ou superiores a R$ 1.064,10, que deveriam ser realizadas diretamente entre as contas bancárias do doador e do beneficiário.

A questão possui a maior relevância nesse período anterior ao início do processo eleitoral, uma vez que o financiamento coletivo é a única forma pela qual os pré-candidatos podem arrecadar recursos antes do cumprimento dos pré-requisitos de arrecadação, consistentes no pedido de registro de candidatura, na obtenção do CNPJ de campanha e na abertura da conta bancária de campanha (art. 3º, caput, da res. TSE 23.553/18).

Como a arrecadação prévia de recursos é realizada pelas plataformas de financiamento coletivo e fica retida nas suas respectivas contas intermediárias até a abertura da conta de campanha pelos pré-candidatos, o que somente será possível após o pedido de registro de candidatura e a obtenção do CNPJ de campanha, a interpretação mencionada acima acerca do disposto no art. 22, §§ 1º e 2º, da res. TSE 23.553/18 impediria que nesse período de pré-arrecadação ocorra doações diárias, realizadas pelo mesmo doador a determinado pré-candidato, de valores iguais ou superiores a R$ 1.064,10 (um mil e sessenta e quatro reais e dez centavos).

Entretanto, não obstante o suposto limite de R$ 1.064,09 diário, vale salientar a possibilidade de um mesmo doador realizar sucessivas doações em dias distintos até atingir o limite de 10% de sua renda bruta auferida no ano anterior às eleições, conforme dispõe o art. 29 da resolução TSE 23.553/18.

RJ – É possível traçar um paralelo histórico com a utilização deste modelo de arrecadação em outros países?
A importância da internet nas eleições, mas principalmente do financiamento online, se tornou bastante visível com a eleição de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos, em 2008. Com a média de 80 dólares por doação, a equipe conseguiu arrecadar impressionantes 600 milhões de dólares ao longo da campanha presidencial.

Apesar de não utilizar necessariamente uma plataforma de crowdfunding, com a devida transparência dos doadores e da quantia doada, a campanha de arrecadação demonstrou a viabilidade de um candidato popular arrecadar uma soma expressiva de dinheiro sem depender de doações de maior porte.

Nas eleições europeias de 2014, o partido PODEMOS, da Espanha, utilizou uma plataforma amplamente transparente, com metas, prestação de contas em tempo real e especificações sobre a destinação dos valores arrecadados. No final do processo, o partido arrecadou cerca de 1,2 milhão de euros, auxiliando o custeio de metade da campanha eleitoral.

A campanha presidencial de Peeka Havisto, na Finlândia, em 2012, e as campanhas de arrecadação para o Partido Verdeno Reino Unido, demonstram que esse fenômeno da utilização do crowdfunding vem crescendo ao longo dos últimos anos.

O sucesso dessas empreitadas permitiu a criação de novas plataformas de crowdfunding não apenas para políticos, mas também para bandeiras ou projetos específicos. Nesta seara, temos o exemplo da campanha contra o Gerrymandering, capitaneada pelo ator e político Arnold Schwarzenegger, ou mesmo, da estratégia política do partido Democrata dos Estados Unidos em reconquistar cadeiras nas eleições estaduais através do projeto flippable.

RJ – Diante de todo esse cenário, o que representa essa inovação financiamento coletivo das campanhas eleitorais?
Sou otimista: entendo que é possível que o espírito da democracia representativa seja estimulado pelo crowdfunding, já que grupos de eleitores alinhados poderão decidir investir coletivamente em campanhas que se aproximem mais de suas expectativas e ficarão mais motivados a monitorarem mandatos de candidatos nos quais depositaram seus anseios.

O financiamento coletivo das campanhas eleitorais pode representar um passo importante na tentativa de maior envolvimento das pessoas físicas com as campanhas eleitorais, pois quem doa tende a aderir a um projeto.

Para as eleições de 2018, analistas políticos, estrategistas e marqueteiros concordam em pelo menos uma questão: esta será a campanha do conteúdo. Quem apresentar um conteúdo qualificado, exequível e coerente com sua história poderá colher bons frutos, principalmente se utilizar corretamente as plataformas digitais disponíveis na rede. É um novo momento, que exige novas posturas.