TJGO flexibiliza regra do ECA e permite tramitação em Goiânia de ação de guarda de adolescente que reside nos Estados Unidos 

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A 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) reformou sentença para permitir que uma ação de divórcio, guarda e alimentos, a qual envolve um adolescente que mora nos Estados Unidos com o pai, possa ser processada e julgada em Goiânia. Com base no melhor interesse do menor, os magistrados reconheceram, por unanimidade, a possibilidade de flexibilizar a regra de competência absoluta prevista no art. 147, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O dispositivo prevê que as ações relativas à guarda devem ser processadas no foro de domicílio do detentor da guarda — no caso, o genitor residente no exterior. No entanto, em análise do caso, o relator, desembargador Luiz Eduardo de Sousa, entendeu que a aplicação rígida da norma comprometeria a proteção integral do adolescente e que a competência poderia ser mitigada. 

Para o magistrado, o melhor interesse da criança deve prevalecer sobre a formalidade da regra legal, sobretudo diante da possibilidade de realização de atos processuais à distância, por meio eletrônico e videoconferência. O caso teve origem em Goiânia, onde reside a mãe do menor.

“A aplicação do princípio do melhor interesse da criança justifica a mitigação da regra de competência, especialmente quando sua observância estrita comprometer a efetiva proteção dos direitos da criança ou do adolescente”, ressaltou o relator em seu voto. Assim, foi declarada a competência do juízo da 7ª Vara de Família de Goiânia para processar e julgar a presente demanda.

Jurisprudência do STJ

O magistrado citou que o entendimento está alinhado com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Conforme previsto na Súmula 383, a regra da competência pode ser flexibilizada em situações excepcionais, sempre que sua aplicação literal possa prejudicar a proteção do menor.

Proteção da criança e do adolescente

O advogado Fernando Felix, sócio do escritório Fernando Felix Advogados, responsável pela condução da causa, destacou a importância da decisão para o Direito de Família brasileiro. “Essa decisão é emblemática porque reafirma que o Estatuto da Criança e do Adolescente não pode ser interpretado de forma meramente literal. Sua finalidade é proteger a criança e o adolescente, garantindo-lhes acesso à Justiça e à efetividade de seus direitos, mesmo quando as circunstâncias familiares envolvem residências em diferentes países.”

Felix também ressaltou que o precedente demonstra a evolução da jurisprudência brasileira na adaptação às novas realidades familiares. “O Judiciário goiano demonstrou sensibilidade e compreensão ao reconhecer que a proteção da criança está acima de formalismos legais. Trata-se de uma vitória não apenas para o nosso cliente, mas para a consolidação de uma interpretação mais humana e funcional do Direito de Família.”

Por fim, disse que a decisão reforça uma tendência crescente na jurisprudência brasileira: a de harmonizar o respeito às normas legais com a efetividade dos direitos fundamentais, sobretudo em casos complexos de famílias transnacionais. “Com essa deliberação, o TJGO contribui para a consolidação de uma visão mais protetiva e adaptada à realidade globalizada das relações familiares contemporâneas.”