TJGO reconhece soja como bem de capital essencial à recuperação judicial de produtor rural e impede expropriação dos grãos durante “stay period”

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) reconheceu recentemente a soja como bem de capital essencial à recuperação judicial de um produtor rural e impediu a expropriação dos grãos durante o período no qual há a suspensão das ações de execuções, embasada no princípio da preservação do negócio, chamado “stay period”.

O entendimento é da  7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás. Sob a relatoria do juiz substituto em segundo grau, Ricardo Prata, foi proferido acórdão unânime, em agravo de instrumento, para reconhecer que “o caso do produtor rural é atípica frente às demais empresas comuns e, na maioria das vezes, o produto agrícola é a principal moeda de troca capaz de fazer o negócio alavancar, de modo que os atos de constrição e expropriação patrimonial podem colocar em risco a continuidade das atividades empresariais e a própria finalidade do instituto da recuperação judicial”.

O relator sustentou que “se tratando de recuperação judicial de produtor rural, grande parte de seus créditos advém de garantias vinculadas à Cédula de Produto Rural, com liquidação física”. Contudo, ressalvou que “é possível ao juízo recuperacional, no que se refere a expropriação de bens e ativos do recuperando, em atenção ao princípio de preservação da empresa, impor restrições temporárias aos credores que não se sujeitam ao regime de recuperação judicial, os chamados credores extraconcursais, desde que os bens de capital se revelem indispensáveis à manutenção do desenvolvimento da atividade econômica exercido pelo recuperando.

A corte entendeu que, analisando o plano de recuperação judicial apresentado pelo proprietário rural, verifica-se que o agravante é apenas um, dentre outros 18 credores arrolados. E, com isso, concluiu que, “a privação, portanto, de grande volume do produto agrícola” tem o condão de representar considerável desfalque na contabilidade do recuperando, de modo que este dificilmente alcançará a finalidade do instituto recuperacional que é, exatamente, o soerguimento empresarial e a realocação no mercado produtivo.”

Votaram com o relator o desembargador Sérgio Mendonça de Araújo e a juíza substituta em segundo grau Sirlei Martins da Costa. Foi ressalvado que “a essencialidade do bem dado em garantia fiduciária, qual seja, a soja, não sujeita o crédito à recuperação judicial, mas apenas impede a prática de atos expropriatórios daqueles grãos, no “stay period”, previso no artigo 6º, § 4º da Lei nº 11.101/2005.”

O produtor rural foi representado pelo advogado Moacyr Ribeiro, do MRTB Advogados. Ele afirma que, na esteira do que restou decidido pelo TJGO, “as atividades exercidas pelo produtor rural diferem singularmente dos demais sujeitos ativos do processo recuperacional, pois enquanto empresários urbanos podem incrementar novas fontes de receita, o produtor rural conta apenas com a venda de sua produção para gerar receita”.

Ribeiro acredita que este tema retornará a pauta do STJ em 2024, devido o aumento considerável de recuperações judiciais de produtores rurais e os questionamentos promovidos por parcela significativa da doutrina, que confrontam com o único precedente da Terceira Turma, datado de maio de 2022, sem força vinculante.

Créditos sujeitos à recuperação judicial do produtor rural

Segundo Ribeiro, a Reforma da LRF determina que todos os créditos provenientes exclusivamente da atividade agrícola estão sujeitos à recuperação. Com exceção das operações de crédito rural mencionadas nos artigos 14 e 21 da Lei 4.829/1965, desde que tais operações não tenham sido negociadas entre o devedor e a instituição financeira antes do pedido formal de recuperação judicial.

Também não são abrangidos pelo processo de recuperação, de acordo com o advogado, os créditos adquiridos nos últimos três anos antes do pedido, quando direcionados à aquisição de propriedades rurais, assim como as dívidas derivadas de Cédulas de Produto Rural, a menos que haja comprovação de que a entrega total ou parcial do produto tenha sido impossibilitada por circunstâncias imprevistas e inevitáveis, conforme estipulado no artigo 11 da Lei nº 8.929/1994.

Apesar de ter autorizado a recuperação judicial de produtores rurais independentemente do registro perante a Junta Comercial pelo biênio legal, Ribeiro explica que a Reforma da LRF não regulou se os créditos constituídos antes do registro do produtor rural na Junta Comercial se sujeitam ou não à recuperação judicial.

Ele cita que o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça (porém ainda não vinculante) e dos Tribunais Estaduais é no sentido de que estão submetidos também à recuperação judicial os créditos constituídos antes da formalização do registro, mas quando o produtor rural já é considerado empresário (de acordo com a regra do artigo 966 do Código Civil.

Bens de capital essenciais à recuperação do produtor rural

Para assegurar a recuperação do devedor e viabilizar a recuperação de suas atividades empresariais, Ribeiro aponta que a LRF estabelece que todas as execuções e demais formas de retenção, penhora, sequestro, busca e apreensão do patrimônio da parte que teve o deferimento do processamento de sua recuperação judicial estão suspensas pelo período de 180 dias, conhecido como “stay period” (artigo 6º da LRF).

No entanto, determinados credores especificamente mencionados no artigo 49, parágrafo 3º, da LRF, como aqueles que possuem alienação fiduciária de imóveis, arrendadores mercantis ou proprietários/vendedores com cláusulas de irrevogabilidade ou irretratabilidade em seus contratos, não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial. Portanto, tais credores podem apreender ou alienar os ativos do devedor, mesmo durante o stay period, exceto, se aqueles ativos forem considerados “bens de capital essenciais” para a atividade empresarial.

Em 2018, no caso do Recurso Especial (REsp) 1.758.746 originário do TJGO, a Terceira Turma STJ estabeleceu alguns critérios para determinar se um bem em particular é considerado um bem de capital: (i) deve ser utilizado no processo produtivo da empresa em recuperação judicial; (ii) deve ser um bem corpóreo (móvel ou imóvel); (iii) deve estar sob a posse direta do devedor; e (iv) não pode ser perecível.

No entanto, por se tratar de um conceito abrangente, a definição de um bem de capital geralmente é feita caso a caso. Especialmente no caso de produtores rurais, os Tribunais Estaduais possuem interpretações distintas quanto à consideração de produtos agrícolas, como soja e milho, como bens de capital para a atividade empresarial do produtor rural. Portanto, há divergências no entendimento sobre se tais produtos podem ser vendidos ou apreendidos durante o stay period.