O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) suspendeu, em sede de medida cautelar, a eficácia da Lei Estadual nº 21.784, que proibia visitas íntimas nos estabelecimentos penitenciários do Estado de Goiás. A decisão foi proferida em ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás. Com isso, os efeitos da lei questionada ficam suspensos até o julgamento do mérito da ação.
O presidente da OAB-GO, Rafael Lara Martins, avaliou como prudente a decisão diante flagrante inconstitucionalidade e de violações em cadeia promovidos pela lei nº 21.784/2023 aos direitos fundamentais e humanos, colidindo, inclusive, com a Constituição Estadual e a Federal, a Lei de Execução Penal, Pacto de São José da Costa Rica, e Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela).
“A afronta à Constituição de 1988 se dá por ofensa material a uma multiplicidade de normas constitucionais, especialmente no que tange à dignidade da pessoa humana, ao direito fundamental à intimidade, aos direitos de personalidade, à garantia constitucional da intranscendência das penas, à assistência da família aos presos e ao dever constitucional do Estado brasileiro de promover e proteger a família, como instituição nuclear da ordem social na Constituição de 1988”, destacou Rafael.
Rafael ainda frisou que a dignidade humana é um direito inalienável, inafastável e não há possibilidade de o legislador estadual limitar essa dignidade. “É imperioso que o Estado proporcione a preservação dos vínculos familiares, seu restabelecimento ou até mesmo o estabelecimento de novos vínculos, se for o caso. O direito à família, à visita íntima, consolida isso. De forma utilitarista, sem os vínculos familiares, qualquer expectativa de ressocialização do detento fica gravemente dificultada e estatisticamente prejudicada.”
Decisão
Os desembargadores acolheram cautelarmente os argumentos apresentados pela OAB-GO na ADI 5087913-06, protocolada em 14 de fevereiro deste ano – menos de um mês após a entrada em vigor da lei. Diante disso, a referida lei passa a ser inconstitucional, ou seja, foi declarada a sua nulidade, cautelar, diante afronta ao texto constitucional. O mérito da ADI deve ser julgado nas próximas sessões do Órgão Especial.
Nos argumentos apresentados pela OAB na Petição Inicial e acatados pelo TJ-GO, está a patente inconstitucionalidade formal e material do referido dispositivo normativo, extrapolando a competência suplementar do Estado, ao restringir direito garantido e plenamente regulado por norma federal, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.810/1984).
A OAB-GO ainda defende que a norma estadual fere o artigo 22, I, da Constituição Federal, que dispõe sobre a competência privativa da União de legislar sobre direito penal e processual penal, além de afirmar que a vedação das visitas íntimas também viola o princípio da intranscendência da pena, que estabelece que a pena não passará da pessoa do condenado (artigo 5º, XLV, da Constituição Federal), ao atingir as famílias dos reclusos.
Defensoria
Pela relevância da ADI, a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) também formulou pedido para figurar como parte interessada na ADI e alegou o impacto que o posicionamento do TJGO nas garantias constitucionais, como a dignidade, a intimidade, os direitos sexuais e reprodutivos, a pessoalidade, a correlação e individualização da pena, a vedação à pena cruel e integridade física e moral das pessoas privadas de liberdade. O defensor público Luiz Henrique Silva Almeida representou a Defensoria Pública do Estado de Goiás. O advogado Vítor Sousa Albuquerque também compareceu, representando o Instituto Anjos da Liberdade.
Ofício
O relator da matéria, desembargador José Paganucci, determinou também que se oficiasse todas as varas de Execução Penal do Estado e à Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás do teor da decisão, que acolheu os argumentos apresentados pela OAB-GO, de que “a condição de apenado não altera o status da pessoa humana e não a coisifica”, ou seja, que mesmo privada de sua liberdade, o atributo da dignidade que lhe é conferido de forma “irrenunciável e imprescritível” pela Constituição, que também garante o direito à intimidade.
Histórico
A Lei nº 21.784 entrou em vigor em 17 de janeiro de 2023, “proibindo visitas íntimas nos estabelecimentos penitenciários”. O Projeto de Lei foi proposto pelo Deputado Estadual Henrique Arantes (então PTB, atual MDB GO) e promulgada, nos termos do art. 23, §7º da CE/GO, pelo então Presidente da ALEGO, Lissauer Vieira (PSD).
Após a entrada em vigor, no âmbito da OAB-GO, a pedido do presidente Rafael Lara Martins, o teor da lei foi remetido para apreciação e pareceres da Comissão de Direito Constitucional e Legislação (CDCL), presidida pelo advogado Saulo de Oliveira Pinto Coelho, com a vice-presidência jovem do advogado Lucas da Silva Rocha, ambos signatários da petição; da Comissão de Direito Criminal (CDCrim), Comissão de Execução Penal (CEDEP), e Comissão de Direitos Humanos (CDH).
Passado para análise do Conselho Seccional da OAB-GO, o processo teve como relator o conselheiro seccional Auro Jayme, que emitiu parecer pela inconstitucionalidade da lei. Em votação no Pleno, a OAB-GO acolheu por unanimidade o ajuizamento da ADI em sessão no dia 13 de fevereiro, sendo a ADI protocolada no dia 14 de fevereiro. Fonte: OAB-GO