Um ano após a vigência da Reforma Trabalhista, alterações ainda trazem insegurança jurídica, avaliam especialistas

A Lei 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, completa um ano de vigência neste domingo (11/11). As alterações em mais de cem artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) vêm mudando, ainda em meio a muita insegurança, a dinâmica das relações entre patrão e empregado e a rotina do Judiciário Trabalhista.

O efeito mais perceptível da reforma, na opinião de operadores do direito, foi a redução no número de ações ajuizadas após a entrada em vigor da nova lei. Em Goiás, a Justiça do Trabalho recebeu, de janeiro a outubro deste ano, 54.434 reclamações trabalhistas. O número é 26,1% menor que no mesmo período do ano anterior, quando o total de novos casos chegou a 73.704.

Analisando-se a situação por comarcas na 18ª Região, pode-se observar que a redução em algumas Varas foi até superior à média geral de 26%. É o que se constata em Goiatuba, por exemplo, onde a queda no volume de novas ações entre janeiro e outubro deste ano foi de 58%. Há, todavia, unidades que até tiveram aumento de demanda, como São Luís de Montes Belos, onde houve um acréscimo de 20% no número de reclamatórias trabalhistas recebidas nos dez primeiros meses de 2018, sobretudo em razão de um volume considerável e excepcional de ações da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) cobrando contribuições sindicais de anos anteriores.

O vice-presidente e corregedor do TRT18, desembargador Paulo Pimenta, observou que a redução no volume de processos tem de ser pensada sob dois aspectos. “Se imaginarmos que, com a reforma, a legislação trabalhista passou a ser cumprida por todo mundo, então a redução será positiva. Será o melhor dos mundos e o sonho de todos nós que militamos em busca do direito social”, afirmou.

Por outro lado, de acordo com o desembargador, se a lesão ao direito do trabalhador continua acontecendo e agora ele está inibido, receoso de buscar a reparação, a redução é extremamente negativa. “Nesse cenário, a redução no número de ações é algo triste porque não reflete um avanço social, mas uma restrição de acesso do trabalhador ao Judiciário”, ponderou.

Paulo Pimenta fez uma analogia com a diminuição na busca por atendimento no pronto-socorro de um hospital. “Por que reduziu? Se for porque todo mundo está com a saúde em ordem, ninguém está doente, excelente! Mas a procura pode ter reduzido porque agora quem for ao hospital vai ter que pagar e, então, a pessoa que está passando mal e não tem dinheiro fica em casa”, lamentou.

Essa possível inibição do trabalhador em buscar a Justiça pode ter como causa um dispositivo da Reforma Trabalhista que obriga o empregado a pagar as custas do processo e os honorários sucumbenciais da outra parte se ele não conseguir provar os fatos alegados na reclamação. Segundo levantamento feito na base de dados de 1º grau do Processo Judicial Eletrônico (PJe) na 18ª Região, de janeiro a outubro de 2018 foram solucionados 73.901 processos, nos quais 7.640 (10,33%) houve condenação do reclamante ao pagamento de alguma espécie.

O alcance dessa nova regra, inclusive sobre o trabalhador que seja beneficiário da justiça gratuita, é objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), onde foi apresentada uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) pelo Ministério Público Federal, motivo pelo qual, de acordo com o desembargador Paulo Pimenta, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) sequer está analisando essa matéria.

Questionado se os magistrados da 18ª Região estão aplicando a condenação ao trabalhador, Paulo Pimenta respondeu que a reforma precisa ser interpretada à luz dos preceitos aos quais ela está subordinada, notadamente à luz da Constituição Federal. “Há uma diversidade de entendimentos entre os magistrados. O juiz segue a sua convicção, obviamente por meio de decisão fundamentada. Temos muitos juízes aplicando essa regra e impondo condenações aos trabalhadores, mas temos juízes também que, ao entenderem que a regra é inconstitucional, mesmo que a matéria ainda não tenha sido decidida pelo STF, podem exercer o controle de constitucionalidade difuso e, naquele processo, afastar a aplicação desse ponto da lei”, explicou.

Paulo Pimenta ressaltou que essas decisões monocráticas em primeira instância vão sendo submetidas às decisões superiores mediante recursos. “Os Tribunais vão ter que se debruçar sobre isso e fixar o que a gente chama de jurisprudência, que vai consolidando o entendimento majoritário da magistratura. Hoje é difícil imaginar uma posição majoritária porque um ano ainda é um tempo curto para essa sedimentação”, destacou.

Posicionamento do TRT18
Quanto ao posicionamento do TRT18 sobre a cobrança das custas e honorários da parte autora que perder a ação, o desembargador explicou que o Pleno do Tribunal analisou uma arguição de inconstitucionalidade na qual, ao contrário do que outros Regionais fizeram, “o Regional goiano, embora com divergência de alguns desembargadores, afastou a inconstitucionalidade, uma vez que o próprio relator da ADI que tramita no STF negou liminar para suspender sua eficácia. Então, hoje, o que prevalece no nosso Tribunal, enquanto não sai a decisão do Supremo, é de que a norma é constitucional”, concluiu.

Advogados
O advogado Rafael Lara, que têm como clientes em sua maioria empregadores, disse lamentar que mesmo após um ano de vigência da Reforma Trabalhista ainda haja tanta insegurança jurídica e que ainda se debata questões sobre as quais não há uma pacificação no Poder Judiciário. Ele afirmou que os Tribunais Regionais têm entendimentos diferentes.

Para o advogado, isso traz medo e insegurança para a relação dos empregadores com a Justiça do Trabalho e até para as relações com seus empregados. “Você tem uma série de medidas e decisões de gestão a serem tomadas pelos empregadores e essas decisões acabam ficando suspensas enquanto o Poder Judiciário não acena. A insegurança após um ano de reforma trabalhista é prejudicial até para a economia do país”, opinou.

Rafael Lara acredita que um dos pontos que vai definir efetivamente o rumo da reforma é a ADI que tramita no STF. “Vejo que o julgamento dessa ação vai ser o grande norteador da Reforma Trabalhista enquanto fator redutor das reclamações, sem que eu esteja entrando no mérito se isso é bom ou ruim”, declarou.

Quanto à redução do número de novos processos, o advogado disse perceber que houve, de fato, uma queda muito significativa naqueles ações mais frágeis, que não tinham um arcabouço probatório, uma possibilidade de êxito muito grande. “Essas reduziram assustadoramente. A gente poderia pegar como exemplo diversas rescisões indiretas em que o trabalhador, na verdade, queria pedir demissão e acabava postulando a rescisão indireta de seu contrato de trabalho e buscava a Justiça na tentativa de um acordo. Esse tipo de processo hoje já é bem mais raro de se ver”, concluiu.

Para o advogado Hélio Mendes, que tem como clientes os empregados, em sua maioria, avaliou que a queda no número de ações e nos valores dos pedidos é consequência da sucumbência, com a cobrança das custas processuais e honorários do trabalhador que não consegue provar seu pedido.

Hélio Mendes lembrou que a reclamatória trabalhista é composta pela matéria de direito, aquela em que o empresário tem de apresentar documentação, e a matéria fática, em que é necessário o empregado fazer prova do que ele alega, com um colega de trabalho por testemunha, por exemplo.

“Na prática, o que está ocorrendo é que a matéria de direito continua sendo solicitada. Na matéria fática, a verdade do trabalhador está nas mãos do empresário. Como é que o trabalhador vai provar um caixa dois, sendo que ele precisa de colegas para fazer essa prova? O empresário vai tentar inibir aquela testemunha de ir efetivar a oitiva. Quanto à matéria fática, nós os operadores, estamos com dificuldade por não ter certeza de atingir o objetivo que é a prova. A matéria fática já está sendo prejudicada”, avaliou.

Hélio Mendes avaliou que 70% dos artigos alterados pela Reforma Trabalhista foram desfavoráveis ao empregado e apenas 7% favoráveis a ele. O advogado acha que a reforma precisaria ser revista para não penalizar o trabalhador. “A sucumbência, que era uma reivindicação antiga nossa, passou a prejudicar a condição do trabalhador vir pleitear seus direitos aqui na Justiça do Trabalho”, arrematou.

Pedidos
No TRT18, o que se observa até agora é que um ano depois da Reforma Trabalhista houve uma alteração significativa na formulação dos pedidos e no rito das novas ações. Dados da Divisão de Estatística do TRT18 revelam que, de janeiro a outubro de 2017, 57,9% das ações ajuizadas seguiram o rito ordinário, no qual as ações têm valores maiores e a tramitação é mais demorada. Já nos primeiros dez meses deste ano, nota-se uma inversão, com 59,3% das novas ações tramitando no rito sumaríssimo, com causas de valor menor e com desfecho do processo mais rápido.

“Um ano para avaliação dos efeitos da reforma é um tempo curto ainda. E há uma série de dispositivos da lei, cuja constitucionalidade está em discussão, esperando uma definição do Supremo Tribunal Federal (STF). Usando um dito bem popular, ainda não se tem uma certeza se esse ou aquele dispositivo vai ou não pegar”, ponderou o desembargador Paulo Pimenta.

Na opinião dele, é natural que nesse período haja um compasso de espera aguardando a definição do Supremo para que os advogados, as partes, os trabalhadores e mesmo as empresas possam decidir e agir com maior segurança. Segundo o vice-presidente do TRT18, enquanto essa insegurança persistir, os pedidos dos autores das ações devem continuar a ser mais cautelosos, causando a diminuição dos valores demandados. (TRT-18)